8 dias que abalaram o país

Da saída de Mandetta à de Moro, o governo Bolsonaro desidrata

Carolina Marins e Clarice Cardoso Do UOL, em São Paulo EVARISTO SA / AFP

As crises sanitária e econômica causadas pela pandemia do novo coronavírus desembocaram nesta semana numa crise de governabilidade sem precedentes na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). Em oito dias, o governo perdeu dois nomes de peso para sua sustentação: o popular ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o ex-juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro.

Outro superministro da gestão, Paulo Guedes perdeu espaço para a ala militar no plano que se fia em obras públicas para combater o desemprego. Some-se a isso o risco de perder apoio mesmo dos militares, que consideraram "gravíssimas" as acusações de Moro sobre tentativas de interferência política na Polícia Federal.

Enquanto isso, o presidente se associou a atos que pediam o fechamento do Congresso e aproximou-se de figuras como Roberto Jefferson (PTB) e Valdemar Costa Neto (PL), que têm no currículo o envolvimento com escândalos.

Mais rápido que a crise política, avançava Brasil afora a pandemia de covid-19, que já levou ao colapso o sistema público de saúde em diversos estados e, no mesmo período, saltou de 30.425 casos oficiais para 52.995 contaminações, uma evolução que surpreendeu Nelson Teich, novo ministro da Saúde.

A seguir, o UOL lista os principais acontecimentos da conturbada semana dia a dia, acompanhados da evolução de casos e mortes causadas pelo coronavírus.

Ueslei Marcelino/Reuters

A queda de Mandetta

Quinta, 16/04

As críticas e ataques em público já se arrastavam havia semanas quando o presidente decidiu demitir Mandetta. Divergências entre os dois sobre o combate à crise do coronavírus, em especial sobre o isolamento social — de que Bolsonaro é crítico — mostraram-se incontornáveis.

Pesou também a popularidade que o ex-ministro ganhou na linha de frente de enfrentamento ao novo coronavírus. A aprovação do Ministério da Saúde sob seu comando era mais que o dobro que a do presidente, segundo levantamento do Datafolha. A decisão, porém, não foi popular. Segundo o instituto de pesquisa, 64% dos brasileiros reprovaram a troca de comando em um dos ministérios mais importantes no combate à covid-19.

Mal havia resolvido a substituição na pasta, Bolsonaro voltou sua mira contra os governadores e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, segundo ele, conduziu o país ao "caos" para tirá-lo do governo.

Em alguns momentos, acho que o Mandetta teria que ouvir mais o presidente. (...) O Mandetta quer fazer valer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo, mas está faltando humildade para ele conduzir o Brasil neste momento

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Jair Bolsonaro, Presidente à rádio Jovem Pan em 02/04

60 dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. (...) Parece que está tudo acertado e, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante

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Luiz Henrique Mandetta, Ex-ministro da Saúde ao site de Veja em 15/04

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    Casos oficiais de covid-19 no dia 16/04

  • 1.924

    Mortes confirmadas por covid-19 no dia 16/04

ADRIANO MACHADO

Teich assume a Saúde

Sexta, 17/04

Escolhido para liderar a Saúde, o oncologista Nelson Teich foi empossado com o conselho do seu superior para que fosse "meio Mandetta, meio Bolsonaro". No primeiro dia no cargo, evitou a imprensa e declarações taxativas sobre como se posicionaria em relação ao distanciamento social.

Enquanto ele defendia um "lado humano" para o combate ao novo coronavírus e a realização de mais testes, Bolsonaro voltou a incentivar a reabertura do comércio não essencial e causou atrito com o Supremo Tribunal Federal (STF), com o presidente da Câmara e com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao dizer estar em posse de um dossiê com informações de inteligência que detalhava um plano para tirá-lo do poder.

A história lá na frente vai nos julgar [ele e Mandetta]. Eu peço a Deus para que nós estejamos certos lá na frente. Então, essa briga de começar a abrir para o comércio é um risco que eu corro, porque, se agravar, vem para o meu colo

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Jair Bolsonaro, Na posse do ministro Teich em 17/04

Saúde e economia não competem, elas são complementares. Quando você polariza uma coisa dessas, começa a tratar como se fosse pessoas versus dinheiro, bem versus mal, empregos versus pessoas doentes

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Nelson Teich, Ministro da Saúde, ao ser anunciado em 16/04

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    Casos oficiais de covid-19 no dia 17/04

  • 2.141

    Mortes confirmadas por covid-19 no dia 17/04

Reprodução

Bolsonaro passeia em dia de protestos contra isolamento

Sábado, 18/04

Carreatas contra as medidas de restrição social tomaram as ruas de diversas capitais, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Lá, Bolsonaro fez novo passeio ao lado do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), seu amigo pessoal, e de seguranças.

