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'Coluna torta' deve ser detectada o quanto antes, diz especialista

Fotos mostram diferentes padrões radiológicos e clínicos de pacientes do Projeto Escoliose - Divulgação/Projeto Escoliose
Fotos mostram diferentes padrões radiológicos e clínicos de pacientes do Projeto Escoliose Imagem: Divulgação/Projeto Escoliose

Sibele Soglia

Do UOL, em São Paulo

07/08/2013 07h00Atualizada em 07/08/2013 14h14

Coluna torta, desnível dos ombros ou inclinações acentuadas nas costas nem sempre são sinais de má postura, mas podem ser de escoliose.  O Ministério da Saúde confirma que, em 2012, 75% das pessoas que tiveram diagnóstico deste problema e necessitaram de internação acabaram passando por cirurgia. Foram 624 internações e 469 cirurgias, sem contar os procedimentos realizados em atendimento ambulatorial, que chegaram a mais de 441 mil.

Em casa, os pais podem examinar o adolescente com as costas visíveis ou com roupas mais coladas, para facilitar a visualização. Os pontos a avaliar são: nível dos ombros retos, quadris alinhados e nádegas centralizadas com a coluna. Ainda com o adolescente de costas, peça para que junte os pés e com os joelhos esticados, junte as palmas das mãos (com os braços também esticados) e tente levar as mãos até a ponta dos pés. Com isso, verifique se a coluna não forma calombos ou desvios. Esse exame chama-se Teste de Adams e tem o objetivo de localizar algum sinal aparente da rotação da coluna

Daniel Jorge, especialista em coluna

Ainda é um mistério para a medicina, mas essa patologia acontece, geralmente, em adolescentes do sexo feminino e não tem causa aparente. O ortopedista e especialista em coluna Daniel Jorge,  membro das Sociedades Brasileira e Americana da Coluna, explica que o tipo mais comum de escoliose é a chamada de idiopática.

“Existem também a escoliose genética, por má formação das vértebras do embrião; e a escoliose degenerativa, proveniente dos desgastes causados por outras doenças ortopédicas, como artrose ou reumatismo, e ocorre na maioria das vezes em mulheres entre 45 e 50 anos”, diz.

A escoliose pode entortar a coluna nos formatos de “S” ou “C” e, além da restrição gradativa de mobilidade, pode comprometer o funcionamento dos pulmões, coração e sistema digestivo.

“É importante que a detecção seja a mais precoce possível, pois aumentam as chances de impedir sua evolução. Em casa, os pais podem examinar o adolescente com as costas visíveis ou com roupas mais coladas, para facilitar a visualização. Os pontos a avaliar são: nível dos ombros retos, quadris alinhados e nádegas centralizadas com a coluna", alerta o especialista.

"Ainda com o adolescente de costas, peça para que junte os pés e com os joelhos esticados, junte as palmas das mãos (com os braços também esticados) e tente levar as mãos até a ponta dos pés. Com isso, verifique se a coluna não forma calombos ou desvios. Esse exame chama-se Teste de Adams e tem o objetivo de localizar algum sinal aparente da rotação da coluna”, completa.

Tratamentos

Basicamente, o tratamento depende do grau em que está a escoliose. Com exames de raios-X panorâmicos e ressonância magnética, pode-se medir o ângulo de COBB (método específico e o mais utilizado para medir o grau da escoliose) e indicar o melhor tratamento.

“Quando o resultado fica entre 0° e 20° graus, são receitados tratamentos leves como RPG, fisioterapias e alongamentos elaborados para cada caso. De 20° a 40° graus em crianças e adolescentes, usa-se coletes 23 horas por dia. Em adultos, o tratamento inclui exercícios fisioterápicos específicos. Quando o ângulo é acima de 40°, necessita intervenção cirúrgica”, afirma Jorge.

O modo mais comum de tratamento entre os escolióticos é o uso de coletes, que podem ser até estilizados. Entretanto, Ferreira conta que para alguns adolescentes, o uso do colete pode ser temeroso. “Por se preocuparem com a estética e por terem que usar mesmo enquanto dormem, os coletes nem sempre são bem aceitos“.

