O jardineiro de corais

Esforço entre comunidade local e pescadores salvam recifes na Jamaica e trazem peixes de volta à região

Christina Larson Da Associated Press, em Ocho Rios (Jamaica) David J. Phillip/AP

Everton Simpson aperta os olhos para ver o Caribe de sua lancha, examinando as faixas de cores deslumbrantes em busca de pistas do que há embaixo.
Verde-esmeralda indica fundos arenosos. O azul-safira fica acima dos prados de algas marinhas. Azul-escuro marca os recifes de coral. É para onde ele está indo.

Simpson conduz o barco para um local não identificado que ele conhece como o "berçário de corais". "É como uma floresta no fundo do mar", diz, afivelando as nadadeiras azuis e o tanque de oxigênio antes de se jogar de costas nas águas azuis. Ele desce 8 m carregando uma tesoura para metal, linha de pesca e um caixote plástico.

No fundo do oceano, pequenos fragmentos de coral pendem de cordas suspensas, como meias penduradas num varal. Simpson e outros mergulhadores cuidam desse viveiro subaquático como jardineiros tratam um canteiro de flores, arrancando lenta e meticulosamente caracóis e lagartas-de-fogo que se banqueteiam com corais imaturos.

Quando cada broto cresce aproximadamente até o tamanho de uma mão humana, Simpson os coleta em seu caixote para "transplantar" individualmente em um recife, num processo semelhante a plantar cada folha de grama em um gramado separadamente.

Mesmo as espécies de coral de rápido crescimento ganham apenas alguns centímetros por ano. E não é possível simplesmente espalhar sementes.

Poucas horas depois, em um local chamado Dickie's Reef, Simpson mergulha novamente e usa pedaços de linha de pesca para amarrar grupos de coral chifre-de-veado em afloramentos rochosos —uma união temporária até que o esqueleto de calcário do coral cresça e se fixe na rocha.

O objetivo é impulsionar o crescimento natural de um recife de coral. E até agora está dando certo.

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Quase todo mundo na Jamaica depende do mar, incluindo Simpson, que mora em uma casa modesta que ele construiu perto da costa norte da ilha. O enérgico senhor de 68 anos se reinventou várias vezes, mas sempre ganhou a vida com o mar.

Outrora pescador de arpão e mais tarde instrutor de mergulho, Simpson começou a trabalhar como "jardineiro de coral" há dois anos.

Os recifes de coral são frequentemente chamados de "florestas tropicais do mar" pela diversidade surpreendente de vida que abrigam.

Apenas 2% do fundo do oceano são ocupados por corais, mas as estruturas ramificadas —em forma de tudo, de chifres de rena a cérebros humanos— sustentam um quarto de todas as espécies marinhas.

Peixes-palhaços, papagaios, garoupas e pargos colocam ovos e se escondem de predadores nos buracos e recantos do recife, e sua presença atrai enguias, cobras marinhas, polvos e até tubarões. Em recifes saudáveis, águas-vivas e tartarugas marinhas são visitantes regulares.

Entre peixes e corais há uma relação de interdependência: os peixes confiam na estrutura do recife para fugir do perigo e pôr ovos e também comem os adversários dos corais.

A vida no fundo do oceano é como uma competição em câmera lenta por espaço ou uma dança das cadeiras subaquática. Peixes tropicais e outros animais marinhos, como ouriços-do-mar-negro, alimentam-se de algas que crescem rapidamente e que, de outra forma, poderiam superar o coral de lenta evolução. Quando muitos peixes desaparecem, o coral sofre —e vice-versa.

Após uma série de desastres naturais e provocados pelo homem nas décadas de 1980 e 1990, a Jamaica perdeu 85% de seus outrora abundantes recifes de coral.

Enquanto isso, a captura de peixes caiu para um sexto do que era na década de 1950, empurrando as famílias que dependem de alimentos marinhos para mais perto da pobreza.

Muitos cientistas pensaram que a maioria dos recifes de corais da Jamaica tivesse sido permanentemente substituída por algas marinhas, como a selva que se sobrepõe a uma catedral em ruínas.

Hoje, porém, os corais e os peixes tropicais estão reaparecendo lentamente, em parte graças a uma série de intervenções cuidadosas.

