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Critério para aceitar doação de sangue varia em relação a parceiros sexuais

O doador considerado apto em um hemocentro pode ser barrado em outro pelo número recente de parceiros sexuais declarado na triagem - Filipe Redondo/Folhapress
O doador considerado apto em um hemocentro pode ser barrado em outro pelo número recente de parceiros sexuais declarado na triagem Imagem: Filipe Redondo/Folhapress

Mariana Zirondi

Do UOL, em Londrina

03/04/2014 11h59

Quando uma pessoa vai doar sangue, passa por uma entrevista e responde a perguntas íntimas, como o número de parceiros sexuais com que se relacionou nos últimos meses. Essa medida é determinada pelo Ministério da Saúde e tomada para diminuir ao máximo os riscos de doenças transmitidas para quem receberá o sangue durante a transfusão. Mas os critérios para considerar um candidato apto ou não a doar podem variar nos centros de coleta do país, conforme consulta feita pelo UOL.

Um doador que pode ser considerado apto em Minas Gerais, por exemplo, pode ser barrado no Paraná. Foi por essa situação que Bruno Vangel e um casal de amigos, que prefere não se identificar, passaram ao se candidatarem recentemente à doação de sangue no Hemocentro do Hospital Universitário de Londrina.

O casal, atendido primeiro, passou pela triagem realizada pela médica do hemocentro. De acordo com eles, entre outras perguntas, ambos tiveram que responder se estavam em um relacionamento estável. A resposta foi afirmativa e o casal foi considerado apto para o procedimento.

Com Vangel, no entanto, a situação foi um pouco diferente. Doador de sangue há quase 10 anos, já sabia das condições para doar e se sentia preparado para a coleta. Durante a triagem, a médica perguntou se ele tinha parceira fixa e a resposta foi negativa. Em seguida, questionou se havia tido mais de uma parceira no ano passado. A resposta, nesse caso, foi positiva. Logo em seguida, a médica informou que ele estava inapto para realizar a doação.

Indignado, Vangel questionou a recusa. “A responsável pela triagem me informou que apenas pessoas com parceiros fixos no último ano estariam aptos para a doação. Eu ainda questionei se o número de doadores havia caído, mas ela informou que não, pois a maior parte das pessoas que doam seriam casadas ou possuiriam parceiros fixos”, relata.

O casal que acompanhava Vangel se sentiu incomodado com o critério - afinal, eles estão juntos há apenas quatro meses e, no ano passado, também poderiam ter tido mais de um parceiro. No entanto, isso não foi levado em consideração. Um deles, inclusive, dividiu com a médica a insegurança de ter alguma doença infecciosa, já que havia terminado um casamento recentemente e não tinha certeza se havia sido traído. A médica, ainda assim, o considerou apto.

Tânia Anegawa, diretora do Hemocentro em Londrina, explica que cada instituição tem seu manual de normas e estabelece a quantidade de parceiros considerada de risco para cada doador. “No caso do nosso hemocentro, consideramos que mais de dois parceiros sexuais no período de seis meses torna o indivíduo inapto temporariamente”, esclarece.

Vangel foi considerado inapto em Londrina, mas seria aceito no Centro de Hemoterapia e Hematologia do Rio Grande do Sul (Hemorgs), de Porto Alegre, e na Fundação Hemocentro de Brasília, por exemplo, caso tivesse tido menos de três parceiros sexuais no período de 12 meses.

Já no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar), em Curitiba, o candidato que tiver mais de dois parceiros diferentes nos últimos doze meses é considerado inapto temporariamente. Ainda há a ressalva de que a pessoa deve estar com o mesmo parceiro há, no mínimo, seis meses.

O Centro de Hematologia e Hemoterapia da Bahia (Hemoba), em Salvador, e o Instituto Brasileiro de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (Hemorio), no Rio de Janeiro, não se baseiam em um número fixo para a quantidade de parceiros. Ambos afirmam utilizar uma triagem rigorosa e, a partir das perguntas e detalhes de cada situação, tornam um candidato apto ou não para a doação.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Fundação Pró-Sangue – Hemocentro de São Paulo, em São Paulo, declarou que prefere não divulgar a quantidade de parceiros ocasionais permitidos, pois pode induzir os candidatos a mentirem durante a triagem. Para eles, é uma questão de segurança que a seleção seja realizada de forma criteriosa e aprofundada.


Legislação e variações

A Portaria 2.712 do Ministério da Saúde, publicada em novembro de 2013, que estabelece os serviços de hemoterapia, torna inapto para doação de sangue, por 12 meses, o candidato que tenha se exposto a determinadas situações, como pessoas que tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas; que tenha feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos; e homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou com as parceiras sexuais destes.

No entanto, a portaria não especifica o número parceiros sexuais por período que é considerado comportamento de risco, explica Sandra Garcia Bueno, psicóloga e responsável pelo núcleo de doadores no Hemorgs, em Porto Alegre (RS). Durante a triagem, o médico responsável precisa investigar o passado desse doador e, assim, julgá-lo apto ou não a doação.

A falta de determinação da quantidade de parceiros gera algumas falhas no sistema de triagem, opina Fausto Trigo, médico hematologista e hemoterapeuta. Para ele, a partir do momento que cada instituição faz sua interpretação sobre o que é comportamento de risco, não há uniformidade na triagem como um sistema. “A legislação brasileira é muito boa, mas alguns pontos polêmicos não são estabelecidos e precisariam ser padronizados. Uniformidade gera esclarecimento”, opina Trigo.

O hematologista considera que o fato de não ter relacionamento estável coloca o candidato numa situação de risco, mas lembra que isso é relativo: “Caso a pessoa seja casada, mas tenha amantes, por exemplo, ela possui um comportamento de risco”.

Já Tânia Anegawa também ressalta que essa liberdade é necessária para que cada unidade adapte a quantidade de parceiros à realidade de cada região brasileira. Essa é uma estratégia, segundo ela, para não reduzir a quantidade de doadores em todo o país.

Janela imunológica

O fator que leva os centros de coleta a questionarem ao status de relacionamento do doador nos meses anteriores à coleta é a janela imunológica. Essa expressão se refere ao período que o organismo leva, a partir de uma infecção, para produzir anticorpos. É por meio deles, no exame de sangue, que se identifica a doença em um paciente.

A diretora do Hemocentro de Londrina acredita que seis meses são suficientes para que eventuais vírus contraídos já tenham se manifestado e possam ser identificados nos exames a que todo sangue coletado é submetido. Mas Trigo ressalta que as janelas imunológicas são variadas para cada tipo de doença.

O uso de preservativo também é algo considerado questionável nos centros de coleta pesquisados pela reportagem. Todos eles consideram que relações com preservativo também são consideradas de risco.

Apesar do uso da camisinha ser estimulado em campanhas de sexo seguro, Anegawa explica que a forma como o preservativo é usado pode ser considerada inadequada. “O uso é questionável porque nem todo mundo coloca a camisinha durante o coito. E nesse momento, já pode haver a contaminação”.

Doações no país

De acordo com o Ministério da Saúde, são coletadas no Brasil cerca de 3,6 milhões de bolsas por ano, o que corresponde ao índice de 1,8% do parâmetro estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Entretanto, o Ministério da Saúde trabalha para chegar ao índice de 3%.

Em 2012, com mudança da idade mínima para doação de 18 para 16 anos (com autorização do responsável) e em 2013, da idade máxima de 67 a 69, houve a abertura para 8,7 milhões novos voluntários. 

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