Fogo, cinzas e fome

Veterinárias enfrentam incêndios e fazem resgates de até 12 h no Pantanal

Alex Tajra e Marina Garcia Do UOL, em Cuiabá, Poconé e Porto Jofre (MT) Marina Garcia/ UOL
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Passava da 1h quando sete pessoas tentavam retirar de uma van uma anta de 170 kg resgatada de uma área queimada no Pantanal de Mato Grosso. A velocidade era inimiga da sutileza necessária para retirar o animal já debilitado, e que permanecera por horas dentro de uma caixa de madeira improvisada.

A saga do resgate, entre a captura na vegetação pantaneira castigada pelo fogo, a chegada ao Hospital Veterinário da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e o retorno à zona rural, durou 12 horas.

Aquela era até então a terceira anta resgatada por veterinários, voluntários e autoridades que se concentram no Paeas (Posto de Atendimento Emergencial de Animais Silvestres) do Pantanal, criado pelo governo de MT para lidar com a situação emergencial do bioma.

As duas antecessoras morreram por conta do calor, conforme relatos dos veterinários à reportagem. Desta vez, uma van com ar-condicionado traseiro, doada por um empresário local para auxiliar nos resgates, ajudou o animal a manter a vida.

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Veterinários resgatam anta com patas queimadas no Pantanal

Ver tantos animais mortos talvez seja uma coisa que eu nunca esqueça, não vai cicatrizar. No lugar onde derreteu minha bota, encontrávamos uma serpente carbonizada a cada dez passos. Encontramos tamanduás-bandeira, cervos do Pantanal, jacarés... Às vezes, a gente tem uma sensação horrível, a gente olha e fala: 'Mas tem centenas aqui, eu vou conseguir salvar dois'. A gente foca na vida daqueles dois, em amenizar o sofrimento daqueles dois.

Caroline Machado, médica veterinária e bióloga

Triste vida confinada

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A mordida de um queixada, porco selvagem que habita o Pantanal, soa como uma garrafa pet sendo destruída. Tidos como agressivos, seus temperamentos parecem mais amenos atrás de uma grade, se recuperando de queimaduras.

Longe de seus bandos, dois deles ocupavam o alojamento para animais resgatados do Paeas no dia da visita da reportagem. Seus olhos traduzem a sensação do confinamento involuntário, presos por conta da destruição de seu habitat.

A esperança dos veterinários, por vezes escassa, é sempre a mesma: retorná-los à natureza sem resquícios do fogo que os aterrorizou. Uma jovem sucuri com parte de seu corpo queimado e um quati, também com patas queimadas, faziam companhia aos queixadas quando a reportagem do UOL esteve no local.

Do Paeas, saem diariamente equipes de busca e resgate de animais que podem estar feridos ao longo do Pantanal mato-grossense. Grupos de WhatsApp são utilizados para buscar novas informações, e um aplicativo de georreferenciamento é utilizado, já que não há sinal de internet nem de telefone ao longo da estrada Transpantaneira.

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Na hora do fogo, a gente não consegue fazer muita coisa porque tem muitos animais fugindo. Quando vamos a uma propriedade que já queimou, quem não conseguiu fugir, infelizmente, a gente encontra carbonizado.

Caroline Machado, médica veterinária e bióloga

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Até o fechamento desta reportagem, o Lasa-UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro) contabilizava, em dados preliminares, mais de 4 milhões de hectares queimados no Pantanal, o equivalente a 27% do bioma.

Lalo de Almeida/Folhapress

Locais que não haviam queimado em 2019, ou que tinham incidência mínima de focos, como a Terra Indígena Baía dos Guató e o Parque Estadual Encontro das Águas (conhecido como parque das onças; foto), tiveram mais de 70% das suas áreas devastadas neste ano.

Eu não tinha noção de que iria lidar com algo tão grande.

Karen Ramos, Médica veterinária que liderou equipe no Paeas

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Às angústias de quem tem trabalhado nos resgates, soma-se a paisagem destruída, distópica, e o calor que ultrapassa os 40º C diariamente. Além das queimadas, a seca, impulsionada pelas mudanças climáticas, também não encontra precedentes na história recente do bioma.

Pantaneiros relatam que os principais rios da região, como o Cuiabá e o Paraguai, não tinham níveis tão baixos há pelo menos 50 anos. A sensação é de que a destruição, com a marca registrada da ação humana, foi incorporada à paisagem.

As centenas de cadáveres de animais e o mar de cinzas formam hoje o cartão postal do Pantanal. Acuados, os animais tentam resistir. Nas minúsculas poças d'água que restaram, jacarés, tuiuiús, garças, aracuãs e cachorros-do-mato se aglomeram no "novo normal" daquele ecossistema.

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