Topo

Roraima tenta evitar que surto venezuelano de sarampo chegue ao Brasil

Crianças venezuelanas brincam em abrigo montado em Boa Vista - REUTERS
Crianças venezuelanas brincam em abrigo montado em Boa Vista Imagem: REUTERS

Luis Kawaguti

Do UOL, em São Paulo

08/12/2017 04h00

A Secretaria da Saúde de Roraima está vacinando a população local e imigrantes para tentar evitar que um surto de sarampo que atinge a Venezuela cruze a fronteira brasileira. A ação ocorre no mesmo momento em que o Estado declarou situação de emergência social devido à onda de imigração do país vizinho que se intensificou há dois anos.

O vírus do sarampo já não circula no Brasil desde que um surto atingiu o Estado do Ceará entre 2013 e 2015. Mas a doença está presente na Venezuela, onde a Organização Pan-Americana da Saúde documentou ao menos 38 casos nos últimos meses.

Daniela Sousa, coordenadora Geral de Vigilância em Saúde do governo de Roraima, disse ao UOL que, embora nenhum caso tenha sido registrado no Estado, existe o risco de que o sarampo venha parar em território brasileiro trazido por imigrantes.

Acredita-se que cerca de 30 mil venezuelanos tenham deixado seu país fugindo da crise para viver em Roraima nos últimos dois anos.

A cidade de fronteira Pacaraima tem grande quantidade de venezuelanos - William Urdaneta/Reuters - William Urdaneta/Reuters
A cidade de fronteira Pacaraima tem grande quantidade de venezuelanos
Imagem: William Urdaneta/Reuters

Vacinação para saúde pública

Segundo Jessé Reis Alves, médico infectologista e supervisor do Ambulatório de Medicina do Viajante do Hospital Emílio Ribas de São Paulo, a resposta das autoridades para o risco de entrada de doenças no Brasil deve ser manter a população vacinada, mas sem estigmatizar o imigrante.

"A primeira coisa que muita gente pensa é que os imigrantes vão trazer doenças, mas isso não é verdade. As migrações em massa que estão acontecendo no mundo não causaram epidemias ou grandes surtos de doenças", disse.

Mas, segundo ele, ao mesmo tempo o imigrante é um viajante fragilizado, que pode passar muito tempo viajando sem recursos e acabar exposto a doenças.

Por isso, em sua opinião, o imigrante deve ser rapidamente acolhido no sistema de saúde nacional.

Roraima recebeu 25 mil doses da vacina tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) e desde o último fim de semana está vacinando crianças, imigrantes e grupos da sociedade considerados de risco para o sarampo.

Em paralelo, o Estado declarou situação de emergência social desde o último dia 4 — por causa da imigração contínua nos últimos dois anos, não devido a um aumento recente do fluxo. O objetivo é obter recursos federais não só para a área da saúde, mas para a assistência social e o combate à criminalidade.

Difteria e malária

De acordo com Daniela, da Secretaria de Saúde de Roraima, não há muitas informações de saúde disponíveis sobre a Venezuela. Mas estima-se que a atual crise e a falta de recursos que assolam o país vizinho tenham contribuído para a disseminação de doenças como a malária, a difteria e arboviroses, como a zika e a chikungunya.

O sarampo e a difteria, doenças que não circulam mais no Brasil, podem ser evitados com a vacinação da população.

"Estamos trabalhando muito com os taxistas que fazem o trajeto da região de Pacaraima (na fronteira com a Venezuela) e a capital Boa Vista, pois eles trazem muitos imigrantes e podem ter contato com essas doenças", disse.

Segundo Daniela, o foco principal da iniciativa é imunizar as crianças e a população local de Roraima contra o sarampo.

Também estão recebendo atenção os imigrantes venezuelanos instalados em três grandes abrigos de Roraima e até cidadãos da Venezuela que cruzam a fronteira para obter assistência médica e se tratar dessas doenças em território brasileiro.

As autoridades de saúde estão até monitorando redes sociais para tentar identificar o eventual aparecimento dessas doenças na população local.

Vacinação

A vacinação dos imigrantes que não estão em abrigos é mais complicada pois é necessário aplicar duas doses da vacina, com um intervalo de tempo. Segundo Daniela, como muitos não têm endereço fixo é difícil aplicar a segunda dose.

Ela afirmou que há em teoria um risco de que eventuais casos de sarampo, difteria ou malária originados na Venezuela cheguem não só a Roraima, mas a outros Estados do Brasil devido à atual onda migratória.

Segundo Alves, o médico infectologista, a melhor forma de evitar surtos e epidemias de sarampo ou difteria é reforçar a vacinação. A cobertura vacinal geral no Brasil é razoável, mas varia de Estado para Estado. "Em alguns ela é muito elevada e em outros fica abaixo do desejável", disse ele.

Segundo dados de 2016, a segunda dose da vacina tríplice viral atingiu 76% da população em idade de vacinação. Porém , o ideal é que essa percentagem seja de 95%.

"O surto só vai acontecer do nosso lado (da fronteira) se as crianças não estiverem vacinadas", disse.

No início de 2017, mais de 1.500 casos de sarampo foram registrados em 14 países da Europa devido a problemas em campanhas de vacinação, segundo o Centro Europeu para a Prevenção e Controle de Doenças.

Entre esses países estavam Itália, Romênia, Espanha, e Alemanha.

venezuelanos - Nacho Doce/Reuters - Nacho Doce/Reuters
Imagem: Nacho Doce/Reuters

Emergência social

Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros e coordenador da Defesa Civil de Roraima, coronel Doriedson Ribeiro, a situação de emergência social foi decretada no fim de semana e deve durar 180 dias.

Ele afirmou que o Estado está se esforçando para fornecer apoio para todos os imigrantes, mas a rede de saúde e assistência social do Estado ficou sobrecarregada e os cidadãos locais começam a enfrentar problemas de atendimento.

"A situação só tende a se agravar, por isso estamos medindo o apoio do governo federal", disse.

"Tivemos até um aumento da natalidade, porque as venezuelanas estão vindo fazer partos aqui. (Há unidades) em que fazíamos 30 partos por mês e agora estamos fazendo 180", conta Daniela.

Segundo Ribeiro, o Estado também quer mais recursos devido ao aumento da população de rua e da criminalidade supostamente provocados pela imigração.