A nova Esplanada

Crise econômica, droga, SUS, educação básica: o que esperar dos ministros de Bolsonaro diante de seus desafios

Gabriela Fujita DO UOL, em São Paulo Getty Images

Durante a campanha eleitoral, o então candidato e hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) estabeleceu como uma de suas promessas a redução do número de ministérios. O compromisso foi feito, inclusive, por escrito, no programa de governo apresentado à Justiça eleitoral. Falou-se em cortar de 29 (no governo Temer) para até 15, mas o número final ficou em 22 na sua equipe de governo.

A reportagem do UOL reúne aqui os perfis dos principais ministros selecionados para integrar o mandato presidencial que se iniciará em 1º de janeiro de 2019. Diante dos desafios que suas respectivas pastas trarão, o que esperar de suas decisões, a partir do que já exerceram profissionalmente e do que manifestaram em público?

A pergunta que fica é se vai vencer a cara técnica do ministério ou a bandeira ideológica. Essa é a principal tensão do novo ministério."

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O sociólogo Renato Sérgio de Lima está entre os seis pesquisadores e especialistas ouvidos sobre os prováveis resultados que esse novo time poderá oferecer ao país. Leia, a seguir, um resumo sobre oito ministros escolhidos e as opiniões sobre seus desempenhos futuros ao lado do novo governante do Brasil.

Getty Images
Pedro Ladeira/Folhapress

Damares Alves

Mulher, Família e Direitos Humanos

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que também vai responder pela Funai (Fundação Nacional do Índio), será comandado pela advogada e pastora evangélica Damares Alves. 

Alves trabalhou como auxiliar parlamentar no gabinete do senador Magno Malta (PR-ES) -- não reeleito em 2018 --, que foi um dos principais conectores de Jair Bolsonaro (PSL) com o setor evangélico.

Em cultos para 6.000 pessoas, a pastora faz pregação contra o aborto e defende que é a Igreja Evangélica, e não a política, que vai mudar a nação. Crítica do feminismo, ela afirma que o movimento "promove uma guerra entre homens e mulheres".

O Ministério dos Direitos Humanos tem a característica de ser um ministério muito mais político do que técnico."

Renato Sérgio de Lima, sociólogo

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), Lima afirma que, "por natureza, esse ministério estimula a garantia de direitos humanos, e seria quase como que um garantidor da transversalidade da política. Ou seja, todas as políticas de governo dele devem contemplar uma perspectiva de direitos humanos, com a ideia de assessorar os demais ministérios a desenhar estratégias para que isso seja efetivado".

O sociólogo explica que o ministério encabeçado por Damares Alves tem de garantir direitos fundamentais previstos e conquistados na Constituição, ainda que a ministra conte com autonomia para administrar os temas na ordem de importância que bem entender.

"O que ela vai priorizar estaria dentro de um terreno da liberdade do gestor, mas os sinais que ela tem dado são de que ela vai fazer um projeto político-ideológico e não necessariamente garantir os direitos humanos no Brasil", ele diz.

Lima entende que um ponto importante a se olhar nesta pasta é o recebimento da Funai (Fundação Nacional do Índio), que ficava sob domínio do Ministério da Justiça e passa, em 2019, ao Ministério dos Direitos Humanos. 

"A ministra vai se dedicar demais a administrar questões da pauta indígena. São questões do dia a dia. Por exemplo: conflitos agrários, grilagem de terras. Esse é o ponto de tensão, porque uma das bandeiras do governo Bolsonaro é a de 'desideologizar' essa pauta. A proposta da ministra também é ideológica. Ao criticar as políticas atuais como ideológicas, ele [Bolsonaro] só está invertendo o sinal, porque é exatamente a mesma coisa."

Para o professor, a defesa de interesses políticos e ideológicos pode ser legítima, desde que não esbarre na Constituição, em especial nas cláusulas pétreas (artigos que não podem ser alterados): a ideia do Estado laico; a ideia de que os territórios dos índios são deles, mas são propriedade da União e não podem ser vendidos como títulos de posse. "Não dá para pensar que a igreja vai ter um papel predominantemente, o Estado é laico."

