Para conquistar uma cadeira

Alterações em regras eleitorais mudam perfil de gastos na disputa de 2018 pela Câmara

Bernardo Barbosa Do UOL, em São Paulo Pedro Ladeira - 1º.ago.2018/Folhapress

A disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados ficou um pouco mais barata e mais competitiva, mas ficou concentrada entre cerca de 8% dos candidatos que se inscreveram para o pleito de outubro de 2018.

A constatação faz parte de um estudo lançado pelo Cepesp/FGV (Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas) e pela Fundação Brava neste mês, feito com base nos gastos dos candidatos a deputado federal nas últimas eleições.

Outra descoberta dos pesquisadores é de que os gastos com pessoal, como cabos eleitorais, substituíram a publicidade como principal despesa entre os eleitos.

A justificativa para a mudança nesse cenário de campanha é uma série de alterações provocadas por novas lei e decisões da Justiça. Entre as de maior impacto, doações eleitorais por empresas foram proibidas, criando-se um fundo de campanha com dinheiro público; a campanha ficou mais curta; e os gastos com pessoal foram limitados, entre outras.

Pedro França/Agência Senado
Pedro Ladeira - 1º.fev.2019/Folhapress

Deputado se elegeu em 2018 gastando menos

Os pesquisadores compilaram dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e descobriram que a diferença de recursos, em média, entre os candidatos eleitos e os com chances de se eleger caiu bastante. Todos os valores foram reajustados pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) com referência em outubro de 2018.

Segundo o professor George Avelino, um dos coordenadores da pesquisa, esta diminuição da distância financeira entre os dois grupos indica que a quantidade de dinheiro gasto nas campanhas "deve ter sido o explicador menos importante para definir porque um cara foi eleito e o outro não foi."

Em 2010 e 2014, o gasto médio de quem foi eleito deputado federal foi de aproximadamente R$ 1,7 milhão. Esse valor caiu para R$ 1,1 milhão no ano passado. Já o gasto médio dos candidatos considerados competitivos pelo estudo -- os que não se elegeram, mas tiveram ao menos 75% dos votos do último eleito em seus estados -- se manteve em torno de R$ 1 milhão no mesmo intervalo de tempo.

Tudo isso aconteceu em um cenário em que a quantidade de dinheiro disponível para as campanhas diminuiu, principalmente devido ao fim das doações de empresas. Em 2010 e 2014, o total gasto nas campanhas de todos dos deputados federais foi de aproximadamente R$ 1,4 bilhão. Esse valor caiu praticamente pela metade em 2018 (R$ 743,1 milhões).

Houve uma queda nos recursos, e essa queda atingiu basicamente aquele extremo da distribuição de recursos: os candidatos que tinham acesso a financiamento corporativo e poderiam gastar bastante em suas campanhas

George Avelino, coordenador do estudo do Cepesp/FGV

O importante é competir

O professor lembra, no entanto, que os candidatos eleitos e competitivos são apenas 679 de 8.502 postulantes -- ou 7,9% do total. A competitividade fica restrita a quem faz parte destes grupos. E se menos de 10% dos candidatos têm reais chances de conseguir uma vaga na Câmara, por que tanta gente entra na disputa?

Do ponto de vista dos partidos, segundo Avelino, faz sentido lançar muitos candidatos. Isto porque um voto em um candidato também é um voto no partido, e as vagas na Câmara são distribuídas de acordo com a votação das legendas.

Já do ponto de vista dos candidatos, as motivações podem variar, diz o professor. Uma parte dos não eleitos concorre já mirando a briga para vereador ou prefeito na eleição que vem depois. "Eles estão saindo para preparar a campanha que é para valer, que é a campanha seguinte."

Outra parte é de lideranças locais que conseguem atrair uma quantidade relevante de votos em sua região. "Ela [a liderança] vai ser chamada para conversar por alguém que conseguiu se eleger e vai oferecer trabalhar junto, incluir na equipe. Muda a posição dela na hierarquia eleitoral e partidária", explica Avelino.

