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Médicos cubanos vão para aldeias e temem problemas com a língua indígena

Em Brasília

09/09/2013 13h25

Bernardo Madrazo, um médico cubano que trabalhou na África, Guatemala e Venezuela, se prepara juntamente com dezenas de compatriotas para trabalhar nas aldeias indígenas mais distantes da Amazônia, que os médicos brasileiros não querem ir.

  • Arte UOL

    Saiba qual a proporção de médicos em cada Estado e o panorama em outros países

"A Amazônia será muito diferente do que fiz antes. Estou muito animado", explica este afro-cubano procedente de Cienfuegos, 47 anos e 23 de experiência médica (dois na Guatemala, dois no Lesoto e quatro na Venezuela). Seu destino será o Vale do Javari, uma área de tribos isoladas na fronteira com o Peru.

O governo de Dilma Rousseff lançou o programa Mais Médicos para preencher 15 mil vagas nas regiões remotas e pobres do país. Serão 4.000 médicos cubanos e centenas de argentinos, venezuelanos, espanhóis e portugueses.

"O principal problema será a língua. Estudamos muito português, mas os indígenas não falam português, vamos ter que aprender suas línguas", explica Ania Ricardo, outra cubana que passou três anos em bairros pobres e violentos de Caracas e que agora irá para uma aldeia no rio Solimões, na Amazônia.

Junto com outros 40 compatriotas que chegam ao Brasil com um contrato de três anos, Madrazo e Ricardo tiveram seus primeiros contatos com indígenas brasileiros na última sexta-feira (6), com um treinamento na Casa de Saúde Indígena, a 25 km de Brasília, um local que abriga pacientes submetidos a tratamentos e cirurgias complicados em todo o país.

Ruberilson, 12, dono de um belo sorriso e grandes cicatrizes escondidas por um boné, caminha batendo com sua bengala entre os cubanos depois de ter ficado cego há alguns meses. Ele se comunica em idioma ianomami.

"Era um tumor benigno, mas demorou a ser atendido e afetou o nervo óptico. Será difícil seu retorno para a aldeia ianomami, porque é uma sociedade onde cada um tem sua função, pescar, caçar", explica uma encarregada do curso para os cubanos.

Demagogia eleitoreira

  • A questão dos médicos estrangeiros caiu na vala da irracionalidade. No meio desse fogo cruzado, com estilhaços de corporativismo, demagogia, esperteza política e agressividade contra os recém-chegados, estão os usuários do SUS.

    Insisto que sou a favor da contratação de médicos estrangeiros para as áreas desassistidas, intervenção que chega com anos de atraso. Mas devo reconhecer que a implementação apressada do programa Mais Médicos em resposta ao clamor popular, acompanhada da esperteza de jogar o povo contra a classe médica, é demagogia eleitoreira, em sua expressão mais rasa.

    Leia, na íntegra, o artigo de Drauzio Varella


 Doença do espírito

"O governo está determinado a dar prioridade à saúde indígena e cobrir estas praças muitas vezes rejeitadas pelos médicos brasileiros porque são áreas muito remotas e que requerem uma habilidade para tratar com uma cultura e hábitos muito diferentes", explica à AFP Antonio Alves de Souza, secretário de Saúde Indígena do governo brasileiro.

"São culturas que consideram o pajé como um médico e acreditam que a doença é do espírito e não do corpo. Não pode chegar alguém com essa visão de que a ciência do homem branco domina o mundo", explica.

A melhoria dos serviços de saúde pública foi uma das grandes reivindicações das manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho. Mas o programa também gerou controvérsia.

Apesar de os médicos estrangeiros irem para as praças em que os brasileiros não vão, alguns deles foram recebidos nos aeroportos com vaias e declarações racistas.

A polêmica surgiu porque os cubanos recebem apenas parte dos R$10 mil reais que o Brasil paga, uma vez que o dinheiro é destinado ao governo de Havana. "Em Cuba, temos tudo garantido pelo Estado, eu não paguei um centavo para me formar, é nosso sistema, como também nos incutem a solidariedade de sair para exercer (a medicina) fora", explica Ania Ricardo.

Sétima economia do planeta, o Brasil tem uma taxa de 1,8 médico por 1.000 habitantes, menos que Argentina (3,2) ou Grã-Bretanha (2,7).

"A saúde no país estava cada vez mais precária. Realmente precisamos destes médicos estrangeiros que talvez incentivem nossos médicos a trabalhar melhor e quererem ir a locais distantes", diz Kenia Gomes de Matos, enfermeira da Casa de Saúde Indígena.

Onde falta médico, faltam dentistas e enfermeiros, mostra pesquisa

A concentração de médicos nos grandes centros acompanha a de outros profissionais de saúde, como dentistas e enfermeiros, e a de unidades de saúde. Onde falta um, faltam os outros.

É o que o mostra um recorte da pesquisa Demografia Médica no Brasil, que se baseou em dados da AMS (Assistência Médico-Sanitária) do IBGE, que conta os postos de trabalho ocupados por profissionais de saúde