A gente tem que respeitar as religiões, temos que respeitar a questão da família, tudo isso é verdade. Isso está na esfera moral, na esfera particular, privada dos indivíduos. Na esfera da política pública, há uma norma muito clara e moderna, que é a nossa Constituição."

Renato Sérgio de Lima, sociólogo

"Os direitos fundamentais da autonomia dos povos indígenas, da garantia dos seus territórios, que são cláusulas pétreas, esse debate não é ideológico, é de direito, é formal, é jurídico."

"O perfil da ministra, nesse ponto, é extremamente preocupante", pondera Lima. "Porque, ao contrário do Sérgio Moro, que tem um perfil técnico e talvez não dê conta de tudo, ela é uma política com uma defesa política ideológica de uma posição que vai confrontar com aspectos jurídicos consolidados da nossa Constituição. E, por isso, vai exigir um monitoramento constante por parte do Ministério Público, das organizações da sociedade civil e assim por diante."

Adriano Machado/Reuters

Ernesto Henrique Fraga Araújo

Relações Exteriores

O diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo é diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos e compõe o quadro da diplomacia brasileira há 29 anos.

Araújo mantém um blog, onde divulga suas ideias "contra o globalismo" e contra o "marxismo cultural". Em um dos posts mais recentes, questiona se o Brasil pertence ao Ocidente. Antes das eleições de outubro, o diplomata usou o blog para fazer campanha eleitoral a favor de Bolsonaro.

É considerado "trumpista", pelas reverências públicas feitas a Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, que tem o discurso nacionalista como uma de suas principais marcas.

À frente do ministério, Araújo terá de lidar, por exemplo, com questões relacionadas a Israel e ao Oriente Médio. O presidente eleito Bolsonaro tem afirmado que irá transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, o que desagradaria os países árabes.

Para o cientista político Maurício Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), "esse é um dos ministros que vai ter o trabalho mais difícil, tanto pelo perfil dele quanto pela natureza do tema".

Santoro avalia que o novo chanceler pode ter obstáculos dentro do ministério, por conta de seu perfil, e também nas relações com os países com quem o Brasil mantém negociações comerciais, por causa do atual cenário internacional.
 
"O Itamaraty, dentro das carreiras civis do Estado brasileiro, é o que tem a hierarquia mais rigorosa. A hierarquia do serviço diplomático brasileiro é, em tudo, comparável à hierarquia que a gente tem nas Forças Armadas. Ter alguém com o perfil do embaixador Araújo comandando o Itamaraty seria como ter um oficial de média patente, um coronel, comandando o Exército. Daria problema, os generais iriam reclamar, os oficiais mais seniores iriam reclamar", ele afirma.

De acordo com Santoro, Araújo é uma exceção ao longo da história da diplomacia brasileira. Muitos diplomatas se tornaram ministros, mas todos muito experientes. O próximo ministro foi promovido a embaixador somente em 2018 e nunca chefiou uma embaixada nem comandou uma missão brasileira no exterior. "E, mesmo em Brasília, mesmo dentro do Ministério das Relações Exteriores, ele nunca tinha exercido nenhum cargo de chefia significativo. O máximo que ele tinha sido era diretor de departamento, que é um cargo de terceiro escalão no Itamaraty."

O professor identifica no gabinete ministerial que Bolsonaro montou três grandes correntes: os militares, os tecnocratas e os ministros que estão ligados às bancadas religiosas. "O embaixador Araújo é um pouco de dois, um pouco tecnocrata, tem um pouco dessa ligação religiosa também, mas é uma figura estranha nesse ministério. Porque, ao contrário dos tecnocratas da área econômica, ele não tem a experiência e a credibilidade junto aos pares. Embora seja um diplomata de carreira, ele é um diplomata relativamente júnior para o posto que ele vai ocupar."

O serviço diplomático brasileiro tem cerca de 150 embaixadores, muitos com mais experiência que Araújo, o que pode ter como resultado uma dificuldade interna para se impor e conquistar o respeito dos colegas. 

A indicação de Araújo não teria sido aleatória, diz o professor, com base nas fortes críticas feitas por Jair Bolsonaro e seus filhos ao Itamaraty.

