Camilo Santana (PT) foi reeleito governador do Ceará no primeiro turno da eleição do ano passado. Em segundo lugar ficou o general Guilherme Theophilo (PSDB), hoje secretário nacional de Segurança Pública, do governo Jair Bolsonaro (PSL). O governador havia prometido, durante a campanha, enfrentar o crime organizado.

Para tanto, retirou os presídios da administração da Secretaria de Justiça e criou a Secretaria da Administração Penitenciária. Para chefiar a nova pasta, chamou o policial civil Luís Mauro Albuquerque, que havia trabalhado no governo do Rio Grande do Norte e ficou reconhecido por ser linha dura.

Na cerimônia de posse, Albuquerque afirmou que não reconhecia o poder das facções criminosas presentes no estado e que o estado iria passar a deixar de dividir presos por facções, o que ainda não ocorreu. Em entrevista ao UOL, o secretário reafirmou: "A minha determinação é tratar preso como preso". 

Os ataques ocorreram após as duras medidas impostas pelo estado contra o crime organizado, dentro e fora das unidades prisionais
Luís Mauro Albuquerque, secretário da Administração Penitenciária

Comunicados repassados de dentro das prisões informavam que os crimes só iriam cessar quando o secretário deixasse o cargo. Muros chegaram a ser pichados com a mesma informação. Mas o governador Santana o manteve no cargo e pediu auxílio do governo federal, que enviou 406 homens da Força Nacional de Segurança. 

Ao UOL, o petista elogiou o ministro da Justiça, Sergio Moro.

Nenhum estado conseguirá enfrentar o problema sozinho. O momento é de união de todas as forças contra o crime, deixando de lado interesses partidários e oportunismo político. A população não merece isso.
Camilo Santana, governador do Ceará

No fim de janeiro, o governador pediu extensão da presença da tropa federal por mais 30 dias, mas soube através da imprensa, que noticiou o comunicado feito por seu adversário político, o agora secretário Theophilo, que a Força Nacional seria retirada.

Depois do anúncio feito pelo estado, com o objetivo de enfrentar o crime organizado, as facções criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital) e GDE (Guardiões do Estado), que já eram aliadas, passaram a deixar a rivalidade com o CV (Comando Vermelho) de lado.

Os grupos criminosos passaram a agir em conjunto para retaliar o governo estadual, segundo um membro da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), entrevistado pela reportagem que pediu anonimato.

Cartas apreendidas nas unidades prisionais, que ainda são investigadas, apontam que as facções se uniram para não serem "oprimidas dentro do sistema" e que os ataques continuariam até que o secretário fosse exonerado. Parte dos presos, identificada como coautora das ameaças e dos atentados, foi transferida para presídios federais, fora do Ceará.

No Ceará e em todo o Brasil, os presos são separados dependendo de qual facção ele é membro. Isso tem como objetivo evitar confrontos, rebeliões e mortes, o que ocasionaria caos dentro do sistema penitenciário. No Ceará, membros do PCC costumam ser enviados à CPPL-3 (Casa de Privação Provisória de Liberdade 3). Os da GDE, na CPPL-2. E os do CV, nas CCPL-1 e 4.

O secretário da Segurança Pública, André Costa, afirmou no início de janeiro que 250 homens na penitenciária onde ficam membros do PCC foram indiciados pelos crimes de desobediência, resistência e motim. "As autuações impactarão negativamente na progressão de regime dos indiciados", afirmou.

As três facções criminosas que atuam no Ceará têm características e comportamentos distintos em suas ações no crime organizado. Enquanto o PCC costuma atuar de forma menos violenta, para chamar menos a atenção de policiais e, assim, conseguir exportar drogas para outros estados e países, CV e GDE são mais agressivas.

O Comando Vermelho tem como principal característica a conquista de territórios na base da violência, assassinando inimigos e dominando espaços. O GDE, que cresceu a partir do próprio Ceará, diferente das outras duas, é caracterizado por ser menos organizado, no entanto, tão violento quando o CV. 

