Análises trazem resultados contraditórios sobre nutrientes dos alimentos orgânicos
Uma equipe de cientistas trabalhou arduamente na análise de pesquisas realizadas durante décadas que comparavam frutas, legumes e hortaliças orgânicos com os cultivados de forma habitual. Eles descobriram que, como muitos suspeitavam, os produtos orgânicos – cultivados sem o uso de fertilizantes e pesticidas artificiais – são mais nutritivos e, em média, mais ricos em vitamina C, além de possuírem uma quantidade maior de moléculas de defesa da planta que, nos seres humanos, ajudam a proteger contra o câncer e as doenças cardíacas.
Provavelmente não foi desse estudo que você ouviu falar.
As descobertas dos cientistas da Universidade de Newcastle, publicadas em abril de 2011, não foram divulgadas nos meios de comunicação, nem aumentaram a conscientização da população.
No mês passado, porém, um grande debate teve início depois que uma equipe da Universidade de Stanford chegou a conclusão contrária ao realizar estudo semelhante em que muitos dos trabalhos analisados eram os mesmos usados pela equipe de Newcastle. Os pesquisadores de Stanford afirmaram em seu artigo, publicado no periódico Annals of Internal Medicine, que carne e produtos agrícolas orgânicos não são mais nutritivos que alimentos produzidos da maneira convencional.
Teve início o debate entre os que observaram no estudo de Stanford a confirmação de suas crenças de que a produção de alimentos orgânicos é uma prática dispendiosa e desnecessária e os que afirmaram que o relatório ignorou as razões principais pelas quais eles compram, e pagam mais caro, por esses produtos: para ficarem livres de pesticidas, protegerem a saúde dos trabalhadores rurais e em consideração ao meio ambiente.
Metodologia
Então por que a divergência? Parte do problema está na metodologia. Os pesquisadores das equipes de Stanford e Newcastle não realizaram um novo estudo de campo ou laboratorial, mas sim meta-análises e compilações de estatísticas de trabalhos anteriores, realizados por outros cientistas. Por exemplo, foi uma meta-análise que revelou a eficácia da aspirina na prevenção da reincidência de ataques cardíacos.
Esse tipo de análise procura por informações consistentes em estudos com propósitos e qualidade muito diferentes e cujas descobertas são geralmente contraditórias, especialmente nas áreas de nutrição e medicina. A forma como os dados de estudos diversos são divididos e combinados na meta-análise pode produzir conclusões muito diferentes. Na pesquisa de alimentos orgânicos, alguns estudos relatam diversas medições, enquanto que outros, apenas algumas. Alguns incluem diversas colheitas, cultivadas ao longo de vários anos, enquanto que outros analisam apenas poucas amostras.
Ao gerar uma meta-análise desse tipo "o cientista não pode simplesmente obter a média de todos os dados", afirmou Kirsten Brandt, cientista que liderou o estudo de Newcastle.
Portanto, a cientista decidiu, por exemplo, que, caso o artigo relatasse resultados de colheitas cultivadas em anos diferentes, cada ano deveria ser observado como um item de informação específico, porque as condições climáticas variam muito de um ano para outro. Em vez disso, a equipe da Stanford obteve a média dos itens de informações de diversos anos.
A abordagem da equipe da Stanford foi, em geral, semelhante à utilizada nos estudos que analisam medicamentos humanos, na qual os efeitos de um medicamento devem ser consistentes e variações indicam que o estudo talvez não tenha sido bem realizado. As variações são esperadas nos estudos agrícolas, afirmou, devido a diferenças entre espécies de plantas, clima e solo, entre outras condições.
"Essa é um diferença real", afirmou, e não o sinal de que o experimento é de má qualidade.
Ingram Olkin, professor emérito de estatística da Universidade Stanford que fez parte da equipe de pesquisa, defendeu a sua abordagem, mas acrescentou que a equipe de Newcastle talvez também tenha tomado decisões razoáveis.
"Nesse caso, não existe uma única forma de trabalho", afirmou. "Não á fácil realizar uma meta-análise."
Craig Osenberg, professor de ecologia da Universidade da Flórida, que não participou de nenhum dos estudos, afirmou que não há um método definitivo.
"Eu consigo observar as duas abordagens como justificáveis em contextos diferentes", afirmou, "e, pessoalmente, não sei qual decisão tomaria se tivesse me deparado com uma delas".
Os estudos de Stanford e Newcastle chegam a mesma conclusão em diversos pontos. Os dois estudos não encontraram grandes diferenças entre produtos agrícolas orgânicos e convencionais em relação à maioria das vitaminas e minerais. O estudo de Newcastle descobriu que, nos produtos orgânicos, a quantidade de vitamina C aumentava 9 por cento – dado que não foi descoberto pelo estudo de Stanford.
Os dois trabalhos também descobriram que os produtos agrícolas orgânicos continham mais compostos conhecidos como fenóis, os quais se acredita ajudem na prevenção do câncer e de outras doenças. Contudo, o estudo da equipe de Stanford questionou se esse acréscimo era real, uma vez que a magnitude do aumento variava muito entre os estudos.
Contudo, alguns biólogos especialistas em plantas suspeitam há bastante tempo que as plantas cultivadas de forma orgânica são mais saudáveis e produzem frutas e legumes mais saudáveis.
Questão econômica
"É provável que a causa de grande parte da diferença dos níveis de nutrientes entre alimentos orgânicos e convencionais esteja na busca, por parte dos fazendeiros, de rendimentos cada vez maiores", afirmou Charles M. Benbrook, pesquisador da Universidade do Estado de Washington e antigo cientista chefe do Organic Center, organização sem fins lucrativos que estuda a agricultura biológica.
"A outra parte está no maior ataque de pragas em áreas de agricultura orgânica, o que desencadeia o mecanismo de defesa das plantas", afirmou, "o que, por sua vez, aumenta os compostos secundários de proteção, que também são nutrientes para os seres humanos".
Os pesquisadores da Stanford fizeram quatro correções em seu artigo desde a publicação.
Três foram corriqueiras: um erro de ortografia, a transposição de dois dígitos e a transposição de duas palavras. Nenhuma delas modifica cálculos ou conclusões.
Contudo, a quarta correção também se parece com um erro de digitação corriqueiro, mas pode refletir questões mais profundas. Em uma tabela que comparava a quantidade de nutrientes presentes em frutas e legumes, os dados sobre "total de flavonóis" eram, na verdade, sobre "flavonoides". Os flavanóis são uma classe de compostos que as plantas produzem para a autodefesa. Os flavanóis são encontrados, por exemplo, no cacau e no chá verde, e acredita-se que ajudem a prevenir contra o câncer e doenças cardíacas, além de outras doenças que atacam os seres humanos. Flavonóis são uma subclasse dos flavonoides.
A meta-análise da equipe de Stanford não descobriu diferenças entre produtos agrícolas orgânicos e convencionais em relação ao total de flavonoides. A conclusão foi baseada em cinco artigos que mencionavam "flavonoides", "flavonóis" ou "flavanóis". Contudo, de acordo com o cálculo de Brandt, o estudo omitiu outros artigos que estavam entre os 237 usados pela equipe da universidade e que mediam flavonoides específicos.
"Suponho que eles encontrariam um efeito significativo se tivessem realizado a análise corretamente", afirmou.
Crystal Smith-Spangler, principal autora do estudo da Stanford, afirmou que o equívoco em relação ao flavonoide foi o resultado de um erro de comunicação. "Isso não muda efetivamente nenhuma de nossas descobertas", afirmou.
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