A ponta do iceberg

Saída do PSL da Juíza Selma, a "Moro de Saia", expõe fissuras no partido e até Bolsonaro cogitaria deixá-lo

Chico Alves Colaboração para o UOL, do Rio André Coelho/Folhapress

"Chega da velha política das oligarquias, chega de clãs mandando neste país". Foi assim, com lágrimas nos olhos, que a senadora Selma Arruda (MT) justificou, na quarta-feira, a desfiliação do PSL para ingressar no Podemos.

A ironia da afirmação é que a legenda reconhecida como a sensação das últimas eleições, por sair do ostracismo em que operou por 23 anos para eleger o presidente da República e centenas de parlamentares, chegou ao poder com o anunciado objetivo de fazer a "nova política". Agora, a senadora desembarca acusando o partido de fazer justamente o inverso do que a sigla pregou na campanha.

Selma Arruda é mais uma entre personagens importantes que deram adeus ao PSL nos últimos meses ou pretendem fazer o mesmo. No caso dela, o estopim foi a pressão do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o filho 01 do presidente, para que não apoiasse a chamada CPI da Lava Toga, que tem o objetivo de investigar atos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Pelo mesmo motivo, o senador Major Olímpio (PSL-SP) também está brigando: ele quer a CPI, o clã Bolsonaro não. Por conta dessa queda de braço, defendeu que Flávio deixe a legenda, esteve presente à cerimônia de filiação da senadora ao Podemos e se despediu dela com um "até breve", indicando que deve seguir o mesmo caminho.

O nível de insatisfação é grande. O empresário Paulo Marinho, primeiro suplente de Flávio e um dos principais apoiadores da campanha presidencial de Bolsonaro, foi o primeiro a ir embora. O ex-ministro Gustavo Bebianno, que era vice-presidente pesselista e ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, foi o segundo.

Mais recentemente, o deputado Alexandre Frota forçou sua expulsão e passou para o PSDB. Comenta-se que a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo, também vai procurar outro paradeiro se não for indicada candidata a prefeita de São Paulo no ano que vem.

Há também crises regionais como a do Rio, onde Flávio Bolsonaro determinou que parlamentares que não saírem do secretariado do governador Wilson Witzel (PSC), com quem está rompido, devem se desfiliar. Ou a possibilidade da cassação pelo TSE de candidatos acusados de fraude em Minas Gerais e Pernambuco.

Diante disso, a previsão é que o partido de Jair Bolsonaro encolha ainda mais. Há rumores, inclusive, de que o próprio presidente estaria disposto a se mudar para o partido Patriota se não tiver poder total de indicação de candidatos nas eleições municipais do ano que vem.

André Coelho/Folhapress
Dida Sampaio - 13.set.19/Estadão Conteúdo Dida Sampaio - 13.set.19/Estadão Conteúdo

De candidata mais votada a senadora ameaçada

Quando entrou no PSL, em abril do ano passado, a juíza Selma Arruda resolveu aproveitar o bom conceito que a população tem do Judiciário para tentar o mandato de senadora. Pela contundência de suas sentenças, ganhou em Mato Grosso o apelido "Moro de saias". Concorreu ao Senado como "Juíza Selma", levantando a bandeira anticorrupção, e foi a primeira colocada, com mais de 678 mil votos.

Apoiar a CPI da Lava Toga seria algo que combina com a prática de "moralização" prometida pelo partido. Por isso, ficou surpresa quando Flávio Bolsonaro passou a pressionar a todos na legenda para esvaziar a comissão de inquérito. "Ele começou a perguntar porque queríamos prejudicar ele, e eu não gosto de ouvir gritos. Pedi para abaixar a voz, ele não abaixou e eu desliguei", contou Selma, sobre a ligação que recebeu, em entrevista à Jovem Pan.

Selma manteve o discurso anticorrupção mesmo depois que o TRE identificou em sua prestação de contas R$ 855 mil em "gastos tipicamente eleitorais no período de pré-campanha". O tribunal recomendou a cassação do mandato e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, manifestou-se no dia 10 a favor da punição. A senadora entrou com recurso.

"Nunca tive uma pessoa do partido (PSL) para me defender publicamente. Você já viu alguma declaração do presidente do partido dizendo 'a senadora Selma tem todo o nosso apoio'? Não", criticou ela, em entrevista à Folha de S.Paulo.

O maior amparo que ela teve na legenda veio do colega senador Major Olímpio. "Eu tentei convencê-la a ficar e resistir conosco. Quem tem que cair fora do PSL é o Flávio, não ela. Gostaria que ele saísse hoje mesmo", disse Olímpio ao jornal Estado de S. Paulo.

Foi ainda mais fundo quando desabafou ao Congresso em Foco: "Para mim, eu quero que se dane se é filho do presidente ou não, isso aqui não é dinastia, é um partido político". A virulência dos ataques e o comparecimento à filiação de Selma ao Podemos faz prever que sua saída é apenas questão de tempo.

Roque de Sá/Agência Senado Roque de Sá/Agência Senado

O começo da debandada

O primeiro a dar adeus ao PSL foi o empresário Paulo Marinho, um dos principais apoiadores da campanha de Jair Bolsonaro à presidência. Ele ficou exatamente um ano, de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019. "Saí porque o governador João Doria me chamou para o PSDB e esse era meu projeto original. Isso me custou ser tachado de traidor por alguns bolsominions", afirma.

Marinho acredita que muitos outros deixarão o PSL e diz que isso era algo previsível. "Não é uma legenda que tenha uma ideologia que os una", afirma o empresário. "O PSL atual tem origem nas corporações policiais, militares reformados. Eram eles os grandes mobilizadores das manifestações em aeroportos quando o capitão viajava pelo Brasil".

