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Hospital de campanha é "montanha russa", conta médico que atuou na África

Talyta Vespa

Do UOL, em São Paulo

04/04/2020 04h03

"Um corre-corre barulhento" é como o pediatra do Médicos Sem Fronteiras Alexandre Bublitz descreve a impressão de quem pisa pela primeira vez em um hospital de campanha. Ele atuou em Maidaguri, na Nigéria, durante 11 meses; tratou crianças desnutridas, vítimas de malária, sarampo e cólera, e garante: o clima em um hospital de campanha é uma montanha russa de emoções.

São Paulo vai ganhar dois desses hospitais —um no complexo do Anhembi, na zona norte da cidade, e outro no estádio do Pacaembu, na zona oeste. As grandes tendas, que abrigarão 2 mil leitos de baixa e média complexidade, além de espaços destinados à UTI, serão preenchidas por pacientes com coronavírus.

O pediatra relembra o período na África com tristeza e carinho. "Lá, vê-se, o tempo todo, movimentação exaurida —tanto de profissionais da saúde como de pacientes: a rotatividade nesses hospitais é grande. Os funcionários estão sempre cheios de trabalho — trabalham de forma excessiva, até não conseguirem mais", diz. Em um mês, ficavam internadas, em média, 400 crianças em cada uma das unidades em que Bublitz atuou.

Os pacientes, segundo ele, chegavam às unidades apreensivos, assustados, com uma expressão de pânico e cansaço. À medida em que o tratamento se seguia, os sentimentos mudavam: "Quando uma criança saía da UTI, era uma alegria. Dava para ver o sorriso no rosto da mãe, e a felicidade de outras mães, também, como um sopro de esperança", explica.

"Entretanto, quando algum paciente vinha a falecer, o barulho se transformava num silêncio estarrecedor, um clima de tristeza e melancolia entre as pessoas e os profissionais da saúde. Eu já sabia que tristeza fazia parte desse trabalho". Lá, os hospitais eram feitos de lona —como um amontoado de tendas. Na unidade que tratava desnutrição, em que Bublitz passava a maior parte do seu tempo, havia 100 leitos.

Segundo Bublitz, o pronto-socorro do hospital atendia, por mês, 2 mil crianças. O número não era muito diferente na unidade especializada para atender vítimas de malária. As macas, nesse caso, eram protegidas por mosqueteiros —mas não separadas. "Como a transmissão da malária não é pelo ar, como é o coronavírus, os leitos não eram separados. Os hospitais são construídos e moldados de acordo com a demanda da doença", explica.

Hospital de Campanha na Nigéria, onde atuou o pediatra Alexandre Bublitz - Abdulkareem Yakubu/Médicos Sem Fronteiras - Abdulkareem Yakubu/Médicos Sem Fronteiras
Imagem: Abdulkareem Yakubu/Médicos Sem Fronteiras

Na Nigéria, ele conta, a falta de saneamento básico era um problema que afetava, também, a zona hospitalar —localizada em uma região habitada por população vulnerável. Para se comunicar com os pacientes, o pediatra contava com a ajuda de outros profissionais que ali trabalhavam. Ele explica que, apesar de a Nigéria ter sido colônia britânica, boa parte da população não fala o inglês —mas, sim, idiomas locais como hauçá, kanuri e fulani.

A unidade de combate à desnutrição foi construída em duas semanas. E é essa, ele explica, a missão de um hospital de campanha: trazer resultado rápido. Existem cuidados que devem ser tomados antes e durante a atuação de médicos nesses espaços: a prevenção intensa é a melhor forma de evitar a transmissão de todas as doenças.

No hospital que tratava pacientes com cólera, ele conta, além de máscaras, aventais e óculos, os profissionais de saúde borrifavam nas mãos e pés uma solução com cloro —o elemento auxilia a matar a bactéria. "Mesmo assim, colegas ficaram doentes. Acho que vamos enfrentar algo similar com a covid-19, já que o vírus se transmite facilmente", diz.

Existe uma coisa comum em hospitais de campanha, e acredito que nos espaços de tratamento de coronavírus não vai ser diferente: quando o médico vê um paciente agonizando, sofrendo uma piora repentina, com dor, a reação imediata dele é intervir —mesmo se não estiver protegido corretamente. Isso acontece muito, mas não deveria.

