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É aceitável que um médico deseje a morte de alguém? Profissionais comentam

Getty Images
Imagem: Getty Images

Marcelle Souza

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/02/2017 13h34

O vazamento de informações sobre o estado de saúde da ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu no último dia 3, despertou questionamentos sobre a conduta ética dos médicos envolvidos.

Marisa ainda estava internada no Hospital Sírio Libanês, quando a imagem de um dos seus exames foi compartilhada em um grupo de colegas de curso de medicina. Em uma das respostas à foto, o neurocirurgião identificado como Richam Faissal Ellakkis teria sugerido um procedimento que poderia causar a morte da ex-primeira-dama. “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela.”

A divulgação da conversa entre médicos pelo WhatsApp levanta, entre outras coisas, a questão: É ético que um médico deseje a morte de um paciente?.

Em tese, o médico não pode desejar a morte de alguém. Como ser humano, ele pode ter paixões, tendências, mas não pode manifestar isso"

Mauro Aranha, presidente do Cremesp 

Oficialmente, a conduta dos médicos ainda será apurada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Por isso, o presidente do conselho evita comentar especificamente o caso.

"[O médico] deve defender a integridade à saúde, à dignidade do ser humano, mesmo que ele não esteja tratando diretamente daquela situação comentada, porque isso expõe a medicina à perda da confiança dos pacientes nos seus médicos", completa.

Marcelo Schweller, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), também afirma que um médico não deve se manifestar contra a vida de uma pessoa. “O médico deve ser sempre favorável à vida, ao conforto e ao suporte do paciente”, diz Schweller, que pesquisa a importância da empatia na formação desses profissionais.

Segundo Gisele Gobbetti, professora de bioética da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), os comentários sobre o estado de saúde de Marisa Letícia não estão de acordo com a conduta apropriada para um médico. “O Código de Ética diz que é preciso preservar a dignidade humana”, afirma. O artigo 23 da norma define que é vedado ao médico “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”.

Redes sociais - Reprodução/Guinness World Records - Reprodução/Guinness World Records
Imagem: Reprodução/Guinness World Records

Comentário nas redes sociais

Apesar de o comentário ter sido feito dentro de um grupo fechado em uma rede sociais, Schweller considera que os profissionais da saúde precisam entender que esse tipo de fala acaba sendo também pública. “É fundamental que o médico seja cuidadoso e reflita antes de ter uma reação pública”, diz.

Prova disso é que, horas depois que os comentários foram feitos no grupo “MED IX” no WhatsApp, imagens com a reprodução das ofensas contra Marisa Letícia chegaram ao celular da médica Regina Ribeiro Parizi, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.

Não é só o nosso Código de Ética que não permite esse tipo de conduta, mas os de todos os profissionais da saúde, porque exigem respeito, confidencialidade e o trato adequado na apresentação e ao se referir ao caso de um paciente.”

?Regina Ribeiro Parizi, da Sociedade Brasileira de Bioética

Segundo ela, a posição dos médicos do grupo deveria ser considerada “inadmissível” mesmo em uma roda de conversa entre amigos.

“No juramento de Hipócrates [realizado pelos estudantes que concluem o curso de medicina], a questão central é a confidencialidade e o respeito ao paciente”, afirma. Ao ingressar na carreira, os médicos prometem não dar a ninguém “nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda”, segundo o juramento.

Médicos foram demitidos

No último dia 3, a Unimed de São Roque, no interior de São Paulo, decidiu demitir Richam Faissal Ellakkis. No dia anterior, a médica Gabriela Munhoz, acusada de divulgar detalhes sobre diagnóstico da ex-primeira-dama no WhatsApp, foi demitida do Hospital Sírio-Libanês --ela nega a dviulgação.

O Cremesp afirma que instaurou uma sindicância, que está sob sigilo, para investigar o vazamento dos exames e as ofensas que teriam sido praticadas pelos médicos que atuam no Estado de São Paulo.

“Para o Cremesp, o compromisso e a ética ante a saúde de cada um dos cidadãos colocam-se, sem distinções de qualquer natureza, sempre acima de interesses que não sejam fiéis à dignidade inviolável da pessoa doente junto aos seus entes queridos. Por conseguinte, o Cremesp lamenta a divulgação de qualquer exame, dado privativo e ofensas feitas a doentes em redes sociais.”

O Conselho Federal de Medicina preferiu não comentar as mensagens, já que, em caso de recurso, pode ter que se posicionar sobre a conduta dos profissionais citados.