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Fracionar o sono aumenta a produtividade, mas coloca a saúde em risco

Adeptos do sono polifásico fazem três cochilos durante o dia e dormem no máximo três horas por noite - Thinkstock
Adeptos do sono polifásico fazem três cochilos durante o dia e dormem no máximo três horas por noite Imagem: Thinkstock

Cármen Guaresemin

Do UOL, em São Paulo

15/05/2013 07h00Atualizada em 15/05/2013 15h03

Dormir oito horas por dia é o sonho de muita gente. Porém, existem aqueles que preferem passar menos horas dormindo e usar seu tempo livre para trabalhar e criar. Estes são os adeptos do sono polifásico, termo utilizado para definir um padrão de sono diferente, no qual o período de descanso é fracionado e reduzido. A estratégia, usada por Amyr Klink em suas viagens, por uma questão de sobrevivência, vem sendo adotada para aumentar a produtividade - o que pode ser bem arriscado para a saúde.

A maioria dos praticantes opta pelo estilo Everyman -  dormem por três horas e, durante o restante do dia, fazem três cochilos de vinte a trinta minutos. Essa soma resulta em aproximadamente quatro horas a menos que as tradicionais oito, dos monofásicos. As demais opções do sono polifásico são Dymaxion (quatro cochilos de 20 a 30 minutos por dia), Uberman (seis cochilos de 20 a 30 minutos por dia) e Chase (duas horas de sono três vezes ao dia).

Um dos entusiastas do sono polifásico é o programador Gustavo de Sousa Lima, de 29 anos, que vive no Rio de Janeiro.  Ele conta que descobriu este novo padrão de sono há pouco mais de um ano enquanto pesquisava sobre como conseguir mais tempo livre. “Quando era pequeno, me lembro de ouvir na sala de aula algum professor falar de Michelangelo, Leonardo da Vinci, que eles não dormiam como as outras pessoas. Isso sempre me interessou”, diz.

AMYR KLINK PRATICA, MAS NÃO INDICA

  • O navegador Amyr Klink é sempre lembrado quando se fala em sono polifásico, mas ele próprio não conhecia a denominação: "Para alguém que pode dormir normalmente, eu não indicaria esta modalidade de sono. Apesar de achar interessante, tenho certeza que não deve ser bom para a saúde"

O programador conta que é necessário se ajustar a uma rotina de cochilos para conseguir êxito. Ele segue o modelo Everyman, que considera o mais fácil. E frisa que é importante não ultrapassar 20 ou 30 minutos de sono, nem pular um dos cochilos e aumentar o próximo, pois isso quebra o ciclo.

“No primeiro dia, você não consegue, no segundo melhora, porque está cansado. O corpo busca modos de sobrevivência, seja pela alimentação, por exercícios, condicionamento e adequação. Creio que sejam necessárias duas semanas para a adaptação total”, conta ele, que criou uma página para calcular o sono polifásico.
 

Saúde em risco

A prática, no entanto, é condenada por médicos: “Pessoas que trabalham em turnos têm seu sono fragmentado artificialmente e dormir em períodos diferentes não é bom para a saúde, isso porque a liberação de determinados hormônios e a regulação do metabolismo dependem do ciclo circadiano”, explica Eduardo Genaro Mutarelli, Professor Doutor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP e Supervisor do Ambulatório de Somatização do IPQ do hospital das Clínicas de São Paulo.

Para ele, o sono polifásico não é algo natural ou fisiológico e, sendo assim, prejudicaria a saúde da pessoa submetida a estas circunstâncias, levando a uma situação de estresse.

A neurologista Anna Karla Smith, do Instituto do Sono de São Paulo, concorda: “Este padrão é desorganizado. Não há uma linha de pesquisa que comprove que faz mal à saúde, mas o indivíduo que segue este padrão está caminhando contra a fisiologia. Isso pode gerar problemas hormonais, doenças cardiovasculares e metabólicas. Ele está correndo na direção contrária à natural”.