Bolsonaro e os filhos acham que o Ministério das Relações Exteriores e que os diplomatas de carreira se tornaram muito carregados de ideologia, que são muito hostis às ideias do próprio Bolsonaro, e eles queriam alguém que fosse realmente diferente desse perfil tradicional do diplomata." 

Maurício Santoro, cientista político

Duas grandes correntes políticas coexistem no ministério, segundo Santoro: uma mais nacionalista e uma mais liberal. Araújo não se encaixaria em nenhuma das duas. "As ideias que ele tem defendido no seu blog, nos seus artigos, nas suas entrevistas, não se encaixam em nenhum desses grandes grupos do Itamaraty. Ele é uma figura um tanto isolada dentro do que é a realidade política do ministério."

As relações com outros países

Segundo o cientista político, o cenário internacional é pouco favorável a quem quer que fosse o novo presidente - e seu novo chanceler.

"Estamos vivendo um momento de tensões comerciais no mundo inteiro, de muita instabilidade política na União Europeia, da possibilidade do retorno de uma crise econômica", explica. "Os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, China e Estados Unidos, estão travando uma guerra comercial que já passou da fase simplesmente de aumento de tarifas e agora entrou numa segunda etapa, mais profunda e mais tensa, de prisões de executivos, principalmente de empresas ligadas à tecnologia da informação, porque é uma área onde os dois países estão disputando pesquisa de ponta." 

Santoro identifica um entrave de Bolsonaro com a China, um mal-estar com os parceiros na União Europeia e uma indefinição muito grande com o Mercosul, além de o presidente eleito ter apontado para uma relação mais próxima com os Estados Unidos e com Israel.

As ligações com a Venezuela também serão desafiadoras, uma vez que o Brasil tem sido pressionado, mas não impôs sanções econômicas ao país sul-americano que enfrenta uma catástrofe humanitária.

Bolsonaro e o embaixador Araújo vão descobrir que o Brasil, como um país em desenvolvimento e vivendo uma crise econômica e uma crise política profundas, tem uma capacidade de ação bastante restrita."

Maurício Santoro, cientista político

"O que o Bolsonaro tem anunciado em termos da diplomacia é uma mudança radical, não só com relação aos governos do PT, mas com relação a todo um consenso de política externa que vem, pelo menos, desde a redemocratização, se não de antes. Há uma distância muito grande entre aquilo que ele anuncia que pretende fazer e um cenário internacional difícil e tenso para o Brasil, que provavelmente vai limitar muito o escopo da liberdade diplomática do país nos próximos anos." 

Divulgação

Luiz Henrique Mandetta

Saúde

O futuro ministro da Saúde é ortopedista e foi secretário de Saúde em Campo Grande (MS) de 2005 a 2010, quando era do MDB. Deputado federal pela segunda vez, ele está no partido Democratas desde 2010. Já atuou como médico militar tenente no Hospital Geral do Exército e trabalhou na Santa Casa de Campo Grande entre 1993 e 1995.

Em 2015, Mandetta foi investigado por crimes relacionados à aquisição de um sistema de informática para o gerenciamento de informações da saúde em Campo Grande, ao custo de R$ 10 milhões. Desse total, R$ 6 milhões teriam sido usados para pagamentos indevidos de serviços não executados, de acordo com uma auditoria realizada pela CGU (Controladoria-Geral da União). Ele nega qualquer irregularidade e aguarda decisão da Justiça Federal. 

Entre os desafios a serem enfrentados pelo próximo ministro estão a reposição dos profissionais do programa Mais Médicos e o desempenho do SUS (Sistema Único de Saúde).

Para Mário Scheffer, professor da faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), o perfil do próximo ministro é favorável, uma vez que, além de ser médico, tem experiência na gestão pública de saúde.

"O futuro ministro Mandetta teve mandato nos últimos oito anos e é uma pessoa da saúde, isso já é alguma coisa. Ele conhece a gestão do SUS, foi secretário municipal de saúde, e, pelo menos durante o mandato, ele, por exemplo, se posicionou a favor de mais recursos para a saúde, foi um dos parlamentares que apoiou a proposta de emenda parlamentar de 10% de recursos da União para a Saúde", afirma.

"Isso cria uma expectativa, porque isso vai um pouco contra as declarações ou mesmo o que estava no programa de governo de Bolsonaro de não colocar mais recursos para a saúde."