Como fez em outras ocasiões, o presidente não usou máscara ao sair e causou aglomeração de apoiadores, ignorando as recomendações de afastamento social. Ao público, ele criticou a decisão do STF que reconheceu competência de Estados, Distrito Federal e municípios em regras de isolamento.

Seus apoiadores gritaram palavras contra Rodrigo Maia, a quem o presidente acusou de promover o seu impeachment. O presidente busca desde então montar uma base de sustentação parlamentar com o antigo centrão, oferecendo cargos em troca de votos, na tentativa de isolar Maia.

O Brasil está mergulhando no caos. Quero crer que não seja apenas uma vontade desses políticos, que não vou nominar aqui, querer abalar a Presidência da República. Não vão me tirar daqui

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Jair Bolsonaro, Em 18/04

O presidente ataca como um velho truque da política. Quando você tem uma notícia ruim, como a da demissão do ministro Mandetta, ele quer trocar o tema da pauta. O nosso tema continua sendo a saúde

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Rodrigo Maia, Presidente da Câmara, à CNN em 16/04

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    Casos oficiais de covid-19 no dia 18/04

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    Mortes confirmadas por covid-19 no dia 18/04

Sergio Lima / AFP

Bolsonaro vai a ato que pede fechamento do Congresso

Domingo, 19/04

Em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, Bolsonaro discursou para uma multidão de militantes aglomerados que pediam o fechamento do Congresso e o retorno do Ato Institucional número 5. A fala e a própria participação no ato causaram indignação na classe política e em ministros, e muitos consideraram a atitude "antidemocrática".

No fim da noite, o presidente voltou a atacar Rodrigo Maia. Ele fez uma transmissão ao vivo em que aparecia assistindo a uma live do ex-deputado federal Roberto Jefferson, condenado por corrupção pelo esquema do mensalão, na qual Jefferson acusa o presidente da Câmara dos Deputados de arquitetar um "golpe parlamentarista".

Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás. Temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção têm que ser patriotas. Acabou a época da patifaria. Contem com o seu presidente

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Jair Bolsonaro, Em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, em 19/04

O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos. Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição

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Rodrigo Maia, Presidente da Câmara, no Twitter em 19/04

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    Casos oficiais de covid-19 no dia 19/04

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Palácio do Planalto

Bolsonaro sobre vítimas de covid-19: "Não sou coveiro"

Segunda, 20/04

Após a repercussão negativa de sua participação nos atos do dia anterior, Bolsonaro defendeu um Congresso e um Supremo livres e abertos. Segundo ele, as acusações de que teria manifestado uma postura autoritária são "provocações baixas e rasteiras" por parte da imprensa. Também as rotulou como "invencionice".

Quando um jornalista lhe perguntou sobre a quantidade de mortos em decorrência do novo coronavírus, respondeu: "Não sou coveiro".

A PGR (Procuradoria-Geral da República) anunciou que pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que abra um inquérito para investigar os atos pró-golpe ocorridos no dia anterior em cidades brasileiras. O órgão cita violação à Lei de Segurança Nacional e a participação de deputados federais nos eventos, mas omite o nome de Bolsonaro.

Não falei nada contra qualquer outro poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho. O povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. Fora isso, é invencionice. Tentativa de incendiar uma nação que ainda está dentro da normalidade

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Jair Bolsonaro, Em 20/04

É assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia. Defender a Constituição e as instituições democráticas faz parte do meu papel e do meu dever. Pior do que o grito dos maus é o silêncio dos bons (Martin Luther King)

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Luís Roberto Barroso, Ministro do STF, em 19/04

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Roberto Jefferson defende Bolsonaro

Terça, 21/04

Conhecido pelo seu envolvimento no caso mensalão, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, disse que há uma tentativa do Congresso de promover novo impeachment no País e previu uma reação à altura. "Para derrubar Bolsonaro, só se for a bala", afirmou ele. O presidente, por sua vez, esteve no Hotel de Trânsito de Oficiais do Exército, em Brasília, para um almoço com oficiais do Exército.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes autorizou a abertura de um inquérito para investigar a organização e o financiamento de atos a favor de um golpe de Estado, com intervenção militar e fechamento do Congresso e do próprio tribunal. Alguns deputados federais e empresários são investigados, mas não o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que participou de um ato em Brasília realizado na frente do QG do Exército.

