O Ártico derrete

Aquecimento global provoca mortes e avalanches na cidade mais ao norte do mundo

Alex Fraser e Hannah McKay Da Reuters, em Longyearbyen Hannah McKay/Reuters

Os icebergs flutuam como ilhas assombradas, passando pelo pequeno barco enquanto ele atravessa o fiorde cheio de uma lama esbranquiçada da geleira derretida. Às vezes, quando as águas aquecidas dissolvem o fundo de um iceberg, eles se tornam pesados no alto e dão uma cambalhota, como se estivessem brincando, e não morrendo.

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A geleira ou glaciar de Wahlenberg (foto) acima do fiorde naturalmente se rompe, despejando icebergs na água. Mas aqui isso está acontecendo em um ritmo cada vez mais rápido, por causa do aquecimento das águas oceânicas, segundo Kim Holmen (foto abaixo), diretor internacional do Instituto Polar Norueguês.

Holmen, usando um gorro de lã com um pompom rosa contra o frio de um dia de verão no Ártico, vive há três décadas no arquipélago de Svalbard, no norte da Noruega. Ele descreve as mudanças que considera "profundas, grandes e rápidas".

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"Estamos perdendo Svalbard como a conhecemos. Estamos perdendo o Ártico que conhecemos por causa da mudança climática", diz ele em meio aos constantes estalos e gotejamentos do gelo se dissolvendo. "Este é um aviso sobre todas as dificuldades e problemas que ocorrerão em todo o planeta."

Desde 1970, a temperatura média anual aumentou 4ºC em Svalbard, com a temperatura no inverno subindo mais de 7ºC, de acordo com um relatório divulgado em fevereiro pelo Centro Norueguês de Serviços Climáticos. O relatório "Clima em Svalbard 2100" também alerta que a temperatura média anual do ar em Svalbard deverá subir de 7ºC a 10ºC até o final deste século.

Desde 1979, a extensão do gelo no Ártico diminuiu quase 12% por década, com a redução no inverno mais acentuada nas áreas de Svalbard e do mar de Barents.

Essa não é uma boa notícia para a cidade principal de Svalbard, Longyearbyen. Com uma população de pouco mais de 2.000 pessoas, é a cidade mais setentrional do planeta.

E também a que sofre o aquecimento mais rápido.

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Fileiras de cruzes simples de madeira branca se erguem numa encosta perto de Longyearbyen, um cemitério escasso que parece vulnerável mesmo num dia ensolarado de agosto.

Ivar Smedsroed (foto abaixo) é o vigário de verão na Igreja de Svalbard, uma construção de madeira vermelha com detalhes em branco e uma torre de sino com um cata-vento no topo.

Dentro do templo luterano, que afirma ser a igreja mais ao norte do mundo, os vitrais pintam as montanhas cobertas de neve ao redor com tons pastéis.

O pastor só está aqui por este verão, mas nesse curto espaço de tempo já conhece os medos das pessoas sobre os efeitos da rápida mudança do clima.

Um desses efeitos é o degelo do pergelissolo (tipo de solo encontrado na região do Ártico) sob seus pés no cemitério, que ele chama de "um lugar de memórias, um lugar de lembrança".

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"À medida que o pergelissolo derrete, as coisas que estão no chão tendem a ser erguidas", diz Smedsroed com naturalidade, sentado no chão perto dos túmulos. "Isso está acontecendo mais ou menos o tempo todo, e aí podemos ver que os túmulos literalmente sobem, os caixões."

Falou-se em mudar o cemitério de lugar depois que um deslizamento de terra não o destruiu por poucos metros, em outubro de 2016. Quase três anos depois, lajes de rocha formam um corte na paisagem logo acima dos túmulos.

"Por causa da mudança climática e da diferença que ela provoca no solo e no terreno, algumas sepulturas que vemos atrás de nós podem acabar deslizando pela estrada", diz Smedsroed, cujos cabelos grisalhos combinam com o suéter de lã sob o colarinho branco. "Ou a próxima coisa que poderemos ver será eles todos cobertos na próxima grande avalanche que descer o morro."

