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Aborto aumenta gasto do SUS? As solteiras fazem mais? Veja mitos e verdades

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Bia Souza

Do UOL, em São Paulo

12/12/2016 12h52

No último dia 29 de novembro, a decisão da primeira turma do STF (Supremo Tribunal Federal) que afirmou que médicos e funcionários de uma clínica de aborto não praticaram crime criou um precedente para que juízes possam entender que interromper a gestação nos três primeiros meses não é crime. Isso reacendeu o debate público sobre a descriminalização do procedimento no Brasil.

O STF deve colocar em pauta para a votação a descriminalização do aborto no caso de grávidas infectadas pelo vírus da zika. A ação proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos, questiona o sofrimento mental que seria imposto a gestantes infectadas, mediante ao riscoda criança nascer com a chamada síndrome congênita da zika, que provoca microcefalia e outras alterações no feto.

O aborto só é  permitido no Brasil em caso de estupro, anencefalia ou risco para a mãe

VERDADE - Apesar da decisão da primeira  turma, o aborto ainda é considerado crime pelo Código Penal brasileiro e pode provocar de 1 a 3 anos de detenção. Ele é permitido apenas quando a gestação é resultado de um estupro, quando coloca em risco a vida da mulher ou se embrião for identificado como anencéfalo (sem formação cerebral).

Como é ilegal, não acontece

MITO - De acordo com o Ministério da Saúde, as principais causas de morte materna no Brasil são hemorragia, hipertensão, infecção e aborto.

A Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2010, apontou que uma a cada cinco brasileiras de até 40 anos de idade já realizou pelo menos um aborto.

Para a médica Greice Maria de Souza Menezes, pesquisadora do Programa Integrado em Gênero e Saúde, da UFBA (Universidade Federal da Bahia) o aborto é uma causa de morte que pode ser evitada.

“A lei não inibe o aborto, apenas empurra as mulheres para a clandestinidade. Uma mulher branca, de classe alta paga 2 ou 3 mil reais e faz o procedimento em uma clínica, de forma segura e pronto. As negras e pobres das periferias urbanas vão recorrer a uma sucessão de métodos inseguros, e, aí sim, causam internação hospitalar e morte. ”

Um feto pode ser considerado uma vida

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PARCIALMENTE VERDADE - O debate sobre quando começa a vida é algo complexo que divide até mesmo a comunidade médica. Religiosos acreditam que a vida existe no momento da concepção ou até antes.

“A vida é um contínuo. Há vida no espermatozoide é há vida no óvulo que será fertilizado por esse espermatozoide. A pergunta mais apropriada é quando se inicia uma gravidez ou quando se pode identificar um novo indivíduo. Até 14 dias após a fertilização, o pré-embrião resultante da fertilização pode dividir-se em dois dando lugar a gêmeos. Por tanto até esse momento não é possível saber se será um ou mais de um indivíduo. Essa data coincide com a implantação do pré-embrião no útero, que marca o início de uma gravidez para a Organização Mundial da Saúde (OMS). Só a partir desse momento a organismo da mulher começa a experimentar câmbios próprios da gravidez”, explica Aníbal Faúndes, autor do livro "O drama do aborto", publicado em 2007, escrito em parceria com o médico José Barzelatto.

“Um feto é uma vida humana, mas isso é uma discussão complicada, um feto não é uma pessoa. Pessoa é aquele nascido vivo. O feto tem direitos? Tem. Igual aos das mulheres? Essa é a questão que cabe discutir. O direito do feto não pode ser absoluto aos das mulheres nem o oposto, se fosse as mulheres poderiam abortar em qualquer momento da gestação”, diz Greice Menezes

O feto sente dor durante o aborto

Dor - Small World Nikon/Divulgação - Small World Nikon/Divulgação
Imagem: Small World Nikon/Divulgação
PARCIALMENTE VERDADE– Dependeria do período em que é feito o aborto. Em 2010, um estudo do Colégio Real de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido afirmou que a sensação de dor exige conexões neurais com o córtex cerebral, que só começa a surgir na 23ª semana de gestação e não está funcionalmente desenvolvido até a 26ª semana.

Uma pesquisa divulgada em 2005, na revista JAMA Internal Medicine, afirmava que o sistema de neurônios que carregam sinais de dor não está desenvolvido até o terceiro trimestre de gravidez. No entanto, os cientistas afirmaram que alguns fetos podem se desenvolver um pouco mais tarde, mas que nenhuma pesquisa poderia sugerir que todos sentem dor a partir de uma determinada semana de gestação.

Os pesquisadores ressaltam que o feto não é uma versão menor do bebê, mas ainda está se formando, algumas condições não podem ser diagnosticadas porque ainda não se desenvolveram.

“Apenas às 12 semanas aparecem as primeiras conexões microscópicas de células nervosas, na região onde várias semanas mais tarde se formará o cérebro. Não há como saber em que momento nesse desenvolvimento o feto pode sofrer dor, mas deve ser em algum momento entre 20 e 26 semanas. Com certeza, não no aborto de primeiro trimestre”, diz Faúndes.

