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Médica fala em 'geração de sequelados'

Lígia Formenti

Em Recife

07/12/2015 10h49

A chefe do serviço de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Angela Rocha, não pensa duas vezes ao dizer: a epidemia de nascimentos de bebês com microcefalia que o Nordeste enfrenta é um problema de dimensões ainda maiores do que o registrado com a talidomida. "Estamos assistindo ao surgimento de uma geração de sequelados. O impacto será gigantesco", diz.

A talidomida é um medicamento desenvolvido na década de 1950 que por anos foi usado por gestantes para combater enjoos. A droga, no entanto, interrompia o crescimento de membros dos fetos. Como consequência, cerca de 10 mil bebês tiveram má-formação.

Angela avalia que a epidemia de microcefalia vai exigir uma série de adaptações nos serviços. Ela não tem dúvida de que o número de neuropediatras terá de ser ampliado e vagas nos serviços de especialidade - já tão difíceis de serem obtidas - terão de ser garantidas.

No Oswaldo Cruz, por exemplo, mais especialistas deverão ser recrutados. "Não é uma tarefa fácil ou rápida", ressalta Angela. E reconhece que nos primeiros dias até ela ficou muito abalada emocionalmente com a situação dos bebês. "Todos nós do serviço ficamos tocados." A maior angústia é não ter a resposta para várias das questões levantadas pelas famílias.

Crianças com microcefalia apresentam um perímetro cefálico menor que 32 centímetros - conforme protocolo internacional que passou a ser seguido pelo país. O cérebro desses bebês também apresenta tamanho reduzido. A má-formação pode ser provocada por problemas genéticos, exposição da gestante a drogas ou por transmissão vertical de vírus como herpes, HIV, citomegalovirus.

Nas síndromes que têm como causa doenças infecciosas, bebês apresentam calcificações no cérebro. "Nessas áreas, o cérebro não se expande, obrigando outras áreas a tentarem se desenvolver", diz Angela. Essas alterações fazem com que sejam altos os riscos das crianças apresentarem convulsões. Os bebês também têm maior risco de apresentar problemas na visão, auditivos e locomotores.

Isso significa que esses pacientes precisam ser acompanhados por oftalmologistas, otorrinos e fisioterapeutas. Além de serviços públicos terem de se adaptar e algumas regras precisam ser estabelecidas para garantir que pais e cuidadores não tenham uma queda muito significativa nos rendimentos. Isso porque a rotina de tratamento desses bebês é intensa. Na primeira fase, quando ainda não completaram 3 meses, o ideal é que façam exercícios de terapia ocupacional, mais tarde fisioterapia e neurologia.

Pais terão de levá-los às consultas muita vezes durante o horário de trabalho. "O impacto será emocional, econômico e social", disse Angela.Já o pesquisador Rivaldo Cunha, da Fiocruz, afirma que o País está diante de uma tragédia sanitária atualmente: a circulação simultânea de três vírus transmitidos pelo Aedes aegypti (considerando dengue e chikungunya).

Alerta

Há três semanas, diante do problema, o Ministério da Saúde decretou emergência sanitária de caráter nacional. Nesta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta para que todos os países aprimorem seu sistema de vigilância para acompanhar a evolução do vírus zika, relacionado especificamente ao aumento de casos da doença. (As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)