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O degelo do pergelissolo não é apenas um problema para os mortos: também causou dificuldades para os moradores de Longyearbyen.

As casas do vale são construídas sobre pequenas estacas de madeira, em vez de fundações profundas. O solo amolecido pode levar a colapsos, deslizamentos de terra e avalanches, e as casas aqui não são preparadas para isso.

Em 19 de dezembro de 2015, uma avalanche matou um homem e uma criança em suas casas.

"Foi no meio da noite e ninguém sabia o que estava por vir", disse Anna Boegh, moradora de Longyearbyen, perto do local onde ficavam as casas.

"Foi um evento incrivelmente raro, mas dois anos depois, em 2017, houve outra avalanche", diz seu parceiro, Erik Holmund.
Ninguém morreu naquela ocasião, mas várias casas foram varridas.

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A erosão também ameaça casas aqui. Três anos atrás, quando o inverno se aproximava, 13 metros de litoral desmoronaram da noite para o dia, deixando a cabana de Christiane Huebner perigosamente perto do fiorde. Huebner, sua família de três pessoas e seus cães husky abandonaram a casa.

"Foi um alerta, pois aconteceu muito rapidamente", diz ela. Eles retornaram na primavera seguinte e tiveram que transportar a cabine a 80 metros da costa.

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O terreno abaixo de Svalbard provou ser mortal em outros lugares. O filho de Wieslaw Sawicki, Michal (foto acima), trabalhava como geofísico na Estação Polonesa de Pesquisa Polar em Hornsund, no lado sul de Svalbard. O cientista e a meteorologista Anna Górska, ambos poloneses, morreram quando caíram de uma montanha em maio.

Michal, 44, era um alpinista experiente, cientista e explorador em sua quinta passagem pelo instituto no Ártico. Fundado em 1957, ele realiza pesquisas durante todo o ano e é a instituição científica polonesa permanente mais ao norte.

"Infelizmente, havia uma enorme cornija de neve que parecia fazer parte do pico da montanha", diz Sawicki pai, que visitou Longyearbyen no mês passado para se encontrar com o governador do arquipélago. "Desabou com eles; os dois caíram no abismo."

Ele conta que Michal enviava cartas para a Polônia descrevendo a beleza de Svalbard.

"Ele narrava de maneira interessante as mudanças que estavam acontecendo aqui, como as geleiras estavam derretendo, que em cada estadia você podia ver a temperatura subindo e o ambiente natural estava mudando", acrescenta, contendo as lágrimas.

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O espectro da mudança climática paira sobre a fazenda de cães de Audun Salte (foto acima). O norueguês é dono da Svalbard Husky com sua mulher, Mia.

Quando os cães no quintal veem Salte, pulam animadamente, na esperança de sair para correr. Durante o verão, sem neve no chão, os cães puxam trenós com rodas pela estrada de cascalho acidentada, passando pelos poucos carros da ilha.

Salte teme que, com a temperatura mais alta, as mudanças climáticas possam levar à extinção de toda a vida na Terra. Um homem que gosta de beijar os animais e dançar com eles "possui 110" está mais preocupado com os não-humanos do planeta.

"Se a mudança climática for o fim da humanidade eu realmente não me importo, mas se for o fim de qualquer espécie animal que não tenha contribuído com nada para acelerar esse processo, é por isso que estou reagindo", diz.

Com um aceno de cabeça para seus cães, ele diz: "É injusto para quem não pode opinar sobre o que está acontecendo ?os cães, as focas, ursos polares ou pássaros. É por isso que é injusto, e é por isso que devemos fazer alguma coisa".

Ele compara a mudança climática a um acidente que não conseguimos parar de olhar, sentindo-nos com sorte por não sermos a vítima:

Na estrada, quando as pessoas diminuem a velocidade para olhar um acidente de carro, assim é a mudança climática, porque todo mundo está desacelerando para olhar o acidente, mas sem perceber que nós somos realmente o acidente de carro

Audun Salte

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