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A empresa de tecnologia onde todos os empregados têm autismo

Jane Wakefield - BBC

03/01/2019 15h13

Um pai californiano criou uma empresa onde seu filho pudesse trabalhar e agora emprega mais de 150 pessoas.

Peter, Evan e Brian trabalham numa pequena empresa de tecnologia que fica em Santa Monica, na Califórnia, testando softwares e consertando bugs tecnológicos.

À primeira vista, parece igual a qualquer outra empresa de Los Angeles, com obras de arte de bom gosto penduradas nas paredes brancas e difusores espalhados pelo ambiente.

Peter descreve o clima como "calmo, mas divertido", e diz gostar especialmente do fato de que não há pressão para socializar, enquanto Evan diz que os outros funcionários são "muito compreensivos". Brian descreve o escritório como "único".

A Auticon é uma das poucas empresas que só contratam funcionários que sejam autistas.

Antes, a companhia se chamava MindSpark, até ser comprada pela Auticon, uma empresa alemã. A firma original foi criada por Gray Benoist, que tem dois filhos autistas e achava que havia poucas oportunidades adequadas para eles no mercado de trabalho.

"Os dois são muito capazes e inteligentes e merecem uma oportunidade de mostrar isso", disse ele à BBC, em visita recente à empresa.

"Eu senti que havia um buraco e a única opção era eu preenchê-lo", diz Benoist.

Ele começou a empresa em 2013 e ela já tem mais 150 funcionários. Seu filho mais velho, que também se chama Gray, agora trabalha na equipe de finanças.

"Nossa missão é dar poder a um grupo de pessoas que não têm acesso aos mesmos direitos que nós. Há muitos segmentos da sociedade que são subaproveitados e autistas são um deles", diz Benoist.

Conforto e tranquilidade

Peter já havia trabalhado em outros escritórios, mas, para ele, eles não eram muito "normais". Ele compara essas experiências a um episódio da série Survivors, da BBC, que mostra a vida de um grupo de pessoas após uma epidemia de gripe erradicar boa parte da raça humana.

"Era tudo muito difícil de entender. Eu não conseguia fazer conexões sociais", disse ele à BBC.

Evan diz que, em outros empregos, ele "ficava sozinho comendo um sanduíche e ouvindo podcasts na hora do almoço".

O autismo afeta cerca de uma a cada 100 pessoas, segundo a Sociedade Nacional de Autismo do Reino Unido, mas menos de um quarto delas têm um emprego em tempo integral.

Muitos desistem porque a ansiedade, que muitas vezes é mais forte para autistas, torna uma entrevista de emprego uma experiência muito intimidante.

"As pessoas costumam contratar pessoas que são parecidas com elas, e os autistas não são como a maioria, eles são como eles próprios", diz Steve Silberman, autor do livro Neurotribes (Neurotribos, em tradução livre), um livro que conta a evolução do autismo.

"A lista de coisas que você não deve fazer numa entrevista é a definição de um autista, praticamente. 'Não olhe para os lados, olhe para o seu empregador nos olhos', todas essas coisas são muito difíceis para uma pessoa autista."

Brian queria muito usar suas habilidades de computação no trabalho, mas se sentia desestimulado a se candidatar a empregos no competitivo mundo da tecnologia.

"É muita pressão. Você tem de ficar competindo com outras pessoas", diz ele.

Aquilo era demais para ele, então, acabou tendo outros empregos menos importantes - trabalhou num mercado e lavando carros. Nenhum desses empregos usava bem seu talento e não o "levavam a lugar nenhum", como ele diz.

Algumas empresas acharam alternativas ao processo de entrevista tradicional. A empresa alemã de software SAP, que também emprega autistas, oferece a candidatos a oportunidade de criar robôs de Lego, em vez de fazer uma entrevista formal.

"Isso mostra a capacidade da pessoa de resolver problemas e o seu comprometimento", diz Silberman.

E a SAP obviamente acha que valeu a pena, apontando que não empregam autistas como uma forma de "caridade", mas sim porque "é bom para a empresa".

Além de terem mais ansiedade, autistas costumam ter dificuldade de interagir socialmente.

Por isso, na Auticon, se um funcionário quer usar fones de ouvido por causa do barulho, isso é permitido. Eles também podem trabalhar numa sala escura, se quiserem, não precisam gozar da hora do almoço e podem se comunicar com os colegas por mensagem de texto se não quiserem fazê-lo verbalmente.

Se eles ficarem muito incomodados, podem tirar "dias de folga por ansiedade".

"A sensibilidade com as questões dos nossos empregados é nossa prioridade", diz Benoist, "mas isso requer todo um processo por trás para que a empresa possa trabalhar com qualidade para os seus clientes, o que requer planejamento para os projetos e para como alocar recursos".

E quando se trata da temida avaliação profissional, tentam não ser muito críticos.

"O negócio é ter bons princípios de recursos humanos. É algo que outras empresas poderiam facilmente replicar", acrescentou.

Novo modelo

Silberman não está convencido de que escritórios com separações sejam uma boa ideia porque ele acha que tanto autistas quanto pessoas que tenham um funcionamento neurológico mais convencional podem aprender muito trabalhando juntas.

"Ao aprender a lidar com pessoas com pessoas diferentes, empregadores também aprendem a ajudar todas as outras pessoas", diz ele.

"Veja o Bill Gates, que certamente tem características autistas. Ele cresceu socialmente e se tornou um grande filantropo."

Há um treinamento de quatro semanas na Auticon que define quais candidatos são adequados ao trabalho em longo prazo.

Alguns não entram, especialmente aqueles que são pressionados pelos pais a se candidatar a um trabalho apesar de não terem nenhum interesse em dados, e é importante dizer que muitos autistas têm interesses diferentes disso.

Para os que ficam, a equipe parece ser muito solidária, mesmo se todos não saem para almoçar juntos.

Quando o novo escritório foi projetado, funcionários pediram que fosse aberto, sem cubículos fechados.

"É ótimo, relaxado, muito tolerante", diz Peter. "E todos são engraçados."

Brian e Evan agora vão aos almoços com os colegas, apesar de que Peter ainda acha difícil "se desapegar do trabalho".

Mas todos os três gostariam de trabalhar lá pelo resto da vida.

Essa é uma lição que outras empresas deveriam seguir, opina Silberman.

"Para muitos autistas, se eles acharem um lugar onde se sintam apoiados e sintam que suas habilidades podem prosperar, eles ficam muito dedicados e não saem. Isso é econômico para as empresas porque aí elas não precisam treinar novamente outras pessoas."

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