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Em SP, 7 em cada 10 médicos sofrem agressões, ameaças e xingamentos

Imagem de arquivo mostra corredor de hospital público; violência contra médicos é maior no SUS - Giovanni Bello/Folhapress
Imagem de arquivo mostra corredor de hospital público; violência contra médicos é maior no SUS Imagem: Giovanni Bello/Folhapress

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

13/09/2018 04h01

A médica obstetra M.S.L testemunha diariamente casos de violência no grande hospital público onde trabalha há 26 anos. Da última vez em foi agredida, saiu arranhada depois de agarrada pelo colarinho. Casos como o dela são mais comuns do que se imagina: sete em cada 10 médicos já sofreram alguma agressão, ameaça ou xingamento em hospitais do estado de São Paulo segundo pesquisa da Associação Paulista de Medicina.

“Eu estava no pronto-socorro quando uma mulher queria passar a filha na frente para internação”, conta M.S.L, que pede sigilo por medo de represália. “Ela me pegou pelo cangote, me arranhou toda. Chamamos a polícia, que a escoltou de camburão.”

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O estudo informa que a maioria das agressões é verbal (70%), como xingamentos e ofensas. Ataques físicos correspondem a 15% dos casos, enquanto as ameaças chegam a 12%.

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Os familiares dos pacientes respondem por 50% das agressões, enquanto os doentes se comportaram violentamente em 43% das vezes. Sob anonimato, um médico garante que foi ameaçado porque “o indivíduo queria que eu operasse a mãe, uma paciente terminal, em coma”.

Com 32% dos casos, a “demora no atendimento ao paciente” é a principal motivação para a violência. Em seguida, surgem “paciente discordou do atestado” (21%), “desentendimento com colega” (6%) e “outros” (40%).

O estudo menciona ainda violência de pacientes que pediram encaminhamento, procedimento ou exame que os médicos julgaram desnecessários. Outros provocam conflito quando tentam cortar filas. Um médico conta que um homem partiu para violência depois de exigir atendimento imediato para a esposa, “embora outras pessoas aguardassem há mais de uma hora”.

A maioria das agressões ocorre em alguma unidade do SUS (Sistema Único de Saúde): 70% dos casos (41% em hospitais e 29% em postos de saúde). Já 22% dos episódios foram registrados em hospitais privados e outros 6% em consultórios particulares.

Impunidade

Apesar do cotidiano de violência, poucos médicos formalizam denúncia. Mais da metade não registrou qualquer queixa. Desses, 10% acham que isso poderia prejudica-los. M.S.L preserva seu nome por também temer o empregador. “Se um paciente processa o Estado, nós é que corremos o risco de sofrer um processo administrativo e exoneração.”

A médica, que trabalha em um pronto-socorro obstétrico, conta que nem sempre a internação é possível em razão de infecção hospitalar. “O hospital quer que a gente invente um motivo para não internar e não revele a existência da infecção. Colocam na conta do médico, que precisa lidar com os descontentes.”

O grupo de 509 médicos entrevistados afirma que em apenas 7% dos casos o infrator é punido, na maioria das vezes com advertência e multas. Há agressores que foram detidos ou encaminhados para trabalho comunitário e usuário que foi desligado do plano de saúde.

Quando questionados se continuaram trabalhando nos locais em que foram agredidos, 35% dos profissionais responderam que sim, por não terem outra opção. A maioria (55%) garante que superou o acontecido, enquanto 8,9% mudaram de emprego imediatamente.

Para piorar, as unidades de saúde também são omissas, diz a pesquisa. Mais de 44% dos entrevistados continuam testemunhando violência no local de trabalho, enquanto 7,8% dizem que a agressão que sofreram foi um caso isolado.

Presidente da Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral diz que os médicos acabam confundidos com o próprio sistema de saúde. “Nós, médicos, somos vistos como responsáveis pelo atendimento em todas as suas dimensões”, diz. “Ocorre que também atribuem a nós, equivocadamente, mazelas provocadas por má administração, falta de recursos e o descompromisso de uma parcela de maus políticos e gestores.”