Brasileiros identificam método para barrar transmissão da doença de Chagas
Pesquisadores do Rio de Janeiro descobriram uma forma de bloquear a transmissão do parasita causador da doença de Chagas usando uma droga que impede a saída dele do intestino do barbeiro, inseto vetor da doença.
A descoberta, publicada no jornal "Plos Neglected Tropical Diseases" no mês passado, é o resultado de mais de dez anos de estudos que uniram esforços da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), UFF (Universidade Federal Fluminense) e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
"O grande achado do nosso trabalho foi mostrar que, ao interferir nesse processo, o barbeiro não consegue se reproduzir nem consegue transmitir o parasita da doença de Chagas, o Trypanosoma cruzi”, diz o pesquisador Marcus de Oliveira, da UFRJ.
O barbeiro se alimenta de sangue e o processo que ele usa para digeri-lo é muito específico. Ele libera um ácido que "divide o sangue em pedaços", chamados de heme. O heme é alimento para as células do barbeiro, mas, quando é produzido em grande quantidade, se torna tóxico.
Por isso acontece um mecanismo de defesa, uma reação química que transforma o excesso de heme em pedrinhas, os cristais de hemozoína.
Normalmente, esses cristais são eliminados nas fezes e carregam o parasita causador da doença de Chagas.
A descoberta dos pesquisadores foi usar uma droga para impedir a formação desse cristal. Assim, os efeitos tóxicos do heme se espalham pelo corpo do barbeiro.
Essa intoxicação do inseto teve duas consequências no laboratório: impediu que o parasita saísse do intestino, ou seja, fosse transmitido pelas fezes. Além disso, evitou a contaminação dos ovos da fêmea do barbeiro com o Trypanosoma cruzi e reduziu a quantidade de ovos que ela colocou.
"Com isso, o Trypanosoma cruzi não consegue atravessar a barreira do intestino e fica restrito no tubo digestivo", diz Oliveira.
O resultado foi ligeiramente diferente nas duas colônias estudadas, mas ambas obtiveram perto de 100% de eficácia.
A droga usada no estudo foi a quinindina, que faz parte do coquetel para tratamento da malária e também é usada para tratar algumas doenças do coração.
"A gente escolheu essa droga porque ocorre de forma eficaz a inibição da cristalização de heme. Ela é muito potente", diz Caroline Ferreira, pesquisadora do mesmo laboratório na UFRJ.
Na concentração usada, a quinindina é tóxica ao ser humano. Pode afetar o sistema nervoso central, tubos cardíacos, causar mudanças no eletrocardiograma, arritmia, depressão respiratória e problemas hepáticos.
Por isso, os pesquisadores enfatizam que a utilização desse processo como solução para eliminar a doença depende do teste de outras drogas menos nocivas, o que poderia ocorrer com uma parceria com algum laboratório privado.
A doença de Chagas é considerada uma doença tropical negligenciada, pois atinge principalmente populações pobres. Isso faz com que tratamentos e ações preventivas recebam pouca atenção da indústria farmacêutica.
Costuma ocorrer no continente americano, principalmente na América Latina. A OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula que cerca de 7 milhões de pessoas estão infectadas no planeta.
Estudo recente da USP (Universidade de São Paulo) mostrou que a doença de Chagas é subnotificada no país em 42%.
No Brasil, de acordo com dados preliminares do Ministério da Saúde, em 2017, foram confirmados 358 casos de doença de Chagas aguda (DCA). Em 2016, foram 374 casos e, em 2015, 268 casos.
Neste período, 88% dos casos foram registrados no Pará --sendo 74% por transmissão oral, ou seja, ingestão de algum alimento processado juntamente com o inseto, e não pela picada do barbeiro.
Pessoas afetadas por duas outras duas doenças consideradas negligenciadas provavelmente seriam beneficiadas com a descoberta. Como o barbeiro, o parasito da malária e da esquistossomose também digerem o sangue com um processo de cristalização.
"Vai depender do trabalho com grupos da química orgânica e da farmacologia para desenhar compostos que reduzam efeitos tóxicos em células de mamíferos", diz Oliveira.
Ele mesmo já fez parcerias com a Universidade do Cabo, na África do Sul, que é uma referência mundial no tratamento da malária.
"Academicamente, a gente pode explorar esse processo de uma outra maneira, a gente pode entender a biologia do inseto, interação com parasito. Mas, para o salto tecnológico daqui para a frente, é absolutamente necessária a parceria com a indústria."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.