Em cidades pequenas, muito dependentes do poder público e com poucos empregos na iniciativa privada, se candidatar pode ser um canal não só para se chegar a um cargo eletivo, como para conseguir um cargo na administração pública, lembra o professor.

Ainda há um último grupo formado, de acordo com Avelino, por candidatos "laranjas" ou aqueles "que não têm a menor ideia de como é uma campanha, que acham que é só se candidatar e fazer propaganda que você se elege."

Apu Gomes/Folhapress
Gabriela Biló - 4.out.2018/Estadão Conteúdo

Menos publicidade, mais cabo eleitoral

A campanha de 2018 também marcou uma mudança na forma como os candidatos eleitos para a Câmara distribuíram o dinheiro que tinham à disposição.

O estudo da FGV apresenta uma série histórica iniciada em 2002. Daquele ano até 2014, os candidatos eleitos para a Câmara, somados, sempre gastaram mais com publicidade.

Em 2018, os gastos com publicidade e operações (como combustível, aluguel e alimentação) caíram e as despesas com pessoal, como a contratação de cabos eleitorais, passaram a ser as maiores.

Uma reportagem da BBC Brasil publicada em abril mostrou que os gastos com cabos eleitorais foram na contramão da queda dos recursos disponíveis para campanhas, avançando 84% entre 2014 e 2018. No total, os cabos eleitorais receberam R$ 197 milhões de todos os candidatos a todos os cargos, eleitos ou não.

Segundo George Avelino, "o gasto com pessoal é o mais importante em uma campanha para deputado federal". O professor explica que um candidato precisa buscar apoio em regiões fora da sua para ser eleito, e para isso vai contratar para sua campanha lideranças locais que vão "atestar sua credibilidade" junto à população.

"É o ex-candidato a vereador que teve 3.000 votos e não conseguiu se eleger, mas comanda 3.000 votos", diz.

Há também um outro lado desta despesa, que segundo Avelino ainda precisa ser melhor estudado, que é a própria demanda da população por trabalhos temporários ligados à campanha eleitoral.

"Ainda mais agora em uma época de desemprego, campanha é uma hora de arrumar algum [dinheiro]. É natural que seja assim", diz o professor. "E quanto mais gente trabalhando para você, mais 'força' você vai mostrar naquele lugar. Porque a outra coisa que o eleitor não quer é desperdiçar o voto em um candidato que vai perder. Se [o candidato] perder, ele não tem nenhum acesso às políticas públicas."

Precisamos gastar tanto?

O valor necessário para se eleger para a Câmara caiu e a competitividade aumentou. Uma nova lei fixou limite de gastos para as campanhas de cada cargo. Mesmo assim, o montante que sai dos cofres públicos para os partidos se bancarem nas disputas é expressivo.

Aprovado em 2017, o FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) -- específico para eleições -- repassou R$ 1,7 bilhão para as legendas no ano passado. Além disso, há o Fundo Partidário, distribuído anualmente aos partidos que superaram a cláusula de barreira, que ficou em R$ 927 milhões em 2019.

Segundo o professor George Avelino, não é possível afirmar que a eleição brasileira é cara, mas ele defende que haja mais controles no uso do dinheiro público repassado aos partidos.

"Se o dinheiro é público, você tem que ter um projeto, que é explicitar como você vai distribuir esse dinheiro. E uma prestação de contas que prove que esse dinheiro foi distribuído da forma como foi proposto", afirma.

Não sei se os partidos precisam desse dinheiro todo, e eu acho que eles deveriam ter que provar que precisam

George Avelino, professor

Para Avelino, a distribuição do dinheiro deve estar associada também a regras que permitam "condições mínimas" de competição dentro dos partidos, evitando a formação de oligarquias que controlem os recursos.

"O maior pavor é dar esse dinheiro todo para um dirigente controlar e, com isso, o partido não se renovar nunca", diz. Sem renovação, a oferta de candidatos fica restrita, o que prejudica o eleitor. "Eleição é um problema mais de oferta do que de demanda. Se eu tenho uma oferta fixa, o menu é fixo, não importa se você não está mais contente com ele. Tem que dar chance para os partidos se renovarem."

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