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Lei da internação involuntária: higienismo social ou última chance de cura?

Viciados em crack são abordados por agentes do SUS - Michel Filho - 12.jan.2013/Agência O Globo
Viciados em crack são abordados por agentes do SUS Imagem: Michel Filho - 12.jan.2013/Agência O Globo

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

06/06/2019 16h47Atualizada em 06/06/2019 16h47

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de sancionar a lei que permite a internação involuntária de usuários de drogas foi recebida tanto com críticas como com elogios por parte dos profissionais da área. De um lado, CFP (Conselho Federal de Psicologia) teme que a nova lei amplie a violação de diretos praticada em algumas comunidades terapêuticas, e, de outro, a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) vê a medida como última alternativa a doentes que já ultrapassaram a fronteira da sanidade mental.

Com a nova lei, usuários de drogas poderão ser levados para centros de tratamento contra a própria vontade, basta a anuência de um médico. Ela pode acontecer a pedido de um familiar, do responsável legal ou de um servidor público da área de saúde.

Presidente do CFP, Rogério Giannini lamenta que o projeto tenha por objetivo regulamentar as comunidades terapêuticas, que funcionariam como miniaturas dos antigos manicômios, extintos em 2001. "A maioria dessas pequenas clínicas fica afastada dos centros urbanos. O interno, agora levado contra a vontade, fica isolado, longe da família e amigos, em lugares mal preparados e sem fiscalização: é a receita para a violação dos direitos humanos."

A coordenadora da Comissão de Dependência Química da ABP, Ana Cecília Marques, pensa diferente. Ela diz que as comunidades terapêuticas podem socorrer o sistema público de saúde, uma vez que o governo não criou leitos psiquiátricos suficientes nos hospitais gerais após o fim dos manicômios. "Este governo mostrou que não temos leitos especializados para internar os pacientes e que esses doentes vão morrer se não utilizarmos as opções que temos", diz.

Conheça os argumentos dos especialistas:

"Sou a favor"

A lei sancionada deixa mais clara uma decisão que já existia na Política Nacional de Drogas, de 2006. A nova lei serve para que o indivíduo com risco de morrer seja avaliado por um médico e acolhido por um serviço até que esse risco não exista mais. A partir de então, ele decide se quer continuar em tratamento ou pedir alta. Isso sempre existiu, mas agora a lei está mais clara. O vício é uma doença no cérebro que pode tirar a capacidade do indivíduo de tomar decisões. Ele desenvolve uma sequela funcional que, para alguns, é irreversível. Mas não é a família que interna o paciente. Ela pede, mas a internação à revelia só existe em duas ocasiões: é "involuntária" quando o médico decide que o paciente põe em risco a própria vida; e é "compulsória" quando o juiz manda internar porque o doente pode colocar em risco a comunidade. Como o Brasil tem pouco leito em hospital geral para tratar esses doentes, devemos organizar o sistema de comunidades terapêuticas, onde fica a maioria dos dependentes. É preciso fiscalizar essas unidades de saúde e incluir boas práticas para cuidar dos pacientes e reinseri-los na sociedade.

Ana Cecília Marques, coordenadora da Comissão de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria

"Sou contra"

Essa lei une a possibilidade de internação com um forte incentivo às comunidades terapêuticas. Muda-se o modelo de redução de danos para o do isolamento e abstinência. No ano passado fizemos uma fiscalização em 28 comunidades em 11 estados. Em apenas duas havia documento médico com autorização para internação. O governo reconhece que não fiscaliza as cerca de 2.000 comunidades, quase todas isoladas em regiões rurais. A nova lei é um aval para a criação de mais comunidades como essas; muitas delas conhecidas por violar direitos humanos. Nossa fiscalização encontrou pessoas medicadas como forma de punição e não para tratamento. À noite, os quartos eram trancados por fora e muitos praticavam trabalhos forçados, a "laboraterapia". Eles varrem, consertam, pintam, cozinham. Encontramos um adolescente de 13 anos lavando o banheiro dos monitores. Em um dos casos, os internos trabalhavam nas obras da casa da proprietária do centro. Pode-se tratar de uma medida higienista porque quem está internado normalmente combina algum transtorno com vulnerabilidade social: são pessoas que perderam as ligações sociais e, viciadas, são malvistas pela população, que associa o doente ao crime organizado.

Rogério Giannini, presidente do Conselho Federal de Psicologia

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