O professor ressalta, porém, que apesar da experiência, Mandetta tem uma relação próxima com o setor de planos de saúde. Foi dirigente da Unimed e recebeu, na última campanha, recursos da Amil, uma das maiores empresas no país neste ramo.

"Financiamento e prioridade são os principais desafios"

A grande questão da Saúde, na opinião do professor, é se ela vai ser ou não prioridade de governo, com foco no seu orçamento, considerado insuficiente, e no seu financiamento, que tem grande peso em fontes privadas.

"A saúde não tem tido relevância à altura das expectativas e das necessidades que a população aponta. Pelas pesquisas de opinião, desde 2008, mesmo com grande expressão do desemprego e da violência, a saúde é o maior motivo de preocupação dos brasileiros", ele destaca.

Por mais que se fale em melhoria da gestão e do uso dos recursos disponíveis, não há milagre. Não é possível, com esse padrão de financiamento, com esse volume de recursos, que o SUS consiga dar conta de suas responsabilidades."

Mário Scheffer, professor da faculdade de Medicina

De acordo com Scheffer, todos os brasileiros usam o SUS, seja por direito ou por necessidade, e 45 milhões de pessoas, além de usarem o SUS, também têm plano de saúde.

"Uma anomalia no nosso sistema de saúde é o grande volume de recursos públicos para o setor privado de saúde, que não atende o SUS. Grandes hospitais em São Paulo, os chamados hospitais de excelência, por exemplo, têm renúncias fiscais milionárias e não atendem o SUS. Pode parecer um detalhe, mas é uma discussão que precisa ser feita, principalmente num cenário de congelamento dos recursos", ele defende.

Nesse caminho, o SUS está encolhendo e o setor privado vai se expandindo da pior maneira possível, com ampliação de clínicas populares, com propostas de vender planos mais baratos e com baixa cobertura. Há uma expectativa de como o ministério, o ministro e o governo vão responder a essa demanda do setor privado."

Mário Scheffer, professor da faculdade de Medicina

O professor explica que hoje o Brasil destina mais de 9% do seu PIB (riquezas geradas no país) para a Saúde, mas que, desses recursos, apenas 43% -- ou 3,9% do PIB -- são recursos públicos. Cinquenta e sete por cento são recursos privados, o que ele considera "absolutamente incompatível".  

Os recursos públicos são aqueles cuja fonte são os impostos e as contribuições sociais nos três níveis de governo. Os privados são os recursos para planos e seguros de saúde, que indivíduos, famílias e empregadores tiram do próprio bolso.

"Essa desproporção é um problema no sistema de saúde. Isso gera desproporção entre oferta e demanda. Hoje, quem mais precisa utiliza menos o sistema de saúde. Isso tem a ver com essa composição de orçamento. Os médicos hoje estão, proporcionalmente, muito mais disponíveis nas estruturas privadas do sistema de saúde do que nas estruturas públicas."

Alta rotatividade de gestores

A rotatividade no Ministério da Saúde é muito alta, de acordo com o professor: "Em 30 anos de SUS, Mandetta será o 23º ministro".

Para Scheffer, o dirigente desta pasta deve ser capaz de mobilizar políticos, o Parlamento, as pessoas, as instituições, e tem que se apoiar nisso, pois precisa gerar resultados em contextos muito adversos, político, administrativo e orçamentário, com recursos insuficientes. 

"Historicamente, a Saúde tem sido bastante loteada por indicações políticas e não técnicas. Não se sabe se haverá ou não uma mudança nesse perfil, mas as agências reguladoras, como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ANS (Agência Nacional de Saúde), são historicamente muito ocupadas por indicações totalmente políticas e não técnicas, ou até mesmo capturadas por interesses privados, até de setores que elas deveriam regular."

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Osmar Terra

Cidadania

O deputado federal gaúcho do MDB foi ministro do Desenvolvimento Social no governo Temer (MDB) de maio de 2016 a abril de 2018 e será o ministro da Cidadania de Bolsonaro. No parlamento, exerce cargos executivos desde 1999.

