O futuro ministro da Saúde é ortopedista e foi secretário de Saúde em Campo Grande (MS) de 2005 a 2010, quando era do MDB. Deputado federal pela segunda vez, ele está no partido Democratas desde 2010. Já atuou como médico militar tenente no Hospital Geral do Exército e trabalhou na Santa Casa de Campo Grande entre 1993 e 1995.
Em 2015, Mandetta foi investigado por crimes relacionados à aquisição de um sistema de informática para o gerenciamento de informações da saúde em Campo Grande, ao custo de R$ 10 milhões. Desse total, R$ 6 milhões teriam sido usados para pagamentos indevidos de serviços não executados, de acordo com uma auditoria realizada pela CGU (Controladoria-Geral da União). Ele nega qualquer irregularidade e aguarda decisão da Justiça Federal.
Entre os desafios a serem enfrentados pelo próximo ministro estão a reposição dos profissionais do programa Mais Médicos e o desempenho do SUS (Sistema Único de Saúde).
Para Mário Scheffer, professor da faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), o perfil do próximo ministro é favorável, uma vez que, além de ser médico, tem experiência na gestão pública de saúde.
"O futuro ministro Mandetta teve mandato nos últimos oito anos e é uma pessoa da saúde, isso já é alguma coisa. Ele conhece a gestão do SUS, foi secretário municipal de saúde, e, pelo menos durante o mandato, ele, por exemplo, se posicionou a favor de mais recursos para a saúde, foi um dos parlamentares que apoiou a proposta de emenda parlamentar de 10% de recursos da União para a Saúde", afirma.
"Isso cria uma expectativa, porque isso vai um pouco contra as declarações ou mesmo o que estava no programa de governo de Bolsonaro de não colocar mais recursos para a saúde."
O professor ressalta, porém, que apesar da experiência, Mandetta tem uma relação próxima com o setor de planos de saúde. Foi dirigente da Unimed e recebeu, na última campanha, recursos da Amil, uma das maiores empresas no país neste ramo.
"Financiamento e prioridade são os principais desafios"
A grande questão da Saúde, na opinião do professor, é se ela vai ser ou não prioridade de governo, com foco no seu orçamento, considerado insuficiente, e no seu financiamento, que tem grande peso em fontes privadas.
"A saúde não tem tido relevância à altura das expectativas e das necessidades que a população aponta. Pelas pesquisas de opinião, desde 2008, mesmo com grande expressão do desemprego e da violência, a saúde é o maior motivo de preocupação dos brasileiros", ele destaca.
Por mais que se fale em melhoria da gestão e do uso dos recursos disponíveis, não há milagre. Não é possível, com esse padrão de financiamento, com esse volume de recursos, que o SUS consiga dar conta de suas responsabilidades."
Mário Scheffer, professor da faculdade de Medicina
De acordo com Scheffer, todos os brasileiros usam o SUS, seja por direito ou por necessidade, e 45 milhões de pessoas, além de usarem o SUS, também têm plano de saúde.
"Uma anomalia no nosso sistema de saúde é o grande volume de recursos públicos para o setor privado de saúde, que não atende o SUS. Grandes hospitais em São Paulo, os chamados hospitais de excelência, por exemplo, têm renúncias fiscais milionárias e não atendem o SUS. Pode parecer um detalhe, mas é uma discussão que precisa ser feita, principalmente num cenário de congelamento dos recursos", ele defende.
Nesse caminho, o SUS está encolhendo e o setor privado vai se expandindo da pior maneira possível, com ampliação de clínicas populares, com propostas de vender planos mais baratos e com baixa cobertura. Há uma expectativa de como o ministério, o ministro e o governo vão responder a essa demanda do setor privado."
Mário Scheffer, professor da faculdade de Medicina
O professor explica que hoje o Brasil destina mais de 9% do seu PIB (riquezas geradas no país) para a Saúde, mas que, desses recursos, apenas 43% -- ou 3,9% do PIB -- são recursos públicos. Cinquenta e sete por cento são recursos privados, o que ele considera "absolutamente incompatível".
Os recursos públicos são aqueles cuja fonte são os impostos e as contribuições sociais nos três níveis de governo. Os privados são os recursos para planos e seguros de saúde, que indivíduos, famílias e empregadores tiram do próprio bolso.
"Essa desproporção é um problema no sistema de saúde. Isso gera desproporção entre oferta e demanda. Hoje, quem mais precisa utiliza menos o sistema de saúde. Isso tem a ver com essa composição de orçamento. Os médicos hoje estão, proporcionalmente, muito mais disponíveis nas estruturas privadas do sistema de saúde do que nas estruturas públicas."
Alta rotatividade de gestores
A rotatividade no Ministério da Saúde é muito alta, de acordo com o professor: "Em 30 anos de SUS, Mandetta será o 23º ministro".
Para Scheffer, o dirigente desta pasta deve ser capaz de mobilizar políticos, o Parlamento, as pessoas, as instituições, e tem que se apoiar nisso, pois precisa gerar resultados em contextos muito adversos, político, administrativo e orçamentário, com recursos insuficientes.
"Historicamente, a Saúde tem sido bastante loteada por indicações políticas e não técnicas. Não se sabe se haverá ou não uma mudança nesse perfil, mas as agências reguladoras, como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ANS (Agência Nacional de Saúde), são historicamente muito ocupadas por indicações totalmente políticas e não técnicas, ou até mesmo capturadas por interesses privados, até de setores que elas deveriam regular."