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Coronavírus: 'O que mais sinto falta é do abraço da minha mulher e dos meus filhos', diz médico italiano

Antonio Messina trabalha na UTI de um hospital em Milão - Antonio Messina
Antonio Messina trabalha na UTI de um hospital em Milão Imagem: Antonio Messina

Angelo Attanasio

Da BBC News Mundo

03/04/2020 07h48

Antonio Messina trabalha em uma UTI de um hospital em Milão, na Lombardia, a região mais afetada por covid-19 na Itália

"Em meus 10 anos de carreira como médico, já vi muitas coisas, mas nunca algo assim".

Quando atendeu meu telefonema, Antonio Messina havia acabado de terminar seu turno em unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital IRCCS Humanitas em Milão, no norte da Itália.

Hoje, foram 8 horas, amanhã serão 12 e só terá a próxima folga, que pretende aproveitar com sua mulher e seus dois filhos pequenos, daqui a duas semanas.

Essa é a rotina de muitos médicos italianos em meio à pandemia do coronavírus.

A Itália é atualmente o país com o maior número de mortos devido a covid-19 no mundo.

E Milão, a cidade onde Messina vive e trabalha, é a capital da Lombardia, a região mais afetada pela covid-19 no país.

Quando terminarmos de falar, o vírus já havia afetado 35 mil pessoas nesta região, quase metade de todos os casos no país, e matou mais de 5 mil.

Várias centenas de pacientes com covid-19 são hospitalizados onde Messina trabalha. Ele e seus 60 colegas cuidam de 35 doentes internados em terapia intensiva.

Confira a seguir trechos de sua entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Messina e colegas têm que trabalhar com traje especial - Antonio Messina - Antonio Messina
Messina e colegas têm que trabalhar com traje especial
Imagem: Antonio Messina

BBC News Mundo: Como está a situação agora?

Antonio Messina: Humanamente, é uma experiência extremamente difícil.

Nunca imaginaria, nem eu nem mais ninguém, viver algo como essa pandemia na minha vida profissional. Tanto pelo número de pessoas afetadas quanto pelas dificuldades envolvidas em trabalhar em um ambiente onde é essencial não ser infectado.

No entanto, tenho muito orgulho da nossa resposta como profissionais.

Todos estão dando o melhor de si e há um clima de profunda colaboração e empatia, tanto com os doentes como entre si.

BBC News Mundo: Houve momentos em que o Sr. se sentiu sobrecarregado?

Messina: No começo, a parte mais difícil era se ajustar ao trabalho por tantas horas dentro daqueles macacões protetores.

É muito difícil, física e mentalmente, e até a noção do tempo muda radicalmente.

Além disso, levamos cerca de 20 minutos para nos vestirmos. E, terminado o turno, levamos 30, 40 minutos ou até uma hora para deixar a UTI.

Porque tirar a roupa requer a ajuda de uma pessoa externa que não esteja contaminada, e esse processo só pode ser feito com uma pessoa de cada vez. Se há 10 de nós que acabamos de trabalhar, temos que esperar nossa vez de sair.

BBC News Mundo: Quais são as maiores dificuldades dentro da UTI?

Messina: Por exemplo, conversar com os doentes é complicado. Eles vêm com dificuldades respiratórias e colocamos uma máscara de oxigênio neles e ficamos falando por detrás de uma máscara com viseira.

E depois há o relacionamento com seus parentes. Ligamos para eles todos os dias, uma vez por dia, para explicar qual é a situação clínica.

Certa vez, pouco antes de entubarmos um paciente e sedá-lo, a última coisa que ele me disse foi: 'Doutor, conte à minha esposa'.

Naquele momento, eu me coloquei no lugar dele e penso na última coisa que ele diria para minha esposa ou meu filho.

Isso é muito difícil, mas é algo que sempre aconteceu conosco nesta profissão. O que a diferencia agora é o número de pacientes.

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BBC News Mundo: O Sr. já teve que comunicar a morte de alguns deles à família?

Messina: Claro! Mas, em nossa profissão, o relacionamento com a morte é algo cotidiano.

O que é muito difícil é comunicar por telefone a morte de uma pessoa a um membro da família que você provavelmente nunca viu pessoalmente.

BBC News Mundo: O Sr. já teve que segurar as lágrimas em algumas ocasiões?

Messina: Acho que não é correto segurar as lágrimas, mas tampouco chorar na frente de um paciente. Também quero chorar e, se for preciso, espero ficar sozinho ou fazê-lo em casa.