Criticado por tratar gastos sociais como "despesas", Terra promoveu cortes em benefícios sob a justificativa de economia na área. Durante sua gestão no Ministério do Desenvolvimento Social, o INSS cancelou 85 mil auxílios-doença e cortou 4,4 milhões de famílias do Bolsa Família.

O Ministério da Cidadania ainda não existe, mas vai agregar as estruturas de Desenvolvimento Social, Cultura e Esportes.

A pasta da Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), atualmente vinculada ao Ministério da Justiça, poderá ficar a cargo de Terra. O futuro ministro é contrário à descriminalização da maconha e tem visão crítica sobre o seu uso. Em entrevista, afirmou que quem defende o uso medicinal da planta "demonstra um profundo desconhecimento".

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima avalia que o futuro ministro "é um político bastante contraditório". Por um lado, reconhecido por sua atuação no tema benefícios sociais. Por outro, muito adverso a qualquer debate sobre a descriminalização das drogas.

"No plano dos benefícios sociais, os cortes que foram feitos, de alguma forma, tinham auditoria feita. Ele tem um trabalho na área de políticas sociais em que se preocupa com essa agenda de como fazer valer os direitos previstos na Constituição, a partir de visões de mundo: quem deve receber ou quem não deve, quais são os critérios ou não. Ele é reconhecido como alguém que, na área de Bolsa Família e benefícios sociais, tem uma preocupação, reconhece a importância desses benefícios. Nesse ponto, até pela experiência que ele já teve, não vai ser um ministro que coloque em xeque benefícios já alcançados", afirma Lima.

O professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas) enxerga o deputado federal como "um militante fundamentalista da bandeira proibicionista contra as drogas". 

"Ele não aceita nem conversar sobre a questão das drogas que não seja na chave da punição, da criminalização e da prisão. Inclusive, muitas vezes, de usuários. É aí que, no meu ponto de vista, ele se equivoca bastante. Ser contra é legítimo, é do jogo, faz parte. Mas quando a gente deixa de olhar os efeitos da política, a gente passa a ter a influência de questões ideológicas, e não de questões políticas que seriam legítimas", diz Lima.

O grande risco, na análise do pesquisador, é a ocorrência de choques entre o ministério de Terra e o ministério de Sérgio Moro, por conta da Senad.

Ele vai querer influenciar. Pensando só sob a perspectiva da segurança pública, você tem que dar outros tratamentos, e não só ficar na lógica de encher presídio."

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

"[No governo Temer], estava na órbita do Torquato Jardim (ministro da Justiça), só que era o Osmar Terra que mandava, que indicou o secretário e afins. Agora, vamos ter um ministro (Moro) que talvez não aceite essa indicação. É provável que existam tensões ali, caso o Moro faça qualquer outra política que não seja a da radicalização proibicionista."

Wilton Junior/Estadão Conteúdo/AE

Paulo Guedes

Economia

O economista Paulo Guedes assumirá a pasta de Economia, um "superministério" formado pela fusão dos atuais ministérios da Fazenda, Planejamento e parte do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).

Foi professor da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e da FGV e é mestre e doutor pela Universidade de Chicago (EUA). Guedes se apresenta como um profissional do pensamento econômico ultraliberal. O economista defende, por exemplo, a reforma da Previdência, a reforma tributária, a desvinculação do Orçamento, o leilão do pré-sal e as privatizações.

No começo de dezembro, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar supostas fraudes de Guedes na gestão financeira de fundos de investimento - o ministro nega irregularidades.

Para José Alfredo Graça Lima, embaixador que teve sua carreira voltada à diplomacia comercial e às negociações, "ultraliberalismo" é um rótulo, e mais de caráter político do que técnico.

"É geralmente aplicado, especialmente em países com alto grau de proteção efetiva, aos economistas ou acadêmicos que propõem a simples liberalização do comércio como forma de reduzir custos, aumentar a produtividade da economia e eventualmente melhorar a distribuição da renda", explica.

A proposta liberal consiste também em melhorar as condições de concorrência no mercado interno, tornando a indústria mais competitiva e o consumidor de baixa renda mais bem atendido." 

José Alfredo Graça Lima, embaixador

O embaixador, com base em declarações, indicações e sinalizações emitidas no período que sucedeu a eleição presidencial, entende que o futuro ministro tentará alcançar seus objetivos com corte de gastos e reformas.

