Açaí no Norte? Peixe na praia? Não: brasileiro prefere o "frango congelado"
Se você acha que quem mora em regiões mais rurais do Brasil ainda segue à risca a dieta de alimentos frescos e locais, saiba que está enganado. Um estudo conduzido por pesquisadores da USP, UnB, UFAC e da UERN apontou que cada vez mais o brasileiro come o mesmo tipo de comida. Produtos industrializados, como o frango congelado, já invadem os confins do país em detrimento de alimentos locais.
Por exemplo, a dieta de comunidades ribeirinhas na Amazônia brasileira, que antes era composta principalmente por alimentos produzidos localmente, como peixe com farinha de mandioca, passou a ser integrada por alimentos industrializados, como enlatados e frangos congelados produzidos nas regiões sul e sudeste do país.
“De uma forma geral, os dados obtidos indicam uma homogeneização do padrão alimentar no Brasil”, disse Gabriela Bielefeld Nardoto, professora da UnB e uma das autoras dos estudos.
Apesar do isolamento, as populações rurais de diferentes regiões do Brasil têm aderido cada vez mais à ‘dieta de supermercado’, composta por alimentos processados e ultraprocessados.”
Estudo analisou diferentes comunidades
A pesquisadora começou a estudar em 2002 os padrões alimentares de populações brasileiras usando amostras de unha, além de uma entrevista em que os participantes são estimulados a recordar o que consumiram nas últimas 24 horas. Os estudos iniciais, de 2002, indicaram que a dieta de habitantes de cidades como Piracicaba, no interior de São Paulo, e Santarém, no interior do Pará, era semelhante.
Já os moradores de pequenas comunidades rurais, distantes cerca de 50 a 80 quilômetros da cidade de Santarém, apresentam padrões alimentares semelhantes entre si, mas totalmente diferentes em relação a moradores da capital do Pará, Belém.
A fim de investigar se essas diferenças de padrão alimentar entre o meio urbano e as comunidades rurais persistiam em outras regiões da Amazônia, os pesquisadores decidiriam realizar, entre 2007 e 2010, um estudo mais detalhado, em que compararam os padrões alimentares de populações urbanas de Manaus e Tefé, no Amazonas, com comunidades ribeirinhas situadas ao longo do rio Solimões, cuja principal fonte de proteína era o pescado.
Além disso, também investigaram os padrões alimentares em comunidades de caiçaras na região de Ubatuba, ao longo da Rodovia Rio-Santos, e da população de bairros próximos às encostas da Serra do Mar – conhecidos como “sertões” de Ubatuba.
Os resultados dos estudos com essas diferentes populações sugeriram que há uma homogeneização do padrão alimentar de moradores que vivem em aglomerados rurais e urbanos de diferentes tamanhos.
Os pesquisadores não encontraram diferenças nas unhas dos integrantes de comunidades caiçaras e do “sertão” de Ubatuba em comparação com os moradores das classes C e D de Piracicaba. “Essas populações já aderiram totalmente à dieta de supermercado”, afirmou Nardoto. “Os pescadores das comunidades caiçaras, por exemplo, usam parte do dinheiro que conseguem com a venda do pescado para comprar frango congelado no centro de Ubatuba”, contou.
Já entre os moradores das regiões rurais da Amazônia, os pesquisadores observaram que há um vínculo mais forte com os alimentos produzidos regionalmente. No entanto, notaram uma perda da identidade alimentar dessas populações e a penetração de alimentos industrializados, como frango congelado, bolachas, embutidos e refrigerantes, em suas dietas.
“Nossa hipótese era a de que as comunidades mais afastadas dos centros urbanos estariam mantendo a dieta do peixe com farinha. Mas não foi isso que observamos ao longo do rio Solimões”, disse Nardoto.
Quanto mais estruturada a comunidade ribeirinha em termos de acesso à energia elétrica e diesel para abastecimento de barcos para locomoção, mais seu padrão alimentar se assemelhava ao de populações das cidades, que já aderiram totalmente à dieta de supermercado. O hábito de se alimentar de peixe com farinha de mandioca, por exemplo, está muito mais restrito hoje ao almoço, exemplificou a pesquisadora.
A fim de verificar se essa diminuição da diferença do padrão alimentar de populações rurais e urbanas observada em São Paulo se repetia em outras regiões do país, os pesquisadores realizaram um estudo com duas comunidades sertanejas de Mossoró, no Rio Grande do Norte, com moradores da região urbana da cidade e com uma comunidade caiçara na Reserva do Tubarão em Natal, na capital potiguar.
Os resultados das análises indicaram que a composição isotópica das unhas dos integrantes das comunidades caiçaras era semelhante à das sertanejas e à dos moradores da região urbana de Mossoró.
“Pensamos que poderia haver uma diferença no padrão alimentar das populações do sertão, da cidade e litorânea, mas a assinatura isotópica deles é a mesma”, disse Nardoto. “Esse padrão é muito parecido com o que observamos no Norte, Centro-Oeste e no Estado de São Paulo”, comparou.
Um estudo recente realizado por Rodrigo de Jesus Silva, da Esalq, analisou a mudança do padrão alimentar de comunidades remanescentes do quilombo Kalunga, situadas na Chapada dos Veadeiros. Ele constatou que as comunidades que têm mais fácil acesso à estrada já adotaram a “dieta do supermercado”, mas as com acesso apresentam uma dieta mais baseada em alimentos produzidos regionalmente.
Impactos ao organismo e ao ambiente
Na avaliação da pesquisadora, a homogeneização do padrão alimentar no Brasil, em razão de fatores como aumento da urbanização e melhoria das condições sociais – que têm levado a mudanças no estilo de vida e à substituição de alimentos produzidos localmente por itens processados –, tem causado uma simplificação das fontes alimentares e uma mudança de uma alimentação C3 para C4.
A dieta do brasileiro, que até então era baseada em alimentos oriundos de plantas do tipo fotossintético C3, como o arroz e o feijão, tem se tornado cada vez mais composta por alimentos originados de plantas C4, como o milho e a soja, presentes na ração de diversos animais, além da cana-de-açúcar.
“Os alimentos C4 não fazem mal à saúde. O problema é como são processados, o que faz com que tenham alto teor de gordura, sal e açúcar e contribuam para o aumento da incidência de obesidade e de doenças cardiovasculares”, ponderou.
Já a perda da identidade alimentar pelas comunidades tradicionais também pode ter impactos na conservação ambiental, apontou. “À medida que essas comunidades perdem sua identidade alimentar, também acabam perdendo sua relação com a paisagem local. Se não precisam mais do peixe para se alimentar, o rio deixa de ser uma fonte alimentar e passa a ser somente um meio de transporte”, avaliou.
*Com Agência Fapesp
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