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O trabalho delicado do jardineiro de corais é apenas um fator da restauração de um recife —e, apesar de toda a sua complexidade, é realmente a parte mais simples. Convencer velhos pescadores a controlar quando e onde eles pescam e reduzir o lixo crescente que é despejado no oceano são empreendimentos mais complexos.

Ainda assim, lentamente, o esforço de recuperação está ganhando impulso.

"Os corais estão voltando; os peixes estão retornando", diz Stuart Sandin, biólogo marinho do Instituto Scripps de Oceanografia em La Jolla, na Califórnia. "São provavelmente alguns dos recifes de coral mais vibrantes que vimos na Jamaica desde os anos 1970."

Quando você dá uma chance à natureza, ela consegue se reparar. Não é tarde demais.

Stuart Sandin, biólogo

David J. Phillip/AP David J. Phillip/AP
David J. Phillip/AP

Sandin está estudando a saúde dos recifes de coral em todo o mundo como parte de um projeto de pesquisa chamado "100 Island Challenge" [Desafio das 100 ilhas]. Sua suposição inicial foi de que as ilhas mais populosas teriam os hábitats mais degradados, mas o que ele descobriu foi que os humanos podem ser uma bênção ou uma maldição, dependendo de como gerenciam os recursos.

Na Jamaica, mais de uma dúzia de viveiros de corais e santuários de peixes administrados por comunidades surgiram na última década, apoiados por pequenas doações de fundações, de empresas locais, como hotéis e clínicas de mergulho, e do governo jamaicano.

No Santuário de Peixes de White River, que tem apenas dois anos e onde Simpson trabalha, a prova mais clara do sucesso inicial é o retorno dos peixes tropicais que habitam os recifes, bem como de pelicanos famintos, que voam próximo à superfície da água para se alimentar deles.

Os recifes de coral da Jamaica já foram dos mais célebres do mundo, com suas estruturas ramificadas douradas e peixes residentes de cores vivas chamando a atenção dos viajantes, de Cristóvão Colombo a Ian Fleming, que escreveu a maioria de seus livros sobre James Bond na costa norte do país insular, nos anos 1950 e 1960.

Em 1965, a Jamaica tornou-se o local do primeiro centro de pesquisa global de recifes de coral, o Laboratório Marinho de Discovery Bay, hoje associado à Universidade das Índias Ocidentais. O pioneiro casal de biólogos marinhos Thomas e Nora Goreau completou uma pesquisa fundamental aqui, incluindo a descrição da relação simbiótica entre corais e algas e o pioneirismo no uso de equipamento de mergulho para estudos marinhos.

O mesmo laboratório forneceu um ponto de vantagem enquanto o coral desaparecia.

Peter Gayle é biólogo marinho em Discovery Bay desde 1985. Do quintal do lado de fora de seu escritório, ele aponta para o recife a cerca de 300 metros — uma fina linha marrom salpicada de ondas brancas. "Antes de 1980, a Jamaica tinha corais saudáveis", observa ele. Então vários desastres ocorreram.

A primeira calamidade foi o furacão Allen nos anos 80, um dos ciclones mais poderosos da história. "Suas ondas de 10 metros bateram contra a costa e basicamente mastigaram o recife", diz Gayle. Os corais podem voltar a crescer após desastres naturais, mas somente se lhes derem a chance de se recuperar —o que não aconteceu.

Na mesma década, uma epidemia misteriosa matou mais de 95% dos ouriços-do-mar-negro no Caribe, enquanto a pesca excessiva devastou as populações de peixes. E o aumento do lixo da crescente população humana da ilha, que quase dobrou entre 1960 e 2010, liberou substâncias químicas e nutrientes na água que estimulam o crescimento mais rápido das algas.

Resultado: elas assumiram o controle.

"Houve um ponto de inflexão na década de 1980, quando passou de um sistema dominado por corais para um sistema dominado por algas", diz Gayle. "Os cientistas chamam isso de 'mudança de fase'."

Esse parecia ser o fim da história, até que uma aliança improvável começou a inclinar o ecossistema de volta na direção original — com a ajuda de moradores como Everton Simpson e seu colega pescador Lipton Bailey.

