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Tipo mais grave de leishmaniose cresce 53% em 26 anos Brasil

Mosquito-palha costuma ser o transmissor do protozoário da leishmaniose em áreas urbanas - CDC
Mosquito-palha costuma ser o transmissor do protozoário da leishmaniose em áreas urbanas Imagem: CDC

Edison Veiga

Colaboração para o UOL em Milão (Itália)

06/09/2018 15h00Atualizada em 06/09/2018 16h35

Entre 1990 e 2016, a incidência de leishmaniose visceral entre brasileiros aumentou 52,9%, aponta estudo desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O Brasil responde por 96% dos casos ocorridos em toda a América –a Organização Mundial da Saúde estima que são 400 mil novos casos da doença por ano, em todo o mundo.

A leishmaniose visceral é a forma mais grave da doença. Causada por protozoários parasitas e transmitida pela picada de alguns tipos de insetos, a leishmaniose pode ocorrer de três maneiras diferentes. Na cutânea, o doente apresenta lesões na pele. Na mucocutânea, as feridas também podem surgir nas mucosas da boca e do nariz. A forma visceral geralmente começa com essas mesmas feridas, mas o quadro evolui para febre, número reduzido de hemácias e um aumento de volume do baço e do fígado.

"Costuma ter alta mortalidade", disse ao UOL a bióloga Juliana Maria Trindade Bezerra, pós-doutoranda em parasitologia, pesquisadora do Laboratório de Epidemiologia das Doenças Infecciosas e Parasitárias da UFMG e principal autora do estudo publicado nesta quinta-feira (6) no periódico PLOS.

Pobreza, desnutrição, desmatamento e urbanização descontrolada são apontadas como fatores para a propagação da leishmaniose. Conhece-se mais de 20 espécies diferentes de protozoários do gênero Leishmania que afetam humanos.

3,2 mil casos do tipo mais grave no país

Para compreender a gravidade da situação, Bezerra utilizou dados estatísticos desde 1990 –assim, quantificou e comparou a magnitude da perda de saúde devido a doenças em todo o mundo. "É um cálculo complexo", explica. "Acontece que durante a nossa vida temos determinados períodos ou episódios de incapacidade por uma doença ou lesão, por exemplo. Considerando a expectativa de vida da região, calculamos assim os anos de vida perdidos por conta disto. Também entram na conta os casos de morte prematura."

Segundo a pesquisadora, em geral a leishmaniose visceral acarreta perda de mais anos de vida por conta de morte prematura, justamente pela alta letalidade da doença – 7,4% dos casos terminam em morte. "Os outros tipos têm baixíssima mortalidade, mas causam mais incapacidade. As lesões deixam as pessoas afastadas do seu convívio no trabalho e na família", comenta Bezerra.

No geral, a taxa de leishmaniose no Brasil diminuiu 48,5% no período analisado, mas os anos de vida perdidos por incapacidade, aumentaram 83,5%. Isto porque, no período, houve um aumento de 52,9% na incidência da leishmaniose do tipo visceral, enquanto os outros tipos tiveram queda.

De acordo com dados do Ministério da Saúde do Brasil, em 2016, último ano da pesquisa, foram 3,2 mil casos de leishmaniose visceral no País, contra pouco mais de 12 mil casos dos outros dois tipos.

O estudo comprovou, portanto, que, ao longo dos anos, a leishmaniose visceral aumentou e os outros tipos diminuíram, no Brasil. "Não há uma explicação pontual para o aumento do número de casos justamente do tipo mais grave", afirma a pesquisadora. "Uma série de fatores ecológicos, ambientais, sociais, poderiam estar envolvidos nisso. Mas apontar as causas não é o objetivo do estudo e não teríamos segurança para assegurar isso sem a realização de outra metodologia de análise e mais estudos aprofundados para essa temática."

"O certo é que nosso estudo instiga a necessidade da realização de estudos para verificar esse aumento e diminuição", complementa. "Muito ainda precisa ser estudado a respeito das doenças negligenciadas. Estamos aos poucos, despertando para esse universo."

Expansão no meio urbano

"O aumento de casos de leishmaniose visceral no Brasil destaca a necessidade de avaliação constante das medidas de prevenção e controle da doença", diz a pesquisadora.

Os dados ainda mostram que a maior incidência da doença, em sua modalidade visceral, ocorre nas regiões Nordeste e Sudeste do País – por conta, segundo os pesquisadores da “urbanização da doença, a partir dos anos 1990”. “Os maiores valores de anos de vida perdidos por incapacidade para a leishmaniose cutânea e monocutânea foram verificados na região Norte, devido às condições ecológicas, sociais e migratórias, que favorecem a ocorrência dessas formas clínicas no País”, diz a bióloga.

Apesar do aumento, a pesquisadora não acredita em um cenário de surto da doença no País. “É difícil predizer a ocorrência de surtos para as leishmanioses, considerando o ciclo epidemiológico que essas doenças apresentam que é diferente do de uma doença sazonal como a dengue”, ressalta. “O que nós observamos, no entanto, é que para a leishmaniose visceral está ocorrendo um processo de expansão, geralmente no meio urbano. Isso significa dizer que cidades anteriormente sem a ocorrência de casos, considerando o passar do tempo, começam a apresentar notificações da doença. Já para as formas cutânea e mucocutânea, deve-se considerar que existem diferentes espécies de parasitas e vetores envolvidas na transmissão. Isso significa que essas últimas formas têm comportamentos diferenciados em regiões diversas do país.”

Números

Para o estudo, os pesquisadores usaram dados disponibilizados pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), um centro independente de pesquisa em saúde da Universidade de Washington. “O instituto é responsável pela coordenação e desenvolvimento do estudo Global Burden of Disease (GBD), que representa por sua vez um esforço sistemático e científico para quantificar a magnitude comparativa da perda de saúde decorrente de doenças, lesões e fatores de risco por idade, gênero e geografia para pontos específicos do tempo”, contextualiza Bezerra.

"O Ministério da Saúde do Brasil, no sentido de impulsionar o uso do dado e a utilização de novas métricas em saúde, aderiu à rede de estudos do GBD, inserindo o Brasil nas estimativas e análises da doença em nível subnacional. Atualmente o GBD Brasil conta com a participação de vários pesquisadores e técnicos do Ministério da Saúde, com o objetivo de dar apoio metodológico e avaliar as estimativas do referido estudo, em nível nacional, auxiliando na compilação e análise da carga de doenças no país e em suas unidades federativas."