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OMS indica aumento de casos de hepatite A transmitida em sexo homossexual

Da Agência Aids

21/07/2017 09h18

Dados recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde) alertam para o aumento mundial dos casos de hepatite A entre homens gays, bissexuais e homens que fazem sexo com homens. Os números já podem ser observados no Brasil, pois há um aumento expressivo dos casos de hepatite A na cidade de São Paulo: o salto foi de 63 casos, durante todo o ano de 2016, para 135 casos nos primeiros seis meses de 2017. Desses, segundo dados do Boletim Epidemiológico da Covisa (Coordenação de Vigilância em Saúde), 81% são do sexo masculino e 64% têm entre 18 e 39 anos.

Até o momento, a cidade registrou 18 casos por contato sexual desprotegido e 13 foram adquiridos por água e alimentos contaminados. Ainda 77% dos casos estão em investigação, mas a cidade já conta 2 óbitos por hepatite fulminante.

Doença infecciosa, aguda, causada pelo vírus VHA e eliminado pelas fezes, a hepatite A é transmitida por via oral-fecal, de uma pessoa infectada para outra saudável, através de alimentos ou da água contaminada. A transmissão sexual pode ocorrer com a prática sexual oral-anal (pelo contato da mucosa da boca com o ânus de uma pessoa infectada).

Na Europa, segundo a OMS, 15 países já registraram o surto da doença entre HSH no último ano: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Eslovênia, Espanha, Suécia e Reino Unido, totalizando 1.173 casos até 16 maio deste ano.

Fígado - Reprodução/memorialklinik - Reprodução/memorialklinik
Imagem: Reprodução/memorialklinik

Casos recentes

Um dos casos registrados na cidade de São Paulo é o do radialista Matheus Rossi, de 23 anos. Há cerca de um mês ele descobriu que era portador do vírus da hepatite A. “Estava febril, sem apetite e com dor no fundo dos olhos, então decidi procurar um médico, ele solicitou o exame de sorologia e logo recebi o resultado. Os sintomas da doença estavam avançados, meu fígado bastante prejudicado, até fiquei internado por cinco dias. Agora estou bem, mas desconfio que me infectei depois de uma relação sexual desprotegida”, contou.

O paulistano Rodrigo*, de 26 anos, descobriu mais recentemente, há 15 dias, depois de sentir mal-estar, um dia depois da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 19 de junho. Ele ficou indisposto e decidiu procurar um médico.

“Até pensei que era ressaca, bebi bastante na Parada, mas a minha pele estava amarela. No pronto-socorro me pediram o exame de sorologia e, claro, deu positivo para hepatite A. Eu não desconfiava, mas depois de muita reflexão cheguei à conclusão de que a infecção se deu após o sexo oral-anal sem proteção”, relatou. O que esses dois relatos têm em comum: os dois se dizem HSH.

Os infectologistas Valdez Madruga e Álvaro Costa, ambos do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo - serviço administrado pelo Estado, mas com sede na cidade de São Paulo, observaram na prática médica o aumento de casos de hepatite A entre HSH nos primeiros meses do ano. "De janeiro para cá já atendi seis casos, 4 deles são pessoas que participam ou participaram de pesquisas no CRT, um no ambulatório e outro no consultório, todos assumidamente gays", relatou Valdez.

Álvaro atendeu 5 casos em 2017, três são pacientes do CRT e dois são do consultório particular. "Está claro que a circulação do vírus aumentou mundialmente, as práticas sexuais têm se diversificado cada vez mais e ainda enfrentamos problemas de saneamento básico. ”

Hoje, a luta dos dois médicos é para que a vacina esteja disponível no SUS para todos, inclusive para os homens que fazem sexo com outros homens.

No Brasil, a imunização contra a hepatite A está disponível na rede pública para crianças de 1 a 2 anos. Ela foi introduzida no calendário nacional de vacinação em 1º de julho 2014 e também é recomendada para pessoas vivendo com HIV/aids, portadores crônicos de hepatite B e C e outras hepatopatias crônicas.

A boa notícia, segundo Valdez, é de que “no CRT, já conseguimos estender para todos os participantes do estudo PrEP Brasil. Mas o ideal seria disponibilizar para todos os HSH do país", defendeu.

A OMS recomenda a vacinação contra a hepatite A para grupos de alto risco, como viajantes para áreas endêmicas, HSH, usuários de drogas injetáveis e pacientes com hepatites virais.

Dr. Álvaro faz um alerta: “se houver alguma suspeita de ter contraído a doença, procure um médico rapidamente e peça o exame de sorologia. Evitar a contaminação oral fecal é fácil, a dica é consumir água potável, lavar as mãos com água e sabão antes de preparar ou comer alimentos, higienizar os alimentos crus antes do consumo, evitar alimentos produzidos em condições insatisfatórias ou de origem duvidosa. Além disso, usar preservativos é essencial para prevenir a infecção via sexual", completou Álvaro.

Sintomas

Valdez foi quem alertou a vigilância sanitária sobre o aumento da doença em São Paulo. De acordo com ele, os sinais e sintomas da hepatite A, geralmente, aparecem de 2 a 4 semanas após a infecção, pois esse é o período de incubação do vírus. "Os sintomas da doença são muito variados, semelhantes aos da gripe. O paciente pode apresentar fadiga, náusea e vômitos, dor ou desconforto abdominal, especialmente na área próxima ao fígado, perda de apetite, febre baixa, urina escura, dor muscular e icterícia [pele e olhos amarelos]. Nos pacientes com HIV, os sintomas são iguais."

Álvaro diz que a doença costuma durar menos de dois meses, mas pode chegar a seis. "Raramente pode apresentar uma forma grave, chamada fulminante, que pode levar a óbito rapidamente, mas é possível. Além disso, nem todas as pessoas com hepatite A desenvolvem sintomas, existem casos de infecção assintomática e outros podem passar despercebido."

Não há tratamento específico

Os dois médicos garantiram que não existe tratamento específico para a hepatite A. O próprio corpo se encarrega de se livrar do vírus. Na maioria dos casos, o fígado se cura completamente em um ou dois meses sem danos permanentes. Essa também foi a orientação que Matheus e Rodrigo receberam de seus médicos. Há, no entanto, formas de se acelerar a cura.

O tratamento, neste caso, pode ser baseado no manejo dos sintomas causados pela doença. "A recomendação é descansar, vale lembrar que o fígado é o órgão mais prejudicado pela hepatite A, por isso, evite a ingestão de álcool ou de medicamentos que podem prejudicar o fígado. Para pessoas com HIV, a recomendação é de que procure seu médico. Não é necessário interromper o tratamento antirretroviral", observa Valdez.

De acordo com a gerente da Covisa, Maria Dias Nakazaki, a Secretária Municipal de Saúde está alertando os profissionais sobre as importantes medidas de prevenção. Para evitar a exposição fecal-oral durante a atividade sexual, a prefeitura indica o uso de barreiras de látex durante o sexo oral e anal (camisinha adaptada, "dental dam", filme PVC); uso de luvas de látex para "dedar" e "fistar" e a lavagem de mãos, da região genital e anal antes e depois do sexo

Outra ação para frear o avanço da doença no estado de São Paulo é da coordenação Estadual de DST/Aids. No último mês, o órgão também emitiu uma nota técnica para chamar a atenção dos profissionais de saúde. "Em 2017, foram identificados 13 casos de hepatite A em Ribeirão Preto com as mesmas características da cidade de São Paulo. Vale ressaltar que não há registro de ocorrência de casos em 2016 em Ribeirão Preto", alerta o documento.

*Nome fictício para preservar a identidade do paciente