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A comunidade pesqueira de White River gira em torno de uma pequena área de atracação de barcos a cerca de 400 metros de onde o rio deságua no Mar do Caribe. Certa manhã, quando a luz arroxeada do amanhecer se infiltra no céu, Simpson e Bailey entraram numa lancha de 28 pés chamada Interceptor.

Os dois viveram e pescaram a vida inteira nessa comunidade. Recentemente, eles passaram a acreditar que precisavam proteger os recifes de coral que atraem peixes tropicais, enquanto estabeleciam limites para a pesca para garantir que o mar não seja esvaziado rápido demais.

Na área de White River, a solução foi criar uma área protegida para peixes imaturos crescerem e atingirem a idade reprodutiva antes de serem capturados.

Há dois anos, os pescadores se uniram a empresas locais, incluindo proprietários de hotéis, para formar uma associação marinha e negociar os limites de uma zona de pesca proibida que se estende por 3 km ao longo da costa.

Uma simples linha na água dificilmente é um empecilho. Para tornar a fronteira significativa, ela deve ser vigiada. Hoje os pescadores locais, incluindo Simpson e Bailey, se revezam patrulhando a fronteira no Interceptor.

"Estamos procurando violadores", com os olhos fixos na costa rochosa. "Às vezes você encontra pescadores com arpão. Eles pensam que são espertos. Tentamos vencê-los no jogo deles", diz Bailey.

A maioria dos pescadores mais velhos e mais estabelecidos, que possuem barcos e espalham linhas e gaiolas de arame, passaram a aceitar a zona de pesca proibida. Além disso, o risco de ter seus equipamentos confiscados é muito grande.

Mas jovens caçam com arpões leves, nadam para o mar e disparam a curta distância. São os mais prováveis infratores. As patrulhas não são armadas, então precisam dominar a arte da persuasão.

Às vezes esses esforços são arriscados. Dois anos atrás, Jerlene Layne, gerente do Santuário de Peixes de Boscobel, chegou ao hospital com uma perna ferida depois de ser atacada por um homem que ela repreendeu por pescar ilegalmente no santuário. "Ele usou um pau para bater na minha perna porque eu estava fazendo meu trabalho — dizendo que ele não podia pescar na área protegida", disse ela.

De volta à área de atracação de White River, Rick Walker, um pescador submarino de 35 anos, está limpando sua lancha. Ele se lembra da oposição inicial ao santuário de peixes, quando muitas pessoas diziam: "Não, eles estão tentando cortar nosso ganha-pão".

Dois anos depois, Walker, que não está envolvido no trabalho do santuário, mas apoia seus limites, diz que pode ver os benefícios. "Está mais fácil capturar pargos e barracudas", diz ele. "Pelo menos meus bisnetos poderão ver alguns peixes."

O Santuário de Peixes da Baía de Oracabessa foi o primeiro dos esforços liderados pelas comunidades para reviver os recifes de coral da Jamaica. Seu santuário foi legalmente incorporado em 2010, e sua abordagem de recrutar pescadores locais como patrulheiros tornou-se um modelo para outras regiões.

"Os pescadores estão navegando e felizes. É por isso que está funcionando", diz o gerente do santuário, Inilek Wilmot.

David Murray, diretor da Associação de Pescadores de Oracabessa, observa que os 60 mil pescadores da Jamaica operam sem uma rede de segurança. "Pescar é como jogar, é um jogo. Às vezes você pega alguma coisa, às vezes não", diz ele.

Quando as populações de peixes começaram a entrar em colapso, há duas décadas, algo teve que mudar. "É um processo de fazer as pessoas chegarem a um acordo sobre os limites do santuário", diz ele. "É um trabalho duro dizer a um homem que pescou a vida toda que ele não pode pescar aqui."

Mas uma vez que ficou claro que uma zona isenta de pesca realmente ajudou as populações de peixes próximas a se recuperar, ficou mais fácil obter apoio.

O número de peixes no santuário dobrou entre 2011 e 2017, e os peixes individuais aumentaram de tamanho —quase triplicando de comprimento, em média— de acordo com estudos anuais da Agência Nacional de Planejamento e Meio Ambiente da Jamaica. E isso aumenta as capturas nas áreas ao redor.

Após a notícia de Oracabessa, outras regiões passaram a pedir conselhos.

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