"Paulo Guedes, à frente de um ministério que engloba Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior, parece almejar uma reforma econômica ampla, capaz de não apenas equacionar e ao longo do tempo solucionar a crise fiscal, mas também retomar o crescimento econômico por meio de uma agenda de redução de custos, que passa por reformas tópicas - da Previdência, tributária, tarifária - e por um programa de privatizações." 

Para que o objetivo seja alcançado num prazo médio, afirma Graça Lima, "será preciso atacar todas essas frentes simultaneamente, sob pena de os lobbies protecionistas ou os setores 'prejudicados' -- aqueles que vão precisar se ajustar mais às novas condições de concorrência, numa economia mais aberta -- trabalharem, inclusive junto ao Congresso, pela rejeição das políticas ou medidas propostas". 

Algumas dessas medidas não precisariam de aprovação parlamentar, mas seria interessante que fossem encaminhadas ao legislativo, diz o embaixador, por uma questão de legitimidade. 

O enfrentamento da nova política econômica e seu eventual êxito vão depender da capacidade do Paulo Guedes e sua equipe de um extenuante dever de casa, bem como da boa vontade de um Congresso que terá suas próprias prioridades e, de resto, seus próprios tempos."

José Alfredo Graça Lima, embaixador

Adriano Machado/Reuters

Ricardo de Aquino Salles

Meio Ambiente

O novo ministro do Meio Ambiente é advogado e já foi secretário estadual do Meio Ambiente em São Paulo na gestão Geraldo Alckmin.

Filiado ao partido Novo, concorreu a deputado federal em 2018, mas não conseguiu se eleger. Teve 36.603 votos. 

Durante a campanha eleitoral, sugeriu nas redes sociais o uso de munição de fuzil 3006, seu número de urna, "contra a praga do javali" e "contra a esquerda e o MST". O meio ambiente não fez parte de suas principais propostas de campanha.

Salles afirma que o aquecimento global é uma "discussão acadêmica" e que há outras prioridades para o governo atuar. 

O advogado lidera o movimento Endireita Brasil, que "defende uma nova direita no cenário político brasileiro: liberal, ética e democrática". Em seu site, o movimento afirma que seus pilares ideológicos são: "a tolerância zero com o crime, a renovação da política e o fim da farra das estatais". 

Desde 2017, Salles é alvo de ação movida pelo Ministério Público de São Paulo sob a acusação de alterar ilegalmente o plano de manejo de uma área de proteção ambiental, na Várzea do rio Tietê, para "beneficiar setores econômicos, notadamente a mineração, e empresas ligadas à Fiesp", segundo a denúncia.

Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, Salles pode ter dificuldades à frente da pasta pela falta de experiência no governo federal.

"Brasília não é São Paulo nem Rio. O ministério não é lugar para bravata", ela diz.

Ele não tem nenhum conhecimento nem experiência em máquina federal de meio ambiente. As declarações dele sugerem isso." 

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

"Ele reafirma posições políticas do presidente eleito, como na questão de que o Ibama é uma indústria de multas ambientais. Ele desconhece, por exemplo, toda a estrutura de fiscalização do Ibama", critica a ex-ministra. 

Teixeira explica que, no âmbito federal, a fiscalização não está restrita ao Ibama e tem uma complexidade de temas, com envolvimento de outras instituições, como a Polícia Federal e as Forças Armadas. 

"Essa 'indústria de multas' que ele reitera reflete que ele não conhece o sistema, tem uma percepção ainda externa, o que me sugere uma atitude meio precipitada dele."

A ex-ministra diz ver com preocupação a falta de manifestações e análises "consistentes" de Salles sobre os desafios que o Brasil tem nessa área. 

A minha primeira impressão é que ele está muito motivado a ir contra o que já foi feito no Brasil ou que é feito no Brasil na área ambiental. Falta a ele uma certa maturidade de vivência em Brasília para dar dimensão da organização federal." 

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

"Ele será responsável pelo sistema nacional de meio ambiente", aponta a ex-ministra. "Ele tem que ter uma relação estadual e com os municípios, porque ele será o coordenador desse sistema."