Apesar de apresentarem características diferentes, investigações feitas pelos governos federal e estadual apontam que existe a possibilidade de as três terem se unido para retaliar o as medidas de enfrentamento propostas pelo governo do Ceará.

O governo do Ceará afirma entender que todos devem ter um enfrentamento único, inclusive dentro dos presídios. "Tratamos criminosos como criminosos. O endurecimento será contra todos que atentarem contra a sociedade", afirmou o governador Camilo Santana em entrevista ao UOL.

Para Cláudio Justa, presidente do Conselho Penitenciário do Ceará, "muitos dos que são tidos como líderes das facções estão no âmbito do gerenciamento do varejo, não são os líderes maiores. As facções criminosas têm muita rotatividade dos líderes da ponta". Isso, segundo Justa, dificulta o enfrentamento ao crime organizado no estado.

O Ceará teve de agir para aumentar o número de forças policiais nas ruas. Em meio aos ataques, foram colocados em serviço quase 600 novos agentes de segurança estaduais. Como medida de emergência, turmas de 220 novos agentes penitenciários e 373 novos policiais militares que ainda não haviam começado a trabalhar foram mobilizadas e integradas ao esquema de segurança.

Não deu certo. Então, foram recebidos 100 policiais militares da Bahia. Também não funcionou. 800 policiais aposentados, então, tiveram de se apresentar para ajudar a conter a falta de segurança no estado. Em meio ao esforço estadual, o governador Camilo Santana pediu ao governo federal auxílio. Foram enviados 420 homens da Força Nacional de Segurança Pública. 

A tropa federal começou a chegar no estado em 5 de janeiro. Em 5 de fevereiro, foi anunciada a saída. Segundo o secretário nacional de Segurança, Guilherme Theophilo, foram "420 homens e 93 viaturas trabalhando de forma integrada com a inteligência do estado, fazendo o patrulhamento das principais vias de circulação, segurança das garagens dos ônibus e auxiliando a Polícia Militar".

O governo do estado afirma ter criado uma delegacia para investigar facções, e também a Vara de Delitos de Organizações Criminosas.

Para especialistas entrevistados pela reportagem, o futuro na segurança do Ceará é incerto.

Temos uma situação de muita tensão. A população da periferia não se sente segura. As intervenções não estão produzindo uma maior sensação de segurança
Luiz Paiva, sociólogo da Universidade Federal do Ceará

O sociólogo, que é também pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da instituição, argumenta que "houve um número significativo de prisões. O que tem prevalecido é uma lógica de enfrentamento policial. É 'eficiente' entre aspas, num curto prazo. Mas, no médio e longo prazos, é um componente de revolta e indignação que alimenta o discurso das facções", disse.

Ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, além de consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pesquisadora Isabel Figueiredo afirma:

Houve avanços palpáveis, como a ida do centro de inteligência para o estado, mas é preciso pensar uma política penitenciária que vá além de manter pessoas no presídio. É preciso qualificar a entrada para os presídios e melhorar a saída dos presos também.
Isabel Figueiredo​​​​​​​, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública​​​​​​​

Segundo ela, que acompanha há anos a Força Nacional, os homens da tropa federal podem voltar ao Ceará, mas dificilmente porque saíram do estado e essa saída provocou falta de segurança. "Concretamente, a gente tem, de 420 pessoas da Força, são 100 pessoas, na melhor hipótese, por turno. Ajuda? Ajuda. É fundamental? Não sei." 

"Tirar a Força é sempre um desafio. Tem uma questão até política e de manter a divisão da responsabilidade com o governo federal. A Força faz mais uma força politicamente do que no dia a dia, no operacional. Ela manda, na melhor hipótese, 500 pessoas", complementou a consultora.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que, "tem reforçado ações de policiamento ostensivo no intuito de combater atos criminosos no estado durante todo o mês de janeiro. A atuação constante do efetivo nas ruas e as operações de inteligência estão tendo reflexo direto numa tendência de redução de atos criminais, como diminuição de roubos, furtos e homicídios".