O Bolsonaro não se perde. Para derrubá-lo, só se for a bala. Ele é guerreiro. É leão. Não vai miar. Ele vai rugir. (...) O Fernando Henrique diz: falta de governabilidade, governo compartilhado e povo na rua. O que o Bolsonaro está fazendo? Está botando o povo na rua, mas do lado dele

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Roberto Jefferson, Presidente do PTB, em 21/04

Em entrevista no Estadão, um ex-deputado fala em complô meu com Maia e Doria para derrubar Bolsonaro. Nada mais errado: não quero tal. Melhor ter paciência histórica. Respeito o voto popular. Discordar é normal, sem derrubadas. Coesão contra o vírus, é preciso. Não intrigas

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Fernando Henrique Cardoso, Ex-presidente, no Twitter, em resposta a Jefferson em 21/04

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Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Teich anuncia diretriz e governo lança plano econômico

Quarta, 22/04

Menos de uma semana depois de ser escolhido como o novo ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich anunciou que o governo federal vai lançar uma diretriz para que estados e municípios possam criar políticas e programas próprios em relação ao isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus.

Enquanto isso, a ala militar do governo lançava um plano de recuperação econômica que prevê aumento dos gastos com investimentos públicos para os próximos anos. O anúncio foi feito pelo ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, sem a presença de nenhum integrante da equipe do Ministério da Economia de Paulo Guedes.

Grandes juristas, cito Miguel Reale, entendem que sim, que já há base para abertura de processo de impeachment. Óbvio que o processo é especialmente traumático, parte do drama que estamos vivendo vêm de processos de impeachment

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Felipe Santa Cruz, Presidente da OAB, em 22/04

A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de "solidariedade" encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração

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Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores, em 22/04

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Mateus Bonomi/AGIF

Moro pede demissão

Quinta, 23/04

Boatos sobre a possível saída do então ministro da Justiça, Sergio Moro, do cargo começaram logo pela manhã: notícias dão conta de que Moro havia pedido demissão ao ser informado pelo presidente da decisão de trocar a diretoria-geral da Polícia Federal, ocupada por Maurício Valeixo. Durante o dia, porém, o Ministério não confirmou a saída. Ministros como Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) foram escalados para dissuadir Moro, porém a ameaça continuou no ar, caso a saída de Valeixo fosse confirmada.

Em sua live semanal de quinta-feira, o presidente não comentou a possível demissão e focou em falar da pandemia. Ele negou cometer genocídio ao descumprir orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) no combate ao novo coronavírus e buscou descreditar o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, por não ser médico.

O Presidente da República Federativa do Brasil flerta com o risco de um genocídio e menospreza a possibilidade de óbito de idosos. Nenhum cidadão, muito menos um mandatário, pode usar a liberdade de expressão para desinformação e para colocar em situação de risco a saúde e a vida de mais de 200 milhões de pessoas

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Deputados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Helder Salomão, Presidente da Comissão que enviou carta à ONU e OMS

Eu estou sendo acusado, dentro e fora do Brasil, de genocídio por ter defendido uma tese diferente da OMS. (...) O pessoal fala tanto em seguir a OMS, né? O diretor da OMS é médico? Não é médico. É a mesma coisa se o presidente da Caixa não fosse da economia. Não tem cabimento. Então, o diretor da OMS não é médico

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Jair Bolsonaro, Live no Facebook em 23/04

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UESLEI MARCELINO

Moro deixa o governo

Sexta, 24/04

O dia começou com Bolsonaro exonerando Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Algumas horas mais tarde, o então ministro convocou uma coletiva de imprensa na qual anunciou a sua saída do cargo. Ele acusou Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal.

À tarde, Bolsonaro fez o seu pronunciamento mais longo (46 minutos), ao comentar a saída do ministro e exoneração de Valeixo. Ele acusou Moro de pensar no próprio ego e não se importar com o bem dos brasileiros e do país. Negou ainda que tenha intenção de fazer qualquer interferência política na PF (Polícia Federal) ou que quisesse ter acesso a investigações sigilosas.

Ele, no entanto, se contradisse ao dizer que pediu apurações que atendem ao seu interesse sobre o porteiro do condomínio em que mora e o caso Marielle Franco, o suposto relacionamento do filho Jair Renan e a filha de um dos acusados pela morte da vereadora carioca, Ronnie Lessa, e a respeito de Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada desferida contra Bolsonaro na campanha presidencial de 2018.

O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [no comando da PF], que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência, seja o diretor ou o superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar este tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas

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Sergio Moro, Ex-ministro da Justiça, em 24/04

Falava-se de interferência minha na Polícia Federal. Ora bolas, se eu posso trocar o ministro, por que não posso de acordo com a lei trocar o diretor da Polícia Federal? Não tenho que pedir autorização a ninguém para trocar o diretor ou qualquer um outro que esteja na pirâmide hierárquica do Poder Executivo

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Jair Bolsonaro, Em 24/04

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