Descoberta de zika em macacos sugere que doença pode ter ciclo silvestre
O vírus da zika foi encontrado em carcaças de macacos nas cercanias de São José do Rio Preto (SP) e de Belo Horizonte. Esses macacos haviam sido mortos a tiros ou pauladas pelas populações locais, quando se suspeitou que pudessem estar acometidos por febre amarela. Não estavam, mas a infecção por zika fez com que adoecessem e se tornassem mais vulneráveis ao ataque humano.
"Se o ciclo silvestre for confirmado, isso muda completamente a epidemiologia da zika, porque passa a existir um reservatório natural a partir do qual o vírus pode reinfectar muito mais frequentemente a população humana”, disse Maurício Lacerda Nogueira, professor na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e coordenador do estudo.
O vírus da zika já havia sido encontrado em macacos habituados à presença humana no Ceará. Mas agora é a primeira vez em que ele é claramente identificado no contexto da epidemia. Artigo a respeito, assinado por Nogueira e pesquisadores de diversas instituições, acaba de ser publicado na Scientific Reports, do grupo Nature.
A descoberta indica que existe o potencial de um ciclo silvestre para a zika no Brasil – a exemplo do que ocorre com a febre amarela
Maurício Lacerda Nogueira, coordenador do estudo
“Durante a epidemia de febre amarela, percebemos que havia muitos macacos mortos – não pela febre amarela, mas pela ação das populações humanas, temerosas do contágio. Foram mortos a tiros, pauladas ou mordidos por cachorros. Quando saudáveis, esses primatas – principalmente saguis (Callithrix sp.) e micos (Sapajus sp.) – são muito difíceis de capturar. Pensamos então que, se estavam sendo mortos com facilidade, era porque poderiam estar doentes. Não com a febre amarela, que lhes é fatal, mas com alguma outra doença que, sem matar, os deixava mais fracos e vulneráveis”, disse Nogueira.
Os pesquisadores analisaram carcaças dos animais e verificaram que estavam infectadas pelo zika, tanto em São José do Rio Preto como em Belo Horizonte. O sequenciamento completo mostrou que o vírus era muito parecido com aquele que estava infectando os humanos. Mais uma evidência foi o fato de que, nos locais onde foram encontradas as carcaças, os pesquisadores coletaram, na mesma semana, mosquitos infectados por zika.
“Para levar adiante o estudo, induzimos infecção experimental por zika em macacos vivos. E a inoculação dos vírus provocou viremia [presença de vírus no sangue]. Os macacos tiveram alteração de comportamento, confirmando nossa hipótese inicial de que a infecção os teria tornado mais suscetíveis a serem capturados e mortos”, disse Nogueira.
Ciclo da febre amarela
A infecção natural e experimental de macacos com zika indica que esses animais podem ser hospedeiros vertebrados na transmissão e circulação do vírus em ambientes tropicais urbanos. Mas o artigo agora publicado destaca que “mais estudos são necessários para entender o papel que eles podem desempenhar na manutenção do ciclo urbano do vírus zika e como eles podem ser um canal no estabelecimento de um ciclo de transmissão enzoótica [em animais não humanos] na América Latina tropical”.
“Como a febre amarela nos mostrou, doenças epizoóticas [que ocorrem ao mesmo tempo em vários animais de uma mesma área geográfica] serão sempre fonte de epidemias entre humanos, mesmo após um possível controle e erradicação do ciclo de transmissão urbana por meio do desenvolvimento de contramedidas bem-sucedidas (vacinas e antivirais, por exemplo). É um fator fundamental que deve ser levado em conta pelos responsáveis por políticas públicas e pelo setor de saúde, bem como por desenvolvedores de vacinas”, disse Nikos Vasilakis, professor no Centro de Doenças Tropicais da UTMB, e um dos autores principais do artigo agora publicado.
O vírus da zika apareceu originalmente em macacos na África. Esporadicamente, saía das florestas e infectava populações humanas. Quando se propagou da África para a Ásia, o vírus passou a circular somente entre humanos. E, aparentemente, manteve essa característica quando se instalou nas Américas – o que sugeria um ciclo semelhante ao do vírus da dengue.
Mas a nova descoberta sugere uma outra epidemiologia possível, mais parecida com a da febre amarela. Se essa epidemiologia for confirmada, o combate à zika poderá ser muito mais árduo do que se supunha.
“Nossas observações terão implicações importantes na compreensão da ecologia e da transmissão de zika nas Américas. Embora este seja um dos primeiros passos no estabelecimento de um ciclo de transmissão entre primatas não humanos no Novo Mundo e mosquitos arbóreos, as implicações são enormes, pois é impossível erradicar esse ciclo de transmissão”, disse Vasilakis.
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