Sempre tentei não levar para casa os problemas do trabalho, mas, infelizmente, nos últimos tempos, tornou-se difícil, porque confinado, é em casa onde todas as tensões escoam.

BBC News Mundo: E quando foi a última vez que isso aconteceu?

Messina: Foi há alguns dias, porque estava exausto.

BBC News Mundo: Temos visto muito italianos nas últimas semanas saírem à sacada para aplaudir o trabalho dos profissionais de saúde. Isso lhe dá conforto?

Messina: Essa é uma das coisas mais bonitas de todo esse período! Um banner com o desenho de um arco-íris e a frase "Andrà tutto bene" foram pendurados na porta do nosso hospital (tudo ficará bem, em português).

Há também uma pizzaria nas proximidades que nos envia pizzas gratuitas e nas caixas de papelão eles escrevem uma mensagem de apoio.

Acho que a população está assustada e se apega à saúde pública como algo valioso. Isso é lindo, assim como eu acho lindo que todos que precisam dela sejam tratados e de graça.

BBC News Mundo: Houve alguma demonstração de afeto que lhe chamou atenção em particular?

Messina: Olha, a coisa mais linda é o que meu filho de 6 anos me transmite. Ele percebe que algo está mudando e tenta racionalizar o que está acontecendo. À sua maneira, ele me faz entender que estou fazendo algo importante. Isso para mim é o mais bonito!

Também tenho o apoio da minha família e dos meus amigos. Estávamos a ponto de mudar de casa e a pessoa que se mudaria para nosso imóvel me disse: 'Sei o que você está fazendo, leve o tempo que precisar'.

BBC News Mundo: Até o momento, mais de 60 médicos morreram na Itália. Mais de 6,2 mil profissionais de saúde foram infectados, 7,5% de todos os casos. O Sr. não tem medo?

Messina: Não, não tenho medo. Estou no lugar certo, na hora certa. Se profissionais como eu não estiverem ali, quem mais poderia estar?

Mas é verdade que existe a possibilidade de que seja infectado. E o que me assusta são precisamente as possíveis repercussões disso no meu ambiente familiar. Meus pais têm mais de 60 anos e estão trancados dentro de casa.

O que realmente me assusta é o retorno à normalidade. Não sei quanto tempo levará para que possamos nos abraçar, apertar as mãos ou olhar de perto como fazíamos antes.

Acho que por um tempo o medo de nos infectarmos permanecerá.

BBC News Mundo: É disso que o Sr. mais sente falta agora, de um abraço?

Messina: Não posso abraçar minha mulher ou meus filhos. Sei que outros médicos decidiram viver isolados de suas famílias, mas as chances deles serem infectados por mim ou de algo sério acontecer com eles são muito baixas.

BBC News Mundo: Alguns dias atrás, o Sr. publicou uma carta em seu perfil do Facebook que dizia: 'Vovó, eu te amo muito, mas se você tivesse coronavírus, não a colocaria na UTI, e espero que nenhum outro médico faça isso'. O que o Sr. quis dizer com isso?

Messina: Minha avó tem 86 anos, é lúcida, tem boa saúde, mas é muito provável que ela não saia viva de uma UTI.

Não pense se tratar de algo incomum. Escolhemos diariamente e em grupo qual tratamento aplicar de acordo com as condições dos pacientes e sua expectativa de vida. É o que chamamos de proporcionalidade de tratamentos. Em outras palavras, muitas coisas podem ser feitas na medicina e as máquinas podem ser usadas em muitas áreas.

Mas há um momento em que o que estamos fazendo não garante mais a sobrevivência do paciente e no qual a aplicação da técnica prevalece sobre as expectativas de cura.

Além disso, a vontade do paciente deve ser levada em consideração, e tenho certeza de que minha avó também não gostaria de ser colocada em uma UTI.

BBC News Mundo: Qual é a primeira coisa que o Sr. fará quando a pandemia terminar?

Messina: Honestamente, uma das coisas de que mais sinto falta agora é a normalidade: poder sentar com meus amigos ao redor de uma mesa, tomar um copo de vinho e comer algo delicioso juntos.

Terminada a entrevista, nos despedimos. Horas depois, Messina me envia uma mensagem do WhatsApp.

"Non molliamo e ne usciremo. Dobbiamo" ("Não desistiremos e sairemos disso. Temos que fazer isso", em português).