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Conhecimento ocupa espaço, mas esquecemos pouco, diz premiado por Unesco

Ivan Izquierdo, pesquisador sobre as memórias premiado pela Unesco - Camila Cunha/ASCOM/PUCRS
Ivan Izquierdo, pesquisador sobre as memórias premiado pela Unesco Imagem: Camila Cunha/ASCOM/PUCRS

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

26/07/2017 19h32

Você, assim como eu, deve ter crescido ouvindo os seus pais e professores dizendo que o conhecimento não ocupa espaço. Mas eles estavam enganados.

Segundo o neurocientista Ivan Izquierdo, é impossível guardar tudo o que vemos, ouvimos e sentimos. "As lembranças ocupam espaço bioquímico no cérebro, que, para aceitar novas memórias, precisa ter lugar vago. Nossa memória é como um balde de laranjas: quando se atinge o limite do recipiente, as frutas começam a cair. Simples assim", explica. 

Argentino naturalizado brasileiro, Izquierdo ganhou nesta semana o Prêmio Internacional para Pesquisa em Ciências da Vida 2017, da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Ele é o único brasileiro entre os três vencedores desta edição.

O coordenador do Centro de Memória do Instituto do Cérebro da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) recebeu o prêmio por suas descobertas na elucidação de mecanismos dos processos de memória, incluindo consolidação, recuperação e aplicação clínica em envelhecimento. 

Veja a seguir a íntegra da entrevista com Izquierdo, que falou sobre o funcionamento da memória:

UOL - A memória guarda fatos ou emoções?
Ivan Izquierdo - 
Tanto fatos como emoções são codificados pelo cérebro e se interligam entre si. A emoção, no entanto, tem uma influência gigantesca nas memórias. Por exemplo, todo mundo lembra exatamente onde estava --incluindo detalhes-- quando a imprensa noticiou a morte de Ayrton Senna. Eu sei exatamente onde estava quando fui noticiado do prêmio da Unesco, mas não sei onde estava no mesmo horário do dia anterior.

Muitas vezes lembramos coisas que queríamos esquecer e esquecemos outras que queríamos lembrar. Há algum método para controlarmos o que fica e o que jogamos fora de nossa memória?
Não. Esse é um processo realizado automaticamente pelo cérebro e que ainda não conseguimos entender completamente como é feito. O que se sabe é que ele prioriza sempre a nossa sobrevivência. Portanto, graças a Deus que não conseguimos ter esse controle, caso contrário certamente morreríamos.

Quer dizer, então, que o esquecimento é necessário para o homem?
Sim. Primeiro porque não podemos guardar tudo. Sem contar que é preciso esquecer para poder aprender, como já dizia o conto "Funes, o Memorioso", de Jorge Luis Borges. Funes era um indivíduo que tinha uma memória perfeita e podia se lembrar de um dia inteiro de sua vida. Mas, para guardar o conteúdo de um dia inteiro, precisava de um dia inteiro de sua vida. O que mostra a saturação do cérebro.

O que mostra que o ditado popular de que o saber não ocupa espaço é um mito, certo? 
Exatamente! É impossível guardar tudo o que vemos, ouvimos e sentimos em nossa memória. As lembranças ocupam espaço bioquímico no cérebro e, para aceitar nova memória, precisa de lugar vago. Nossa memória é como um balde de laranjas: quando se atinge o limite do recipiente, as frutas começam a cair. Simples assim.

Por que, com o tempo, a gente vai perdendo as memórias?
Diferentemente do que se imaginava no passado, a gente acaba não se esquecendo muito de nossas memórias, exceto mediante doenças como Alzheimer. Pensava-se que se perdia muito mais. Nós [os idosos] somos gente sábia.

Há outras formas, além do Alzheimer, que provocam a perda de memória?
Uma lesão cerebral, um sono prolongado e a falta de uso de determinadas memórias. Ou seja, se por um prolongado tempo eu não acessei a memória de um colega da escola, por exemplo, é provável que não me recorde dele caso o encontre novamente.

Há como recuperar memórias extintas?
É como uma nota de R$ 100 que você perdeu em sua própria casa. Você acha que perdeu, mas não, ela está lá, você só não se lembra de onde. Essas memórias --mais cedo ou mais tarde-- acabam sendo recuperadas. 

É possível moldar a memória das pessoas?
Sim, e os políticos são provas disso. Quando você ouve uma música, será mais fácil guardá-la quando alguém rasga elogios sobre ela do que quando alguém a detona. E, quando se fala com propriedade, é bem mais fácil convencer as pessoas. Como dizia o secretário de propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, basta você repetir qualquer coisa um número suficiente de vezes.

Há algum mecanismo para apagar memórias?
Apagar, não. É possível, no entanto, inibir a recordação de memórias traumáticas. Você inibe, por exemplo, a recordação de um desastre, de uma tortura ou de um acidente. Mas a memória do medo, apesar de desconfortável, é importante para nos manter vivos.