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O casal brasileiro que se apaixonou em tratamento e luta junto contra doença incurável

17/03/2017 08h17

Osmar puxava seu carrinho com uma pilha de caixas pelos corredores do Hospital das Clínicas, como costuma fazer a cada 15 dias. Mas algo desviou o seu olhar.

Uma mulher baixa, magra, de vestido preto e cabelo comprido chamou sua atenção ao aparecer no fim de uma longa rampa, a 30 metros de distância. "Ela tinha um decote médio e, de longe, eu pude ver um curativo. Eu falei: é essa moça aí mesmo", conta ele.

Minutos depois os dois já estavam conversando.

Meses depois, Osmar Elias, de 32 anos, e Mônica Nery, de 33, começaram a namorar. Eles têm doenças incuráveis e degenerativas diferentes no intestino, mas fazem juntos o tratamento de nutrição parenteral - alimentação artificialadministrada por meio de uma artéria, substituindo a alimentação oral. Tudo no mesmo hospital onde se conheceram, há quatro anos.

O casal é citado pelos médicos como um exemplo de dedicação ao tratamento. Juntos, eles estudam, se cobram e, principalmente, estão sempre dispostos a oferecer ajuda e carinho um ao outro.

A nutróloga do Hospital das Clínicas Mariana Hollanda, que acompanha o casal de perto, diz que o namoro deles ajuda no tratamento. "Toda pessoa que está feliz num relacionamento ajuda no contexto de vida. No caso deles, para o tratamento também é fundamental. Eles são dois pacientes exemplares", afirmou a médica à BBC Brasil.

Dor intestinal

Em 2006, Osmar sentiu, em um dia, uma dor na barriga assim que chegou do trabalho. Ele desconsiderou o desconforto e foi lavar seu carro. O incômodo aumentou e ele foi levado às pressas ao hospital. No local, a queimação estomacal ficou insuportável e o fez desmaiar.

Quando acordou, Osmar estava entubado e com um grande corte no tórax. O jovem passou por uma cirurgia de emergência após os médicos detectarem um grave problema em seu abdômen.

Segundo eles, seu intestino se espremeu sem motivo aparente - algo raríssimo de ocorrer, exceto em acidentes automobilísticos ou quedas.

Osmar passou por cinco operações consecutivas para cortar partes necrosadas até seu intestino ficar com apenas 20 centímetros - tamanho atual. O órgão de homem adulto tem, em média, de 5 a 7 metros.

Na época, médicos disseram que Osmar tinha menos de 1% de chance de sobreviver e, caso conseguisse, sua expectativa de vida seria de cinco anos.

O jovem faz o tratamento há 11 anos e se tornou o paciente mais antigo a receber esse tipo de nutrição no Hospital das Clínicas.

"Eu acho que depois que tive esse problema, eu comecei a aproveitar melhor o meu tempo livre. Eu fico feliz por ter vivido esses dez anos a mais. Era para ter acabado ali", diz Osmar.

Sem diagnóstico

Quando Mônica tinha 17 anos, ela percebeu que sua barriga inchava quase sempre que comia. Os alimentos ficavam represados, pois seu intestino não conseguia fazer a digestão. A situação começou a ocorrer com uma frequência cada vez maior e só era solucionada quando todo o líquido, ar e comida eram bombeados e retirados por uma sonda colocada no nariz.

Mesmo após dezenas de exames e oito meses internada, nenhum médico soube identificar qual era sua doença. Eles a definem até hoje apenas como pseudobstrução intestinal. É como se uma barreira impedisse a passagem da comida pelo órgão e dificultasse a digestão.

Mas a rotina semanal de colocar uma sonda no nariz ou diretamente no estômago era muito incômoda. Então, Mônica decidiu seguir o conselho dos médicos e passou a se alimentar por um cateter na artéria. Foi quando ela conheceu Osmar.

'A Culpa é das Estrelas'

A aproximação do casal é descrita por eles mesmos como impossível. Na época em que se conheceram, Osmar namorava e Mônica era casada e mãe de dois filhos, que hoje têm 18 e 15 anos.

Hoje, Mônica é divorciada e vive com os filhos na casa de sua mãe. Osmar mora com os pais.