Nos assuntos que poderiam causar entraves com o Ministério da Agricultura, Teixeira defende que o Ministério do Meio Ambiente não se restringe à agenda de desmatamento ilegal, de aplicação do código florestal e do uso dos agrotóxicos, com atribuições muito maiores do que essas.

Pelo perfil do ministro, se ele desconhecer o resto da agenda e não montar uma equipe que dialogue, você tende a ter um ministério com um viés da agricultura e do uso da terra. Isso não é suficiente para lidar com os desafios de política ambiental do Brasil."

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

O primeiro desafio que ele vai ter é uma melhor compreensão do papel do ministro do Meio Ambiente, a não ser que ele queira abdicar desse papel", diz Izabella. "O Brasil hoje é um país que está sentado na primeira fila, na primeira classe de todos os temas ambientais globais."

Jéssica Pizza/Folhapress

Ricardo Vélez Rodríguez

Educação

O colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez é professor associado aposentado da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Ele é formado em filosofia pela Universidade Pontifícia Javeriana e em teologia pelo Seminário Conciliar de Bogotá, ambos na Colômbia. Ele é mestre em filosofia pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutor, também em filosofia, pela Universidade Gama Filho.

Rodríguez é conhecido por seus posicionamentos a favor de propostas caras a Bolsonaro. O novo ministro é um entusiasta do projeto de lei conhecido como Escola sem Partido. Em um blog de sua autoria, classifica o projeto como uma "providência fundamental".

Ele também é crítico do que classifica como "ideologia marxista", que, segundo ele, tem entre suas "invenções deletérias" a "educação de gênero".

Bolsonaro chegou a afirmar que a escolha do futuro ministro da Educação atende aos "princípios" e "valores" da bancada formada por deputados federais evangélicos.

Para Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação, o futuro ministro terá desafios expressivos, mas em um cenário que ele considera otimista. 

"O contexto é razoavelmente favorável para se fazer avançar mudanças estruturantes na educação brasileira. O próximo governo tem, além de grandes desafios, uma oportunidade ímpar de fazer avançar as mudanças que a gente precisa ver acontecer", afirma.

Nogueira Filho, formado em administração e com pós-graduação em gestão pública, aponta que o Brasil, na questão educacional, teve avanços pontuais nas últimas décadas: o sistema de avaliação, o mecanismo de financiamento e, mais recentemente, mudanças específicas sobre a base nacional comum curricular.

"Apesar disso, o resultado de aprendizagem dos alunos não apresenta tendências promissoras."

De acordo com ele, houve melhorias nos resultados dos alunos nos anos iniciais, mas em um patamar de baixa aprendizagem: "Temos ainda pouco mais de 50% dos alunos com quase 9 anos de idade ainda não plenamente alfabetizados."

E o quadro fica ainda mais grave nas etapas posteriores da educação básica, ele lamenta.

"Essas melhorias que a gente vem observando nos anos iniciais não estão sendo repercutidas com a mesma força na etapa posterior e muito menos no ensino médio. Os resultados de aprendizagem no ensino médio ao longo das últimas duas décadas são resultados estagnados. As tendências não são promissoras, a despeito de mudanças positivas pontuais." 

O pesquisador aponta como principal desafio para o próximo ministro a criação e o fortalecimento de uma estratégia nacional de educação, em torno de um projeto comum voltado para aprendizagem, e que ainda não foi estabelecido no Brasil. "É por isso que não estamos conseguindo avançar enquanto país. A boa notícia é que alguns dos elementos dessa estratégia nacional já estão em andamento e outras já estão no debate." 

A expectativa é a de que o próximo ministro, ainda que sua experiência profissional e acadêmica ao longo dos últimos anos de história não tenha sido focada na discussão sobre educação básica, consiga rapidamente reconhecer os reais desafios e gargalos que fazem parte desse debate da educação básica."

Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação

"Que ele busque aquilo que há de conhecimento acumulado na sociedade civil, possíveis caminhos e os melhores diagnósticos possíveis para formular o seu projeto de educação", afirma Nogueira Filho. 