Cirurgia

No Hospital Abreu Sodré, ligado à AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), o cirurgião de coluna Maurício Antonelli atende casos de todos os tipos de escoliose. Porém, na AACD há assistência apenas para os casos de escolioses degenerativas (as que são consequência de alguma doença ou deformidade já existente no paciente). 

  • Júnior Lago/UOL

    A adolescente Beatriz Perdigão faz alongamento após ter passado recentemente por cirurgia em virtude de uma escoliose

Recentemente, Antonelli operou a escoliose da adolescente Beatriz Perdigão, de 14 anos. “Ela foi diagnosticada com 50° de curvatura e por isso a opção foi fazer a cirurgia. “Após avaliações, exames e medição da curvatura, casos de escolioses leves podem ser tratados com exercícios e constante observação. Para casos mais graves, cirurgia, que hoje é menos invasiva e mais efetiva, chegando a reduzir colunas de 60° para 0°”.

A mãe da adolescente, Carla Perdigão, diz que tentou outros procedimentos como quiropraxia para evitar a evolução da escoliose da filha, pois Beatriz não aceitava fazer a cirurgia. “Minha filha foi diagnosticada aos 12 anos. Desde então passamos por vários médicos, mas ela não aceitava que a operassem. Quando procurei mais informações sobre o problema e se existia alternativas, descobri o blog Minha Cirurgia de Escoliose, da Elaine Vieira, que é ex-paciente do doutor Antonelli. Apesar do mesmo diagnóstico, Beatriz sentiu mais segurança e dessa vez aceitou ajuda”, desabafa.

Após a cirurgia, a coluna de Beatriz ficou em 0°, mas ainda existem cuidados necessários: “A coluna fica mais rígida por ter agora hastes e parafusos. Por isso indicamos que o paciente faça exercícios leves e principalmente se abaixe corretamente, mantendo a coluna ereta e dobrando os joelhos, ao invés de dobrar a coluna, como normalmente é feito”, orienta o médico.

No hospital, ele opera em média 200 pessoas, de várias idades, com escoliose a cada ano. Mas orienta que ela deva ser combatida logo no começo: “Professores de escolas de dança e parentes que não convivem diariamente com o paciente são as principais fontes que levantam suspeita de escoliose, por notarem rapidamente algo diferente. Isso possibilita que o diagnóstico e tratamento sejam efetivos para retardar sua evolução”.

Já a mãe da menina defende a importância dos armários nas escolas: “É importante levar o tema e mais informações sobre escoliose para as escolas, pois os alunos carregam material que é pesado. Esse é um ponto que poderia ser evitado se houvesse armários e, assim, o aluno não forçaria a coluna, tendo escoliose ou não”.

Procedimento

O procedimento da cirurgia consiste em manobras para deixar a coluna flexível, de forma que cada vértebra possa ser alinhada e parafusada. Feito isso, hastes são colocadas para dar sustentação à coluna, além de enxertarem o local com massa óssea do próprio paciente, o chamado "enxerto autólogo".

“O enxerto fica entre a vértebra e a haste, para evitar qualquer desalinhamento na coluna. Antigamente, o risco maior da cirurgia era neurológico, por haver a possibilidade de comprometimento da medula óssea. Porém, nos procedimentos atuais, os médicos monitoram e controlam os movimento das vértebras a fim de não comprometer a medula. Isso é um avanço que diminuiu significativamente o principal risco da cirurgia”, diz Antonelli.

Já os riscos pós-cirúrgicos são comuns como infecções no corte, por exemplo. Esta fase é rápida, segundo o médico. “No primeiro dia, a mobilidade é liberada. O paciente pode mover braços,  pernas e pescoço, mas ainda tem de ficar numa cama ajustada a mais ou menos 60 graus. No segundo dia,  já pode sentar,  sem fazer muito esforço. No terceiro dia, ele já está liberado para andar e tem alta”.

