"Ninguém nunca se interessou por zika", diz chefe de biblioteca viral no Texas
Bulevar da Universidade, 301, Galveston, Texas, é onde vive o primeiro vírus zika coletado por cientistas, em 1947. Da floresta de Uganda que deu origem a seu nome até o endereço atual, ele passou 27 anos em Nova York e outros 21 na Universidade Yale, em Connecticut. Na maior parte da existência in vitro, era visto como um organismo exótico, desprovido de interesse científico. Tudo mudou.
O potencial vínculo entre a infecção e a má-formação de embriões no Brasil desencadeou uma febre global de pesquisas na academia e na indústria farmacêutica. "Misterioso" e "obscuro" são adjetivos comuns usados por especialistas para se referir ao vírus. O primeiro exemplar integra uma coleção de 7 mil cepas de mais de 600 diferentes vírus mantida pela Faculdade de Medicina da Universidade do Texas (UTMB, na sigla em inglês). A "biblioteca viral" é uma das maiores, mais antigas e diversificadas do mundo. Hoje a coleção da UTMB tem 12 diferentes tipos do vírus suspeito de provocar microcefalia e a síndrome de Guillain-Barré.
Ninguém nunca se interessou por zika. Por isso, ninguém tinha o vírus. Agora, todo mundo quer.
Robert Tesh, que comanda o Centro Mundial de Referência para Vírus Emergentes da UTMB
Antes dos casos de má-formação no Brasil, a UTMB quase não recebia pedidos de cepas de zika. Agora, há uma média de 25 solicitações por semana, observou Tesh. Além de dar matéria-prima a estudos de vacinas e medicamentos, a "biblioteca viral" permite que cepas de zika sejam comparadas, para definição de semelhanças e diferenças, disse o brasileiro Marcio Nunes, que é chefe do Laboratório de Genômica do Instituto Evandro Chagas e pesquisador-visitante no Texas.
Desafios
No dia 11, a universidade fechou contrato com o Ministério da Saúde do Brasil para o desenvolvimento de uma vacina contra o zika. No próximo mês, uma dupla de pesquisadores brasileiros chegará a Galveston para participar do projeto. A princípio, seu prazo de permanência no Texas será de dois anos, o que revela a complexidade da tarefa à frente.
O desafio mais imediato é encontrar um animal no qual o zika atue da maneira mais próxima possível à observada em humanos. "Ainda não temos isso", afirmou Tesh. Além de auxiliar no desenvolvimento da vacina, o "modelo animal" permitirá que os cientistas respondam a outras perguntas, entre as quais o impacto de infecções anteriores por dengue sobre o zika e o desenvolvimento de microcefalia, disse Scott Weaver, diretor do Instituto de Infecções Humanas e Imunidade da UTMB.
"Nós sabemos muito pouco. Há muitas lacunas em nossa habilidade de prever riscos e entender a ciência básica do vírus", observou Weaver, um dos primeiros cientistas a escrever sobre a possibilidade de uma epidemia de zika, na década passada. Inicialmente, o organismo intrigou o cientista pelo fato de não ter trilhado o mesmo caminho de outros vírus semelhantes, como dengue e chikungunya, que saíram de florestas africanas e se espalharam em áreas urbanas. Nos primeiros 60 anos depois de sua descoberta, o zika infectou apenas 14 pessoas em todo o mundo.
O cenário mudou em 2007, quando um surto atingiu a maior parte dos 11,2 mil habitantes da ilha de Yap, no Pacífico. Hoje, Weaver e Tesh estão entre dezenas de cientistas da UTMB que estudam o surto. "O melhor que podemos fazer no momento é extrapolar o conhecimento que temos de outros flavivírus e testar alguns dos modelos usados para dengue, febre do oeste do Nilo, encefalite japonesa e febre amarela. É onde estamos começando."
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