Para Marinho, a permanência de alguns integrantes pode ser estendida por conta da atração causada pelo vultoso fundo partidário e também pelo risco da perda de mandato dos deputados que tomem a iniciativa de sair. Por isso, ele acredita que muitos farão como Alexandre Frota e forçarão uma expulsão. Mas há uma outra hipótese: "Como quem administra é a família Bolsonaro, para eles expulsarem metade dos parlamentares do partido não custa muito".

O segundo a debandar foi o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Depois de ser acusado de supostas irregularidades nas campanhas eleitorais do PSL, ocorridas na época em que era presidente do partido, ele entrou em choque com Carlos Bolsonaro, que o chamou de "mentiroso".

O ex-ministro conta que desde o momento seguinte à eleição orientou Bolsonaro a se aproximar do partido e prestigiar a base. "Ele não escutou e passou a tratar a todos com desprezo, de forma soberba. Perdeu a admiração de quase todos e não se portou como um líder", diz Bebianno. Por conta disso, acredita que o partido será fragmentado com o tempo. "Isso só não acontece mais rapidamente porque as pessoas são covardes e têm medo de se confrontar. Por isso, fingem que está tudo bem".

Seis meses depois, Alexandre Frota foi a primeira estrela com mandato a forçar a expulsão do partido, depois de disparar uma saraivada de críticas pesadas ao presidente Bolsonaro. Hoje está no PSDB e é fiel escudeiro de João Doria.

Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

Crise em Brasília, crise nos estados

Além da insatisfação com os rumos do partido no Congresso, crises regionais também enfraquecem o PSL. A mais rumorosa delas é a que acontece no Rio de Janeiro, onde o senador Flávio Bolsonaro ordenou o rompimento da bancada fluminense com o governador Wilson Witzel (PSC). A princípio, o fato de Witzel ter anunciado que vai concorrer à presidência e ter feito críticas ao governo federal foi usado como argumento para o racha.

Uma nova versão para a desavença eclodiu na sexta-feira 20: segundo noticiou a coluna Painel, de S. Paulo, Flávio estaria irritado com o governador do Rio porque ele nomeou como assessora da Casa Civil do estado a advogada Natália Nicolau, filha do juiz Flávio Nicolau, que quebrou o sigilo bancário e fiscal do senador.

Da China, onde está em viagem, o senador do clã Bolsonaro determinou que quem continuar participando do governo Witzel terá que se desfiliar do PSL. "A direção da executiva estadual do PSL-RJ, representada pelo seu presidente Flávio Bolsonaro, comunica que filiados ao partido não devem exercer cargos no governo Wilson Witzel. Aqueles que quiserem permanecer devem pedir desfiliação partidária", dizia o comunicado.

Alguns parlamentares reagiram. "Não vejo motivo para esse rompimento. Vou aguardar o Flávio voltar da China para ouvir os seus motivos, se ele mantiver a posição, quero saber a orientação do Jair (Bolsonaro)", diz o deputado federal Daniel Silveira. Outro que resiste é o secretário de Ciência e Tecnologia do RJ, Leonardo Rodrigues. Segundo suplente de Flávio no Senado, Rodrigues já avisou que não deixa o cargo. A tendência é que saia do partido.

Há também desgastes nos diretórios do PSL de Minas Gerais e Pernambuco, onde há acusações de candidaturas laranja na última eleição para que o partido alcançasse a cota de mulheres na eleição de 2018. O partido entrou em alerta depois que, em julgamento realizado na terça-feira, o TSE decidiu manter a cassação de seis vereadores eleitos em 2016 na cidade de Valença do Piauí (PI) pelo mesmo motivo. Isso abre precedente para que haja cassação de deputados.

"Desafio qualquer um a provar que o PSL utilizou esse artifício. Que venha a Polícia Federal, que venha o Ministério Público. Eu sou delegado, quero que eles comprovem", bradou o líder do PSL na Câmara dos Deputados, Delegado Waldir (GO).

Em meio a esse imbróglio, o presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar tirou uma licença de dez dias da Câmara para fazer tratamento de saúde.

Evaristo Sá/AFP Evaristo Sá/AFP

O isolamento do presidente

O cientista político Leandro Consentino, do Insper se espanta apenas de a crise no PSL ter acontecido tão cedo. "Não estamos falando de uma legenda com uma existência orgânica. Foi um partido montado de improviso. Já existia há algum tempo, mas a forma como Bolsonaro entrou, se instalou e atraiu lideranças ali foi tudo a toque de caixa", diz o pesquisador.

Para ele, a falta de organicidade dos elementos que compõem a legenda, essa falta de ideias em comum, mostra que partido político tem que ser muito mais que simplesmente um ajuntado de pessoas em torno de uma candidatura. "Não parece que o PSL tenha uma coesão tão grande e o resultado é isso que estamos assistindo", diz Consentino.

O subproduto da crise do PSL, avalia ele, é o isolamento político do presidente. Jair Bolsonaro não faz o presidencialismo de coalizão, que foi o sistema que funcionou durante a Nova República. "Esse sistema teve seus problemas, mas do ponto de vista da governabilidade foi o que fez funcionar as gestões dos últimos presidentes", diz o professor do Insper.

Na sua interpretação, um presidente que pertence a partido que não tem coesão no parlamento e que não articula coma base de outros partidos pode ter um destino como presidente Fernando Collor: "Foi eleito numa legenda que também não existia e acabou ficando refém de um processo de impeachment que resultou na sua saída".

Consentino recorre ao passado para ilustrar os riscos dessa crise no PSL. "Desde o primeiro presidente da República, Deodoro da Fonseca, a história não dá guarida para quem não maneja bem com o Legislativo."

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