Em uma praça de Avaré (SP), a 265 quilômetros da capital, Irene* e dois amigos tinham comprado cinco gramas de maconha, o suficiente para cinco baseados, tinham fumado um dos cigarros e se preparavam para usar os quatro que sobraram em uma festa.
Era dia de folga de Irene, na época garçonete, e ela e os amigos repetiam uma cena que se vê todos os dias no país. Mas o desfecho não foi o que eles esperavam — nem o que, Irene e o advogado argumentam, aconteceria se a jovem estivesse em um bairro rico. Ou se fosse rica.
Um carro de polícia chegou, os três foram revistados e presos. Irene, então com 18 anos, entregou a droga, afirmou que era usuária, mas foi presa em flagrante.
De acordo com a legislação brasileira, usar drogas é ilegal, mas a conduta não é passível de prisão — essa pena é aplicável a quem vende, e não a quem consome drogas ilícitas.
Porém a legislação é omissa quanto ao que são quantidades ou circunstâncias que diferenciam uso pessoal e tráfico de drogas, o que abre espaço para subjetividade da polícia e da Justiça. A questão aguarda decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
No boletim de ocorrência, os policiais registraram que Irene traficava drogas, versão que ela nega.
Após o flagrante, em 26 de abril de 2017, Irene foi mantida em prisão preventiva por 45 dias na penitenciária de Pirajuí (SP) até que o advogado, Fernando Hideo Lacerda, conseguiu um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Irene, hoje com 21 anos, está livre deste então.
Mas corre o risco de voltar à prisão. Ela foi condenada em abril de 2018 em primeira instância por tráfico de drogas e associação para o tráfico e agora aguarda o término do julgamento em segunda instância.
A defesa quer a absolvição pelos dois crimes, e o Ministério Público (MP) pediu absolvição pela acusação de associação, redução da pena de tráfico e cumprimento em regime aberto. O término do julgamento está marcado para amanhã (31).
Enquanto aguarda, Irene vê aumentar a ansiedade e piorar a depressão, diagnosticadas após a prisão.
A seguir, os trechos sobre fundo negro são relatos de Irene. Os trechos sobre fundo branco são explicações da redação.
*O nome verdadeiro de Irene é outro, e foi alterado a pedido dela, que teme represália.