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Butantan faz parceria com americana para produzir vacina contra a dengue

Marco Antonio Zago, secretário da Saúde de São Paulo (centro) assina acordo de parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica americana MSD - Fernando Cymbaluk/UOL
Marco Antonio Zago, secretário da Saúde de São Paulo (centro) assina acordo de parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica americana MSD Imagem: Fernando Cymbaluk/UOL

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

12/12/2018 13h52Atualizada em 13/12/2018 10h59

O Instituto Butantan e a farmacêutica americana MSD assinaram nesta quarta-feira (12) acordo de parceria para pesquisa e produção da vacina contra a dengue. Com o acordo, o Butantan irá fornecer informações sobre o imunizante que está em fase final de testes no Brasil e poderá receber até US$ 101 milhões.

A cepa da vacina que é foco da parceria foi desenvolvida pelo NIH (Institutos Nacionais de Saúde), do governo dos EUA. O Instituto Butantan, laboratório ligado ao governo do Estado de São Paulo, e a MSD trabalham em vacinas contra a dengue que usam a mesma cepa, mas a do Butantan está em estágio mais avançado.

Em maio deste ano, o Butantan adquiriu a patente para produção da vacina nos EUA. O fármaco está sendo testado com 17 mil voluntários em 14 centros de pesquisa espalhados pelo Brasil. Uma fábrica para a produção da vacina está em construção na dependências do Butantan. "No fim do ano que vem vamos estar produzindo. A distribuição depende do término dos testes clínicos. Isso não é esperado para o ano que vem", disse Dimas Tadeu Covas, diretor do Instituto Butantan, após a cerimônia de assinatura do acordo.

A assessoria do órgão explicou que a fábrica da vacina ainda precisará passar por aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e que a expectativa é de que isso ocorra até o fim de 2019. A produção da vacina na fábrica do Butantan não significa que ela já poderá ser disponibilizada para a população. Isso porque a comercialização e distribuição dependem do fim dos estudos clínicos, o que não possui prazo definido. Covas explicou que diversos fatores podem esticar o prazo de finalização dos estudos, como a ocorrência de baixa incidência da dengue no próximo ano, o que dificultaria o término da avaliação sobre a eficácia do imunizante no combate à doença. 

No acordo de troca de conhecimentos firmado entre Instituto Butantan e MSD, a farmacêutica americana poderá acelerar seu processo de desenvolvimento do imunizante com as informações sobre os ensaios clínicos realizados pelo Butantan. O laboratório público brasileiro receberá pagamento antecipado de US$ 26 milhões e poderá receber mais US$ 75 milhões com novos marcos relacionados ao desenvolvimento da vacina, além de ter acesso a dados de testes da vacina em regiões do mundo onde a gigante farmacêutica atua, como países asiáticos.

A partir do momento em que os ensaios clínicos dos dois laboratórios estiverem no mesmo estágio, cada um poderá produzir sua própria vacina, ficando em aberto a realização de novas parcerias. O Butantan continuará responsável pela fabricação e comercialização de sua vacina no Brasil. No futuro, o Butantan poderá receber royalties sobre as vendas da vacina da MSD no exterior.

O Butantan já possuía parcerias com a MSD para transferência de tecnologia para a produção de vacinas contra HPV e hepatite A. Mas ao contrário da atual parceria, foi a farmacêutica americana que forneceu informações e conhecimento sobre a produção de imunizantes para o laboratório público brasileiro nos casos anteriores.

"Essa é a primeira transferência com esse perfil feita entre um instituto brasileiro e uma empresa farmacêutica global no desenvolvimento de uma vacina. A relação se inverteu, antes era Norte-Sul, agora é Sul-Norte", disse Dimas Tadeu Covas, diretor do Instituto Butantan. Para Roger Perlmutter, presidente global de pesquisa clínica da MSD, o acordo "reflete o tremendo progresso que os cientistas e médicos do Instituto Butantan fizeram até agora". 

Corrida pela vacina contra a dengue

Há hoje uma corrida entre laboratórios públicos e privados para desenvolver uma vacina segura e eficaz contra a dengue, a ser produzida em larga escala. Há quatro sorotipos do vírus da dengue, que são transmitidos pela picada do mosquito Aedes aegypti. A doença é endêmica em mais de 110 países diferentes, principalmente em regiões tropicais da Oceania, África, Caribe e América.

Quem é infectado por um dos quatro sorotipos do vírus fica imunizado contra aquele determinado sorotipo, podendo contrair a doença se contaminado pelos outros três. A segunda infecção pela doença tende a ser mais grave. 

A primeira vacina do tipo a chegar ao mercado foi a Dengvaxia, da empresa francesa Sanofi Pasteur, que acabou sendo contraindicada para quem nunca teve dengue na vida. A vacina é recomendada pela Anvisa e pela OMS (Organização Mundial da Saúde) apenas para pessoas que já tiveram exposição prévia ao vírus. Para esse público, a eficácia global é de 76%. Ela está disponível em laboratórios privados no Brasil e foi utilizada em campanha pública de vacinação no Paraná.  

As vacinas da japonesa Takeda e do Instituto Butantan (feita a partir da cepa da NIH) são as que estão em fase mais adiantada de testes. Ambas prometem superar a Dengvaxia oferecendo proteção mais eficaz e sem contraindicações.

Vacina do Butantan está em estágio adiantado

A vacina do Instituto Butantan é feita com vírus atenuados e protege contra os quatro tipos existentes da doença. Dados preliminares indicam que a vacina do Butantan é segura para pessoas de 2 a 59 anos, inclusive as que nunca tiveram a doença anteriormente, induzindo o organismo a produzir anticorpos de maneira equilibrada contra os quatro sorotipos.

De acordo com Alexander Preciso, diretor de Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância no Instituto Butantan, a eficácia esperada da vacina é de mais de 80% e seria garantida com apenas uma dose. Os estudos definitivos, contudo, ainda não foram concluídos.

O desenvolvimento da vacina no Brasil já teve investimento no Brasil de R$ 224 milhões, oriundos da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa), do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), da Fundação Butantan e do Ministério da Saúde. 

Anunciado em 2015, o imunizante foi inicialmente prometido pelo então governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) para 2017. A queda do número de casos da doença no País impediu a aplicação do imunizante nos grupos voluntários, atrasando o estudo. A promessa do governo do Estado previa ainda a construção de uma fábrica para a produção das doses, que deveria estar pronta no fim do ano passado, mas que também não foi concluída na data estimada. A nova previsão é para 2019.

Vacina da Sanofi foi a primeira a chegar ao mercado

A Dengvaxia, primeira vacina contra a dengue a chegar ao mercado, foi licenciado em diversos países na Ásia e América Latina. No Brasil, a vacina recebeu registro pela Anvisa em dezembro de 2015. A Sanofi revelou em novembro de 2017 que a Dengvaxia pode aumentar o risco de dengue grave em pessoas que nunca foram expostas ao vírus. A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Anvisa passaram a considerar o imunizante contraindicado para esse público. 

A Dengvaxia oferece proteção contra os quatro sorotipos. Assim, a vacina tomada por quem já teve dengue reduziria a chance de uma segunda infecção, por um sorotipo diferente. Neste grupo, há eficácia de 79% de redução de hospitalizações e 84% de redução de casos graves. A eficácia global da vacina em quem já teve dengue é de 76%.