Topo

Distúrbios do sono em crianças podem levar a diagnóstico incorreto de déficit de atenção

Problemas nas adenoides e nas amígdalas podem fazer a criança dormir mal e, por consequência, ter sintomas característicos do déficit de atenção - Thinkstock
Problemas nas adenoides e nas amígdalas podem fazer a criança dormir mal e, por consequência, ter sintomas característicos do déficit de atenção Imagem: Thinkstock

Kate Murphy

Do The New York Times

30/04/2012 07h00

Os diagnósticos de Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade (TDAH) em crianças aumentaram muito nos últimos anos, subindo 22% entre 2003 e 2007, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Contudo, muitos especialistas acreditam que a doença pode não ser a epidemia que parece.

Os pesquisadores afirmam que muitas crianças recebem o diagnóstico de TDAH quando, na verdade, possuem outro problema: distúrbios do sono, como a apneia do sono. A confusão pode explicar o número expressivo de casos de crianças com TDAH, e os medicamentos usados no tratamento podem estar apenas agravando o problema.

"Ninguém está afirmando que a TDAH não existe, mas existe agora o claro reconhecimento de que precisamos primeiro descartar os distúrbios do sono", afirmou Merrill Wise, neurologista pediátrico e especialista em medicina do sono do Centro de Distúrbios do Sono do Serviço Médico Metodista, em Memphis.

Os sintomas da falta de sono nas crianças são semelhantes aos do TDAH. Enquanto a pessoa adulta sente sonolência e cansaço com a falta de sono, a criança geralmente fica inquieta, mal-humorada e desobediente. Ela pode ter dificuldades para se concentrar, permanecer sentada e se relacionar com os colegas.

O mais recente estudo sugerindo uma relação entre sono inadequado e sintomas de TDAH foi publicado no mês passado, no periódico Pediatrics. Os pesquisadores acompanharam 11 mil crianças britânicas durante 6 anos, iniciando quando elas tinham seis meses de idade. As crianças que tiveram o sono afetado por problemas respiratórios, como ronco, respiração bucal e apneia, estavam entre 40 e 100% mais propensas a desenvolver problemas de comportamento semelhantes aos do TDAH do que aquelas com respiração normal.

As crianças que corriam risco maior de desenvolver comportamentos como os do TDAH tinham distúrbios de respiração durante o sono que perduraram durante o estudo, mas foram mais graves aos dois anos e meio de idade.

"A falta de sono é prejudicial ao corpo e à mente em desenvolvimento da criança, e pode exercer um grande impacto", afirma Karen Bonuck, principal autora do estudo e professora de medicina social e da família da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York. "É inacreditável que não examinemos a presença de distúrbios do sono da mesma forma que fazemos com a visão e os problemas auditivos."

Adenoides e amígdalas

A pesquisa de Bonuck tem como base estudos anteriores de menor proporção, os quais demonstram que, após retirar adenoides e amígdalas, as crianças que tinham problemas de respiração durante a noite obtiveram resultados melhores em atividades de atenção direta e tiveram menos problemas comportamentais. Elas estavam menos propensas a receber o diagnóstico de TDAH nos meses e anos subsequentes do que as crianças que não foram tratadas das desordens de respiração durante o sono.

Talvez o mais importante seja que, em muitos casos, o comportamento da criança diagnosticada como portadora de TDAH antes da operação melhorou tanto que deixou de se ajustar aos padrões característicos da doença. Os Institutos Nacionais da Saúde iniciaram um estudo denominado Childhood Adenotonsillectomy Study a fim de entender as consequências da remoção de adenoides e amígdalas para a saúde e o comportamento de 400 crianças. Os resultados são aguardados para este ano.

"Estamos nos aproximando cada vez mais da afirmação de causa e efeito" entre problemas de respiração durante a noite e sintomas de TDAH em crianças, afirmou Ronald Chervin, neurologista e diretor do Centro de Distúrbios do Sono da Universidade de Michigan, em Ann Arbor.

Na opinião de Chervin, os problemas comportamentais associados a problemas respiratórios noturnos são muito provavelmente consequência de sono inadequado e não da possível falta de oxigênio. "Observamos os mesmos tipos de sintomas comportamentais em crianças com outros tipos de distúrbios do sono", afirmou o médico.

De fato, especialistas observam que as crianças que perdem apenas meia hora por noite de sono necessário – quer devido a um distúrbio do sono ou por ficarem acordadas até tarde enviando mensagens pelo celular ou jogando videogames – podem exibir esses comportamentos característicos da TDAH.

O diagnóstico equivocado não é apenas estigmatizante, mas o tratamento de TDAH pode agravar o problema real que é a falta de sono. Os medicamentos utilizados para tratar o TDAH, como Ritalina, Adderall ou Concerta, podem causar insônia.

"Isso pode se tornar um ciclo vicioso e acumulativo", afirmou David Gozal, presidente do departamento de pediatria da escola de medicina Pritzker da Universidade de Chicago, cuja prática clínica é focada em crianças com distúrbios do sono.

Diagnóstico difícil

É difícil identificar a falta de sono em crianças. Dos 10 mil membros da Academia Americana de Medicina do Sono, apenas 500 possuem especialização em distúrbios do sono em crianças. Além disso, os pediatras talvez nem saibam para que especialista encaminhar o paciente, porque eles geralmente dependem da iniciativa dos pais de falar sobre os problemas para dormir dos filhos durante a consulta.

Contudo, muitas vezes os próprios pais estão desinformados em relação a hábitos de sono saudáveis. Um estudo realizado no ano passado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, em Harrisburg, e publicado no periódico The Journal of Sleep Research mostrou que, dos 170 pais participantes, menos de 10% foram capazes de responder corretamente a perguntas básicas, como a quantidade de horas de sono que uma criança necessita.

"Os pais não sabiam o que caracteriza um sono normal", afirmou Kimberly Anne Schreck, psicóloga e analista comportamental da universidade, e principal autora do estudo. "Muitos achavam gracioso o ronco da criança e que isso significava que ela estava dormindo profunda e tranquilamente."