"Eu acho que o histórico de uma pessoa não é determinante no que diz respeito à sua atuação. É claro que isso traz algumas preocupações no sentido de avaliar se, de fato, será um governo que conseguirá colocar para andar de maneira efetiva e de maneira rápida as mudanças que precisam ser avançadas, considerando que a janela de oportunidade para promover mudanças estruturantes muitas vezes não é longa."

Como principais tarefas para o próximo governo, ele cita:

  • estabelecer com clareza o que deve ser comum a todo aluno brasileiro, seja em escola particular ou escola pública, do norte ao do sul do país; 
  • governança de educação, mecanismos de articulação, de pactuação entre diferentes esferas para que todos avancem de maneira coordenada;
  • financiamento que garanta condições mínimas para que todas as redes de ensino consigam fazer educação de qualidade; e
  • ter professores bem preparados, motivados e com boas condições de trabalho.

Sobre o projeto Escola sem Partido, o pesquisador vê riscos de algo que deveria, em sua avaliação, ser periférico na discussão tornar-se majoritário.

A expectativa é a de que o tema do Escola sem Partido não ofusque os reais desafios da qualidade da educação brasileira, que são de outra natureza."

Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação

"É fundamental entender que há um risco daquilo que o projeto Escola sem Partido propõe não conseguir resolver e, mais do que isso, prejudicar a qualidade da educação brasileira, que já é bastante baixa", afirma Nogueira Filho. "Há um risco grande de esse projeto, em avançando, não contribuir para fortalecer a relação professor-aluno, o vínculo de confiança professor-aluno, que é fundamental para que qualquer processo de aprendizagem ocorra."

Rafael Carvalho/Governo de Transição

Sérgio Moro

Justiça e Segurança Pública

Juiz federal de primeira instância, Sérgio Moro ficou conhecido nacionalmente por meio da Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, que provocou a condenação de uma série de políticos e empresários acusados de envolvimento em esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público, como Marcelo Odebrecht, Paulo Roberto Costa, Eduardo Cunha, José Dirceu e Luiz Inácio Lula da Silva.

Em novembro de 2018, Moro deixou a magistratura ao aceitar o convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro ao ministério da Justiça.

A pasta, considerada um "superministério", reunirá Justiça, Segurança Pública, Polícia Federal, CGU (Controladoria Geral da União) e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Ao aceitar a indicação, Moro afirmou: "Fiz com certo pesar, pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior".

Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, há prós e contras nos resultados que podem ser esperados de Moro à frente do ministério.

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), Lima entende que Moro tem bastante a oferecer na questão das leis, mas pode deixar a desejar no que estiver à parte, como a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública).

"A carreira do Moro nos últimos 20 e tantos anos é exatamente o combate à corrupção. Mas é um combate à corrupção que envolve as atividades federais, crimes federais. Nesse ponto, ele tem uma experiência grande e pode fazer toda a diferença. Porque ele mantém relações de confiança com vários integrantes da Polícia Federal, do Ministério Público. De fato, quando ele anuncia o interesse em fazer o combate à corrupção nessa perspectiva, pode ser que dê certo", afirma. 

Moro não envolveu nenhum policial militar entre os seus diretores e secretários, trouxe para eles delegados federais, um general de Exército. Independentemente de serem nomes qualificados, o desafio é saber que ele vai ter que negociar bastante com as organizações policiais."

Renato Sérgio de Lima, sociólogo 

O pesquisador avalia que o foco nesse ministério é a gestão da integração das instituições, inclusive com as polícias estaduais e outros órgãos do poder Executivo, do poder Legislativo e do poder Judiciário. "Esse é o grande desafio dele."

Minha principal dúvida em relação ao Sérgio Moro é se ele vai ter capacidade de olhar para além do fato de ele ter sido juiz. Se ele será um gestor na ideia de conseguir colocar tantas diferenças para conversarem em uma única direção."

Renato Sérgio de Lima, sociólogo 

Lima sugere que a área da segurança saia do palanque ideológico e comece a ser pensada a partir de gestão. "Se endurecer [penas] faz sentido, que isso seja justificado, mas como fazer para esclarecer os casos de crimes hediondos? Em média, nós temos 24% de esclarecimentos de homicídios. E os outros 75%?" 

"O perfil dele atende a uma expectativa da população em relação à corrupção, mas pode não resolver o dilema da segurança pública."

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