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Fama descabida: o gato não é o vilão da toxoplasmose, dizem especialistas

Noelle Marques

Do UOL, em São Paulo

21/06/2015 06h00

A fama vem de longe. Falou em gato e gravidez, a toxoplasmose sempre termina pautando a conversa.

A psicóloga Juliana Mattoso Del Vigna, 40, adotou a gata Dadá quando o filho João tinha apenas um ano. Quando foi engravidar do segundo filho, muitas pessoas a questionaram sobre o perigo do animal. Mas ela conta que não teve medo. "Eu não ia me desfazer da minha gata por causa da gravidez, é uma questão de esclarecimento".

A psicóloga Juliana Del Vigna, 40, amamenta o filho Luca ao lado da gata Dadá - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A psicóloga Juliana Del Vigna, 40, amamenta o filho Luca ao lado da gata Dadá
Imagem: Arquivo pessoal

"A médica disse que, antes de engravidar, eu teria que fazer uns exames para ver se poderia ficar com meu gato", lembra a  jornalista Raquel Drehmer, 38. Ela também relutou em se desfazer de Fofão e preferiu procurar outra ginecologista. No fim, não precisou abrir mão do bichano, que  logo mais fará companhia para seu bebê, previsto para nascer no começo de julho. 

A toxoplasmose é motivo de preocupação para quem engravida. Principalmente durante o primeiro trimestre da gestação, ela pode causar, por exemplo, retardo mental e cegueira. E, segundo o veterinário-chefe do Vet Quality, Cauê Toscano, o gato é o único hospedeiro que consegue eliminar a forma infectante da doença, pelas fezes. "Mas é uma fama que acabou sendo criada, infelizmente, que não corresponde a realidade."

Gato fofão - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A jornalista Raquel Drehmer, 38, com o marido Augusto e o gato Fofão
Imagem: Arquivo pessoal

O gato não é o grande vilão da doença, explica o infectologista Celso Granato, professor da Universidade Federal de São Paulo e assessor médico do laboratório Fleury, porque não é o principal culpado pela disseminação. 

"O ciclo do protozoário toxoplasma gondii tem que passar pelo gato, mas o animal leva uma culpa maior do que merece. O que acontece na prática é que há mais chances de se contrair a doença tomando água contaminada, comendo carne vermelha crua, salada e usando utensílios contaminados", ressalta.

Além disso, diz Toscano, o cisto da toxoplasmose só é liberado durante até três semanas da infecção do gato. "Então teria que coincidir o gato contaminado com a doença no momento da gestação da mulher e, durante estas três semanas, ela ter algum problema de higiene que fizesse com que tivesse contato com o protozoário. Passadas as três semanas, mesmo que o animal esteja infectado, ele não vai liberar o cisto."

O veterinário também explica que o cisto, depois de eliminado, precisa de pelo menos 24 horas para se tornar infectante, então uma pessoa que limpa a caixa de areia do gato todos os dias não permite que o prazo de evolução se complete. 

O infectologista destaca ainda que o número de casos de toxoplasmose caiu expressivamente nos últimos 30 anos, diminuindo o risco de contágio.

"Passamos a comer bem mais carne congelada, e o congelamento mata o cisto do toxoplasma. A água também é muito mais tratada do que antigamente, e, o último fator, é que a maioria dos gatos de estimação dos dias de hoje é alimentada com ração. Se eles não saem para caçar não pegam doença e, consequentemente, não transmitem para as pessoas", explica.

"Os gatos em casa não apresentam perigo, basta tomar cuidado com a higiene e a alimentação", defende Granato, que até pouco tempo tinha dois felinos em casa.