"A chance da gente se encontrar era muito pequena. Ela é uma alma gêmea, a quem posso contar tudo. Eu não poderia ter encontrado uma pessoa mais compatível comigo, uma pessoa que eu gostasse mais de estar junto", define Osmar.

Para Mônica, a história deles é muito parecida com o filme A Culpa é das Estrelas. A produção conta a história de uma adolescente diagnosticada com câncer que se mantém viva graças a um remédio em fase de testes.

Ela conhece um rapaz que também tem câncer em um grupo de apoio e eles se apaixonam.

Mônica e Osmar já assistiram ao filme incontáveis vezes. "Os personagens tinham doenças diferentes e caminhavam para uma tragédia. A gente tem problemas diferentes, e não sei se a gente caminha para uma tragédia. Deixando essa parte romântica de lado, é dramático. É muito dramático", afirmou.

Por mais que Mônica demonstre seu amor por Osmar, seu maior companheiro é o Zé. É assim que ela chama o aparelho que faz a sua nutrição artificial.

Ela fica conectada ao Zé três vezes por semana,18 horas por dia. Osmar recebe a nutrição cinco dias por semana e só fica longe do aparelho no fim de semana, quando pode ficar mais à vontade com a namorada.

Mesmo com dois dias livres na semana, o casal faz poucos passeios e nem pensa em fazer uma viagem distante.

A principal forma de ambos obterem sustento alimentar é através da nutrição parenteral. Quando saem para jantar, muitas vezes vão apenas tomar um milk-shake.

"A gente até sai, mas nada que seja muito longo. Nada que precise tomar um banho fora de casa ou trocar o curativo. Nem mesmo no hospital a gente expõe o cateter", conta Mônica.

"Às vezes, a gente come fora, viaja para Aparecida (do Norte, no interior de SP). A gente fica restrito, mas somos conformados com a nossa condição. Estamos há tantos anos nessa condição que não nos preocupamos em fazer outras coisas", completa.

Para Osmar, Mônica é a única pessoa que entende sua limitação por completo. "Às vezes, eu conto para um amigo o que estou passando, mas ele não tem a menor ideia do que seja. A Mônica não. Ela vive o mesmo que eu", conta ele.

Transplante

À medida que o tempo passa, a nutrição artificial recebida pelo casal tem impacto sobre outros órgãos, que ficam sobrecarregados, como rins e fígado.

Uma das poucas saídas para se livrar da doença é fazer um transplante de intestino. Mas, devido ao alto risco de morte, o procedimento não está nos planos do casal.

"A gente está num momento estável. Além disso, a recuperação é muito difícil porque o intestino é um órgão muito grande e complexo. Se oferecessem a cirurgia agora, de graça, a gente não faria", diz Mônica.

O coordenador do Hospital das Clínicas, Dan Waitzberg, diz que o transplante é a última opção a ser adotada para qualquer paciente nessas condições. "Nós devemos esgotar as possibilidades com a terapia nutricional parenteral (pela artéria) antes de enviar para o transplante".

Um exemplo de cenário extremo- e que obrigaria o paciente a se submeter ao transplante - é quando as artérias deixam de permitir a passagem de nutrientes, inviabilizando a alimentação artificial.

Mas o retrospecto desse tipo de cirurgia no Brasil não é favorável. Nenhum dos pacientes sobreviveu a um transplante de intestino devido à complexidade de implantar o órgão.

A maior referência nesse tipo de transplante é um médico que atua no Estados Unidos. O valor que ele cobra pela cirurgia é de cerca de R$ 1 milhão.

Planos

A limitação causada pela doença restringe as oportunidades profissionais do casal. A falta de uma estrutura para atendimento emergencial e o risco de contaminações impede que eles trabalhem ou estudem fora de casa.

A única renda de Mônica é o auxílio-doença que recebe do governo - no valor de R$ 937. De sua cama, Osmar consegue ajudar em algumas burocracias da empresa de seu irmão, como ligar para clientes e preencher notas ficais, o que também lhe garante um salário.

Mas nenhuma das limitações tira o sonho do casal, que mora no extremo leste de São Paulo - ela no Itaim Paulista e ele em Guaianases - de morar junto futuramente.

"Eu tenho planos de sair da casa dos meus pais e me casar com alguém que me entendesse como o Osmar. Ele seria o candidato ideal", diz Mônica enquanto olha sorrindo para o namorado.