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MP investiga corrupção no RS com vereadores, médicos e fura-fila do SUS

Sala de medicação inaugurada em 2017 no Pronto Atendimento Dr Solon Tavares, em Guaíba: MP apura possível superfaturamento na gestão da unidade, terceirizada pela prefeitura - Prefeitura de Guaíba / Divulgação
Sala de medicação inaugurada em 2017 no Pronto Atendimento Dr Solon Tavares, em Guaíba: MP apura possível superfaturamento na gestão da unidade, terceirizada pela prefeitura Imagem: Prefeitura de Guaíba / Divulgação

Luciano Nagel

Colaboração para o UOL, de Porto Alegre

04/05/2018 16h30

Uma investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul apura indícios de fraudes na saúde municipal de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Estão sob suspeita 14 contratos firmados entre 2014 e 2017, diplomas de 27 pediatras e até a fila de atendimentos na rede pública. 

Por conta das investigações, na última semana foram afastados por 120 dias os secretários municipal de saúde (Itamar da Costa) e de administração (Leandro Jardim); dois vereadores - Renan Pereira (PTB), presidente da Câmara Municipal de Guaíba, e Bento da Silva (MDB), além de seis funcionários da Comissão Municipal de Licitações. Eles são suspeitos de direcionar concorrências públicas e inflar contratos, causando prejuízo estimado em R$ 5 milhões aos cofres públicos.

"Eles atuavam para favorecer seis empresas, para que elas ganhassem certames licitatórios ou dispensas de licitação. Ao fim, havia um rodízio, mantendo as mesmas pessoas prestando serviços”, disse à reportagem o promotor João Beltrame, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).

Segundo o promotor, as investigações apontaram que a instituição contratada por dispensa de licitação para gerenciar o Pronto Atendimento Municipal Doutor Solon Tavares subcontratou uma empresa fantasma, de propriedade do presidente da Câmara dos Vereadores. "Essa empresa não tem funcionários. Acreditamos que ela é utilizada para que o vereador receba, sem que haja qualquer prestação de serviços", disse o promotor.

A Justiça do Rio Grande do Sul determinou a suspensão do contrato, além do bloqueio de bens e valores de 30 pessoas ligadas às seis empresas investigadas.

Em nota ao UOL, o prefeito de Guaíba, José Sperotto, disse "colaborar com tudo o que for necessário. Não é preciso mandado para entrar aqui na prefeitura, pois tudo está aberto e à disposição para todo tipo de esclarecimento". Sperotto diz ainda que confia nos seus funcionários "até que se prove o contrário".

Diplomas na mira

Outra frente de investigação mira títulos de pediatria de 27 profissionais atuavam na rede - todos com contratos atualmente cancelados, também por decisão da Justiça. 

Conforme relato de Beltrame, esses médicos não tinham residência em pediatria, ou título de especialista reconhecido pela Associação Brasileira de Pediatria. Deveriam, portanto, ter sido contratados como clínicos gerais em vez de pediatras - que recebem salários até 70% maiores, segundo os relatórios obtidos pelo Ministério Público.

Dentre os envolvidos no esquema, está o próprio presidente da Câmara de Vereadores de Guaíba, eleito como "Dr Renan". Vereador mais eleito na história de Guaíba, com 2.125 votos, ele é acusado de se apresentar como pediatra, tendo sido aprovado em diversos concursos públicos no interior do Rio Grande do Sul, sem a devida especialização.

"Ele é médico não especialista. Ele até pode exercer a pediatria, mas não pode fazer concursos públicos ou ter empregos em que se exige a presença de um especialista, porque ele não é. Inclusive há outras cidades em que Santos atuou como pediatra e que o Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) está investigando”, disse o presidente do conselho, Fernando Matos.

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Pelo menos quatro desses médicos que se apresentavam como pediatras têm títulos expedidos pela Facinepe, atualmente sob investigação da Polícia Civil do Rio Grande do Sul por suposta emissão de diplomas falsos. 

Por sua página em uma rede social, Renan se defendeu, dizendo que "mais de 30 mil pessoas já fizeram pós-graduação nessa instituição". "Se a instituição tem algum problema, eu sou vítima", escreveu.

Atendimentos sob suspeita

Diante das irregularidades surgidas durante as investigações, começaram a surgir dúvidas sobre o serviço médico oferecido nas unidades de saúde da cidade. Quatro atendimentos que terminaram em mortes estão sob investigação do MP.

Em um dos casos, de fevereiro, um menino de cinco anos morreu dois dias depois de pisar em um prego. Luis Ribeiro foi levado a uma unidade de emergência, atendido por um dos pediatras de formação questionada, e liberado para casa. Pouco tempo depois, voltou ao posto de saúde, piorou e morreu.

No atestado de óbito emitido, o profissional relata morte de "causa indeterminada". O Instituto Médico Legal (IML) de Porto Alegre analisa o caso e ainda não emitiu o laudo oficial, segundo a Secretaria de Saúde de Guaíba.

"Apuramos que houve erro médico. Ainda não sabemos se houve negligência ou imperícia, mas sabemos que o procedimento não foi o correto", disse o promotor à frente do caso.

Fura-fila no SUS

As investigações do Ministério Público também apontaram indícios de favorecimento a pacientes indicados pelos vereadores Bento da Silva e por Renan Santos, que teriam agendamento de consultas médicas com mais agilidade do que os outros.

Em troca, os parlamentares exigiriam votos dos pacientes favorecidos.

Outro Lado

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do vereador Bento da Silva disse que o caso está sob análise do advogado e que não se manifestaria. Renan não atendeu aos telefonemas da reportagem.