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Tendência suicida em soldados já existe antes do alistamento, diz estudo

Soldados americanos se abraçam após saberem que sargento foi atingido por explosivo no sul do Afeganistão, em 12 de junho de 2012 - Shamil Zhumatov/Reuters
Soldados americanos se abraçam após saberem que sargento foi atingido por explosivo no sul do Afeganistão, em 12 de junho de 2012 Imagem: Shamil Zhumatov/Reuters

Do UOL

Em São Paulo

05/03/2014 06h00

Em meio à crescente taxa de suicídio entre membros das forças armadas dos EUA e da confusão sobre possíveis causas, um estudo publicado nesta segunda-feira (3) mostra que a maioria dos homens e mulheres do exército com tendências suicidas já apresentava as característica antes de se alistar. E aqueles com maior risco de tentar o suicídio tinham um histórico de impulsos agressivos.

A pesquisa, publicada em três artigos na edição online da revista Jama Psiquiatria, da Associação Médica Americana, descobriu que cerca de um em cada 10 soldados tinham características que se encaixava no diagnóstico de transtorno explosivo intermitente  - mais de cinco vezes a taxa encontrada na população geral. Este padrão impulsivo, em combinação com transtornos de humor e com a tensão das missões militares aumentou a probabilidade de agir com impulsos suicidas.

O trabalho reuniu cinco anos de pesquisas acadêmicas, governamentais e militares, e investigou centenas de suicídios e milhões de questionários respondidos anonimamente por soldados ativos.

O esforço começou em 2008, depois que a taxa de suicídio entre soldados ativos subiu pela primeira vez além da taxa registrada entre adultos jovens e saudáveis ??da sociedade civil. As guerras no Iraque e no Afeganistão têm contado com um exército de voluntários, ao contrário de guerras anteriores, e muitos dos homens e mulheres alistados hoje foram enviados duas, três ou quatro vezes.

Os novos relatórios mostram como as mudanças na composição das forças de combate e as crescentes demandas por serviços têm afetado a taxa de suicídio. O número mais do que dobrou entre 2004 e 2009, passando para mais de 23 por 100 mil soldados. Nesse período, 569 mortes de soldado foram causadas por suicídios. Desde então, a taxa voltou a cair para 20 por 100 mil, mesma encontrada em civis da mesma faixa etária.

Para David Brent, psiquiatra da Universidade de Pittsburgh, que não fez parte da pesquisa, os resultados sugerem fortemente que "a bagagem trazida pelas pessoas e muitas vezes não divulgada por elas a fim de entrar nas forças armadas interage com o estresse das missões militares", aumentando a vulnerabilidade ao suicídio.

Os três relatórios não indicam se o relaxamento nas normas para novos soldados que o exército americano tem usado para sustentar as tropas aumentou a vulnerabilidade ao suicídio. Um estudo sobre suicídios e mortes acidentais conduzido por Michael Schoenbaum, do Instituto Nacional de Saúde Mental, encontrou uma série de fatores de risco para o suicídio que muitos já acreditavam existir, como rebaixamentos e classificações ruins. Mas o afrouxamento das normas para o alistamento não foi correlacionado ao aumento nos suicídios.

  • Jose Luis Magana/AP

    Homens carregam corpo de soldado morto no Afeganistão em setembro do ano passado

Impulso agressivo

De modo geral, os três relatórios esboçam um retrato de risco para suicídio que, em muitos aspectos, é semelhante ao dos civis. Cerca de 14% dos soldados entrevistados disseram que tinham tido pensamentos suicidas, e 5% já tinham planejado, pelo menos uma vez,  tirar suas vidas - espelhando as taxas encontradas entre civis. Cerca de 2% tinham feito uma tentativa - a taxa de tentativas entre civis é, na verdade, duas vezes mais alta, mas as tentativas dos soldados são frequentemente mais letais.

Cerca de um quarto dos soldados pesquisados se encaixava em pelo menos um transtorno psiquiátrico, como depressão, ansiedade ou abuso de substâncias. Isso é aproximadamente o dobro da taxa encontrada na população geral, mas só cerca de metade desses transtornos se desenvolveu após o alistamento. 

A maior diferença entre os soldados e os jovens adultos da população civil era a questão do impulso agressivo. A taxa superou 11% nos soldados pesquisados, e foi inferior a 2% nos jovens civis. Os problemas com o controle da raiva antecederam o alistamento em cerca de 3/4 das ocasiões, disse Matthew Nock, psicólogo de Harvard e um dos principais autores de um dos artigos.

"As pessoas com maior risco de fazer uma tentativa [de suicídio] enfrentava depressão, ansiedade ou estresse pós-traumático em combinação com a impulsividade e a agressividade ", afirmou Nock  ao "The New York Times". "Primeiro isso leva a pessoa a pensar em suicídio e, depois, faz com que ela tome uma atitude em relação a esses pensamentos."

Prevenção

As novas descobertas apresentam aos militares uma pergunta desafiadora: como identificar pessoas vulneráveis ao suicídio sem conduzi-las ao fundo do poço? Em geral os candidatos escondem suas lutas mentais. Alguns especialistas sugerem que os serviços poderiam rastrear as pessoas depois do alistamento, para identificar aqueles para os quais seja necessário oferecer suporte adicional.

"Uma minoria de soldados é responsável por uma quantidade desproporcional de comportamentos suicidas", escreveu Matthew J. Friedman, do Centro Nacional de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, em um editorial que acompanha os três relatórios. Para ele, identificar melhor esses perfis e intervir compensaria.

Os especialistas também sugerem aos militares o investimento em cursos que reforcem a resistência mental em todo o serviço, como medida preventiva. Em 2009, o exército americano investiu em um programa desse tipo para os seus 1,1 milhão de membros, mas um relatório recente concluiu que o programa não tinha sido eficaz.

(Com The New York Times)