Lima, no entanto, está há quase um ano dormindo desta forma e diz que não teve problemas de saúde neste período. Pelo contrário, sente-se revigorado: “Sinto-me bem disposto e aproveito uma parte das horas que ganhei para fazer exercícios”.

Ele lembra que ficar mais tempo acordado pode engordar, pois é comum sentir mais fome.  “O que você vai fazer neste período que ganhou é importante. O perigo é comer mais, daí acaba engordando mesmo".
 
Muitos também rebatem as críticas dizendo que, no começo da civilização, o homem dormia menos horas. A médica esclarece: “Sim, as pessoas falam isso, mas não sabemos como era a atmosfera naquele tempo, nem se o dia durava o mesmo que hoje e quantas horas de luz fazia. Hoje, os estímulos são maiores”.

Veja os tipos de sono: monofásico, bifásico e polifásico

  • São quatro os tipos de sono polifásico mais conhecidos (Everyman, Dymaxion, Uberman e Chase), sendo que a principal diferença entre eles é a divisão das horas dormidas, conforme demonstra o quadro acima

 
Vida profissional


Porém, não há como negar que o sono polifásico atrapalha principalmente a vida social e profissional. “Não sou casado e trabalho em casa. O segredo de quem mora com alguém é não atrapalhar o outro. Já em relação ao trabalho é complicado porque você precisa ter três cochilos diários”, diz o programador.

Ele aconselha a quem trabalha fora dormir pouco antes de ir para o trabalho; na hora do almoço conseguir um lugar calmo e, se for possível, quando estiver voltando para casa, cochilar no transporte público, seja ônibus, metrô ou trem.

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Outros críticos do sono polifásico dizem o sono de oito horas inclui várias fases REM (Rapid Eye Movement) - é neste período que sonhamos, algo essencial para o ser humano. Quem pratica o sono polifásico não teria essa vantagem.

Lima concorda que o REM não pode ser longo e que ele geralmente se lembra dos sonhos. “Como os cochilos demoram em média 20 minutos, quando acordo, é comum me lembrar, porque estava no meio deles”.

Ele confessa que, no início, acordar sozinho é praticamente impossível. Sua dica é deixar o despertador bem longe de onde estiver deitado ou escondido. “Porque mesmo que a gente não se lembre como, é comum desligá-lo e continuar a dormir. Tem de ter muita vontade, porque é um período cruel. Muita gente acaba desistindo no terceiro ou quinto dia”.

Quando é necessário

A neurologista lembra que há casos em que as pessoas precisam preparar seu corpo para se adaptar ao sono polifásico, caso de astronautas, militares e velejadores. “Imagino que o Amir Klink se prepare antes de sair em suas expedições marítimas. Neste caso, há a necessidade de se ficar alerta, pela sobrevivência mesmo, mas é preciso ter um acompanhamento antes”.

Os defensores do sono polifásico sempre citam nomes como Michelangelo, Da Vinci, Nikola Tesla, Thomas Edison como sendo praticantes. Smith lembra que nem sempre trocar o dia pela noite seja praticar o sono polifásico.

“Pessoas muito criativas, com um cérebro mais ativado, tendem a dormir menos à noite, fazendo uma compensação diurna. Para ter certeza que que alguém que faça isso seja polifásico, seria preciso usar um actígrafo, aparelho que detecta os movimentos da pessoa enquanto ela dorme”, admite a médica.

No entanto, por mais vantajoso que o sono polifásico possa parecer, Lima assume que não irá fazer isso para sempre.  “Existem muitos programadores como eu adeptos, mas é comum quem vai prestar vestibular ou concurso fazer isso para ter mais tempo para estudar. Depois, pode-se voltar ao sono monofásico, o que é muito mais fácil que entrar no polifásico”.

A neurologista alerta: “Não se torne adepto do sono polifásico por hobby. Se tiver necessidade, tenha uma supervisão médica. Ou isso irá virar seu corpo pelo avesso!”.