O aborto pode ser feito em qualquer momento da gestação

MITO - No Brasil, em caso de estupro é permitido interromper a gestação até a 20ª semana se o peso fetal for menor do que 500 gramas. Em caso de anencefalia, ou quando há risco para a gestante são exigidos laudos médicos que são analisados por um juiz que pode autorizar ou não a realização do procedimento a qualquer momento da gestação.

No Uruguai, onde o aborto é permitido desde 2012, a mulher que não deseja levar a gravidez adiante pode abortar até a 12ª semana, no caso de ter sido vítima de estupro tem o direito de abortar até a 14ª semana. Na América Latina, o aborto também é permitido em Cuba, na Guiana e Guiana Francesa.

Mulheres solteiras fazem mais abortos

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MITO - Segundo a OMS, a taxa estimada de aborto em 2010-2014 era de 35 para cada 1 mil mulheres. Considerando o estado civil, era de 36 para cada 1 mil mulheres casadas e de 25 para cada 1 mil solteiras. Setenta e três por cento de todos os abortos, ou 41 milhões, eram realizados por mulheres casadas.

Se o aborto for liberado, mais pessoas vão fazer

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MITO -  Segundo um estudo do Instituto Guttmacher e da OMS, em países onde o procedimento foi totalmente proibido ou autorizado somente em caso de risco de morte, a taxa de aborto era de 37 para cada 1 mil, e em países onde era autorizado, a taxa era de 34 para 1 mil em 2010-2014. “Quando o primeiro serviço de aborto foi implantado no Brasil, uma parte das pessoas rapidamente disse que as mulheres iriam mentir e procurar o serviço dizendo que foram estupradas. Mas nunca vimos uma horda de mentirosas procurando abortar dessa forma”, diz Greice Menezes.

Se o aborto for liberado, o médico não é obrigado a fazer

VERDADE - De acordo com o Código de Ética da medicina, o médico tem direito a se recusar a realizar atos que, embora permitidos por lei, sejam contrários a própria consciência. No entanto, é dever do profissional informar à mulher sobre os direitos e garantir que ela seja atendida por outro profissional da instituição ou de outro serviço.

O médico não pode alegar objeção de consciência em algumas situações excepcionais em que a paciente corra risco de morte, de sofrer danos à saúde em razão da omissão do profissional ou em casos de urgência.

Aborto legalizado custaria bilhões para o SUS?

MITO – Atualmente, o custo de um aborto legal (feito em casos já previstos pela lei), segundo a Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS, é de R$ 443, o mesmo repassado pelo sistema para um parto normal. No caso da cesárea o valor é de R$ 545,73.

O aborto clandestino também tem custo para o SUS.  Por ser um procedimento ilegal, não há dados específicos sobre quantas pacientes são atendidas pelo SUS em decorrência de abortos clandestinos, mas elas são incluídas nas mais de 181 mil mulheres que passaram por atendimento de curetagem causada por aborto espontâneo, clandestino ou por complicações pós-parto em 2015. Outras 10.623 pelo processo de aspiração manual intrauterina (AMIU). O valor para o sistema, somando ambos os procedimentos, foi de R$ 40,4 milhões.

Todo aborto requer curetagem

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MITO - A curetagem é um processo cirúrgico de limpeza do útero feito sob anestesia. “Abortos espontâneos que ocorrem entre 6 ou 7 semanas de gestação costumam evoluir completamente sem necessidade de curetagem”, explica o médico Julio Elito Junior, professor do Departamento de Obstetrícia da Unifesp.

Além disso, a curetagem não é a única forma de limpar o útero. “Tanto a OMS como a Federação Internacional de Ginecólogos e Obstetras recomendam abandonar a curetagem para tratamento de aborto incompleto e usar a aspiração intrauterina manual ou elétrica, ou o tratamento médico com medicamento quando indicado”, explica Faúndes.

É comum sofrer aborto natural nos primeiros meses?

VERDADE  -  Segundo dados de 2013, do IBGE, 15,2% das mulheres de 18 a 49 anos de idade, declararam ter sofrido algum aborto espontâneo. 

“A incidência é de uns 15% de abortos espontâneos. A maioria das vezes existem alterações cromossômicas, muitas vezes incompatíveis com a vida, e a natureza faz uma seleção natural. Em 80% dos casos, os abortos ocorrem antes de 12 semanas. Em uma mulher de 20 aos 35 anos a incidência de aborto espontâneo é de 10% a 20%, dos 36 aos 40 anos pode chegar a 40% ”, explica o médico Julio Elito Júnior.

Segundo a OMS, é considerado aborto quando acontece antes da 22ª semana de gestação (aprox. 5 meses) ou quando o bebê tem menos de 500 g.

Abortos causam infertilidade

MITO - O aborto quando realizado corretamente não causa problemas futuros, mas quando provocado por aspiração e curetagem feitas de forma irregular pode gerar inflamações, obstruções das trompas ou aderências no útero atrapalhando a fertilidade.