Antonelli menciona como complicações, mas não riscos, a possibilidade de haver soltura dos parafusos e frouxidão das hastes com a coluna, caso elas e os enxertos não sejam bem colocados.

 Projeto Escoliose

A vivência de Patrícia Mentges, fisioterapeuta com especialização em coluna, fez com que ela olhasse para o problema como uma questão de saúde pública. “A escoliose é a mais deformante das patologias ortopédicas; 85% são idiopáticas, isso chama muita atenção, pois se o problema fosse notado desde cedo, a pessoa teria mais qualidade de vida”.

Mentges notava como era difícil a situação tanto do paciente quanto da família, por não saberem como lidar com o problema e nem como tratá-lo. Assim o Projeto Escoliose, no Rio de Janeiro, tomou forma, juntamente com a parceria e experiência da jornalista e escritora Julia Barroso, autora do livro "A Menina da Coluna Torta" (KBR Editora).

O Projeto já existe há dois anos e procura conscientizar a população da necessidade da detecção precoce, principalmente nas escolas. “Nos Estados Unidos, há uma forte campanha de triagem nas escolas para saber se o aluno tem escoliose ou não, fazendo o Teste de Adams, que é um procedimento rápido e simples. Se os professores notarem qualquer deformidade aparente, orientam os pais a procurarem um médico. Queremos isso também para o Brasil”, afirma Mentges.

Marco Antônio Ferreira é pai de Carolina Favio Ferreira, 15 anos, paciente do Projeto Escoliose. Carolina foi diagnosticada há três anos, mas os pais já haviam notado algum desvio na coluna porque ela mancava. A consulta com os primeiros médicos constatou que sua coluna estava num formato de “S”, sendo 42° a curva na altura torácica e 38° na altura lombar. A orientação foi fazer cirurgia, mas os pais preferiram se informar melhor sobre a doença e encontraram o tratamento conservador, feito pelo Projeto Escoliose.

Mentges estudou o caso da garota examinando-a pessoalmente. Elaborou uma série de exercícios corretivos e orientou tanto ela, quanto os pais, sobre a importância de o tratamento conservador fazer parte da rotina de toda família. “A consulta dura três horas, pois a fisioterapeuta praticamente dá um curso de como ajudarmos a Carolina a fazer os exercícios corretamente”, afirma Marco Antônio.

Disciplina

Todos os dias, Carolina faz a série de exercícios em casa, que dura cerca de 30 minutos. Os pais se revezam para ajudá-la e ficam atentos com a disciplina da filha. “Não podemos relaxar! Às vezes ela não quer fazer os exercícios e temos que ficar em cima. Temos esse trabalho, mas tem valido a pena”, diz a mãe, Cármen Ferreira.

  • Divulgação/Projeto Escoliose

    O uso de colete por 23 horas é o tratamento mais comum da escoliose, porém, os jovens têm uma resistência muito grande em vesti-los


Depois de um ano de exercícios, consultas trimestrais, constante observação e total dedicação à reversão do quadro de escoliose, a coluna teve melhora, reduzindo para 32° a curva na altura torácica e 30° na altura lombar.

O Projeto Escoliose já conta com o serviço de ortopedia, mas Mentges pretende ampliar a demanda de atendimento e oferecer assistência interdisciplinar ao paciente e à família do paciente, como psicólogos e assistentes sociais. “Buscamos dar todo o amparo necessário para os que chegam aqui com uma escoliose já evoluída e disseminar campanhas para que escolas possam detectar precocemente a escoliose”.

O método conservador de tratamento engloba tudo o que não for cirúrgico. Pode ser a associação de coletes com exercícios ou apenas exercícios. O que determina é o grau da escoliose. A vantagem é que ele tem baixo ou nenhum custo e necessita basicamente de orientações de um especialista. De qualquer modo, todos os tratamentos disponíveis dependem de uma atenta avaliação médica para indicar o melhor caminho.