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Câncer como o de Michael Douglas é difícil de ser diagnosticado

O ator Michael Douglas (foto) fez para o câncer de garganta o que Rock Hudson fez pela Aids e Angelina Jolie pela mastectomia profilática - Mark Thompson/Getty Images
O ator Michael Douglas (foto) fez para o câncer de garganta o que Rock Hudson fez pela Aids e Angelina Jolie pela mastectomia profilática Imagem: Mark Thompson/Getty Images

Donald G. Mcneil Jr. e Anahad O'connor

The New York Times

13/06/2013 19h53

O ator Michael Douglas fez para o câncer de garganta o que Rock Hudson fez pela Aids e Angelina Jolie pela mastectomia profilática. Ao afirmar na semana passada que seu câncer foi causado por um vírus transmitido durante o sexo oral, Douglas colocou a doença nas capas dos jornais e levou milhões de americanos a se preocuparem com isso pela primeira vez.

Nesse caso, trata-se de um subgrupo de americanos que normalmente tem mais medo de morrer em consequência do excesso de colesterol, do que de uma DST. A vítima típica é um homem de meia idade, classe média, casado, branco e heterossexual, que teve em média seis parceiras de sexo oral ao longo da vida.

O vírus do papiloma humano tipo 16, o HPV, também pode causar o câncer cervical. Sendo assim, existe algum tipo de exame oral inicial que um homem possa fazer – algo como um Papanicolau, que praticamente eliminou o câncer cervical como causa de morte no país?

De acordo com oncologistas e uma pesquisa de opinião recentemente publicada pela Força-Tarefa dos Serviços de Prevenção dos Estados Unidos, a resposta é não. E a razão é surpreendente.

O Papanicolau, criado em 1928 por George N. Papanicolau – consiste na raspagem de algumas células cervicais que, em seguida, são analisadas sob o microscópio em busca de mudanças pré-cancerosas. Células pré-cancerosas possuem uma “aura” ao redor de seu núcleo, ao passo que as células cancerosas têm núcleos maiores e mais coloridos, afirmou Paul D. Blumenthal, professor de ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford.

Teoricamente, deveria ser igualmente fácil raspar e examinar células da garganta. Todavia, oncologistas afirmam que isso seria inútil.

Praticamente todos os tipos de câncer de boca, língua, gengiva, palato duro ou qualquer outro lugar antes da úvula (a “campainha” pendurada no palato mole) são causados pelo consumo de álcool e tabaco.

O tipo de infecção crônica causada pelo HPV 16, que pode levar ao câncer bucal, ocorre muito mais embaixo, perto da base da língua. Para dificultar ainda mais, a infecção ocorre "no fundo das criptas das amígdalas", afirmou Eric J. Moore, cirurgião da Clínica Mayo especializado nesse tipo de câncer.

As amígdalas são uma expansão do tecido linfoide, que inclui muito mais do que aqueles calombinhos que são removidos em amigdalectomias, e possuem pregas e fendas profundas.

"Estendidos, eles medem cerca de 60x60 cm", afirmou Marshall R. Posner, diretor médico de otorrinolaringologia no Centro Médico Mount Sinai. "Não dá para raspá-los. É simplesmente impossível". Por outro lado, a área da cerviz que é raspada durante o exame de Papanicolau tem apenas cerca de 5 centímetros quadrados e pode ser facilmente alcançada por um espéculo. Todavia, é impossível ver o tecido tonsilar profundo sem um endoscópio nasal. Um exame nessa área poderia causar cócegas e provocar ânsias de vômito tão fortes que os pacientes precisariam ser anestesiados.

HPV 

Um exame de saliva pode detectar uma infecção oral por HPV. Porém, esse dado torna-se inútil, uma vez que 85% da população contraiu pelo menos um dos 100 diferentes vírus do papiloma humano em circulação. A maioria das infecções é curada pelo sistema imunológico em um ou dois anos. Dentre os infectados pelo HPV 16, menos de 1% desenvolve câncer de garganta.

"Se eu disser a um paciente que ele tem HPV na boca, isso não o ajudará, pois eu não terei nada para oferecer e ele terá que viver com a ansiedade e o medo de contrair câncer", afirmou Robert I. Haddad, chefe do setor de otorrinolaringologia do Instituto do Câncer Dana-Farber, em Boston. "Mas se eu disser a uma mulher que seu exame de Papanicolau veio alterado, há algo que ela pode fazer a esse respeito."

Uma pessoa com HPV 16 crônico pode aumentar o risco de desenvolver câncer de garganta com o passar dos anos – mas ainda assim não se sabe ao certo o que fazer. Examinar todo o tecido tonsilar com o paciente anestesiado em busca de algo preocupante para se realizar uma biópsia seria caro, difícil e poderia causar um sangramento próximo à entrada do pulmão.

Mesmo quando os cientistas encontram grandes nódulos linfáticos cancerosos, o tumor primário que o causou frequentemente não passa de uma pontinha com apenas 1,5 milímetro, escondida em meio ao tecido sadio, afirmou Moore.

Embora o câncer de garganta causado pelo HPV esteja aumentando, ele é relativamente raro. Cerca de 25.000 casos por ano são diagnosticados nos Estados Unidos, comparados a 226.000 casos de câncer de pulmão. Contudo, sua importância à medida que diminuem os casos de câncer bucal ligados ao fumo.

O sexo oral se tornou mais comum desde a revolução sexual dos anos 1960, mas não tanto assim. De acordo com Debby Herbenick, diretora do Centro de Promoção de Saúde Sexual na Universidade de Indiana, o número médio de parceiras de sexo oral relatado por homens americanos com idade entre 35 e 54 anos é de seis. Homens com idades entre 55 e 64 anos relatam cinco parceiras, e homens com idades entre 25 e 34 anos relatam quatro, ao passo que homens com mais de 65 e menos de 25 anos relatam apenas três.

Todavia, essas "mudanças relativamente modestas" nos hábitos sexuais não explicam por que o risco dobrou ou triplicou ao longo dos anos, afirmou Gypsyamber D'Souza, especialista em câncer viral da Faculdade de Saúde Pública Bloomberg do Hospital Johns Hopkins. O risco aumentou principalmente no grupo de homens brancos com mais de 45 anos. A idade pode ser explicada com base no fato de que, como o câncer cervical, a doença pode demorar anos para se desenvolver.

Homens

Homens têm o dobro de chance de mulheres de contrair a doença, de acordo com D'Souza, que é mais comum entre brancos do que negros, talvez por que 90 por cento dos brancos já praticaram sexo oral, comparados com 69 por cento dos negros.

Além disso, homens heterossexuais têm mais chance que homossexuais de contrair a doença. Uma teoria afirma que pode haver mais HPV nos fluidos vaginais, do que no pênis, afirmou Lori J. Wirth, oncologista especializado em cabeça e pescoço no Hospital Geral de Massachusetts.

A falta de exames significa que o médico deve ser visitado assim que os sintomas aparecerem: um inchaço no pescoço, uma dor na garganta ou no ouvido que persiste por mais de duas semanas, ou o que Posner chama de "voz de batata quente: como falamos quando estamos com alguma coisa queimando na garganta".

Embora nenhum estudo que comprove isso tenha sido realizado, o Gardasil e o Cervarix, as vacinas que previnem o câncer cervical causado pelo HPV tipos 16 e 18, também podem evitar o câncer bucal, caso seja aplicada em meninos e jovens, de acordo com diversos médicos.