Hospital de campanha na Nigéria, em que atuou o pediatra Alexandre Bublitz - Nitin George/Médicos Sem Fronteiras - Nitin George/Médicos Sem Fronteiras
Hospital de campanha na Nigéria, em que atuou o pediatra Alexandre Bublitz
Imagem: Nitin George/Médicos Sem Fronteiras

Por isso, o hospital precisa estar bem equipado de EPI (Equipamento de Proteção Individual) — o que ajuda a evitar esse tipo de contato. "O problema é que, como profissional da saúde que trabalha no SUS, sinto que vamos ter uma lacuna aí, uma falta grande desses equipamentos".

Hospitais de Campanha de São Paulo

Nas estruturas construídas em São Paulo, os ambientes compartimentados com 2 metros de afastamento entre um leito e outro são uma medida específica ao alto contágio da covid-19.

As obras no estádio do Pacaembu acabaram na quarta-feira e foi iniciado o treinamento dos 520 profissionais de saúde que prestarão serviço no local, entre médicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem, fisioterapeutas e assistentes sociais.

niciado o treinamento dos 520 profissionais de saúde que prestarão serviço no local, entre médicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem, fisioterapeutas e assistentes sociais.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/04/01/hospital-de-campanha-no-pacaembu-e-finalizado-e-recebera-pacientes-na-segunda.htm?cmpid=copiaecola
A partir desta quarta também será iniciado o treinamento dos 520 profissionais de saúde que prestarão serviço no local, entre médicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem, fisioterapeutas e assistentes sociais. A gestão será feita pelo Instituto Social do Hospital Albert Einstein e a responsabilidade por toda a infraestrutura será da Prefeitura de São Paulo.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/04/01/hospital-de-campanha-no-pacaembu-e-finalizado-e-recebera-pacientes-na-segunda.htm?cmpid=copiaecola
A partir desta quarta também será iniciado o treinamento dos 520 profissionais de saúde que prestarão serviço no local, entre médicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem, fisioterapeutas e assistentes sociais. A gestão será feita pelo Instituto Social do Hospital Albert Einstein e a responsabilidade por toda a infraestrutura será da Prefeitura de São Paulo.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/04/01/hospital-de-campanha-no-pacaembu-e-finalizado-e-recebera-pacientes-na-segunda.htm?cmpid=copiaecola
A partir desta quarta também será iniciado o treinamento dos 520 profissionais de saúde que prestarão serviço no local, entre médicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem, fisioterapeutas e assistentes sociais. A gestão será feita pelo Instituto Social do Hospital Albert Einstein e a responsabilidade por toda a infraestrutura será da Prefeitura de São Paulo.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/04/01/hospital-de-campanha-no-pacaembu-e-finalizado-e-recebera-pacientes-na-segunda.htm?cmpid=copiaecola

O local vai abrigar 200 leitos destinados a casos de baixa e média complexidade. A previsão é que ele comece a receber pacientes nesta segunda-feira. Os hospitais de campanha receberão casos encaminhados de unidades de saúde, sendo tanto suspeitos como confirmados do novo coronavírus (veja informações mais abaixo).

hospital pacaembu - MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO - MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO

Arquitetura da prevenção

A arquiteta especialista em projetos hospitalares Lara Kaiser detalhou ao UOL como é a estrutura de hospitais de campanha.

Lara, que também é diretora de Healthcare do estúdio global de arquitetura Perkins and Will, explica que os hospitais são saídas para momentos de crise de saúde —e que o primeiro deles foi construído em Londres, no século 19.

"No Anhembi, o hospital está sendo construído na própria estrutura do complexo, onde acontecem as feiras. O modelo é simples, ele respeita um distanciamento de dois metros entre os leitos e o isolamento seguro dos pacientes. No Pacaembu, foram criadas tendas e, dentro delas, há divisões entre os leitos para que esse distanciamento seja mantido", explica.

"Dentro deles, entretanto, existe uma estrutura provisória para pacientes que tiverem um quadro agravado dentro dos hospitais. Eles ficam hospitalizados nesse espaço até que sejam transferidos para UTIs de outras unidades." É o que vai acontecer em São Paulo: tanto o Pacaembu como o Anhembi —este último vai abrigar 1800 leitos— contarão com leitos de UTI para casos que se agravem dentro dos hospitais de campanha.

O prefeito Bruno Covas explica que os pacientes, nesses casos, receberão os primeiros cuidados antes de serem transferidos.

hospital de campanha - Estadão Conteúdo - Estadão Conteúdo
Imagem: Estadão Conteúdo

A especialista explica ao UOL que os materiais utilizados na construção dos hospitais de campanha tendem a ser os de fácil limpeza. Como a estrutura é projetada para receber grande rotatividade de pessoas, é preciso que os materiais facilitem a assepsia.

"O piso normalmente é vinílico, enquanto as divisórias, em sua maioria, são feitas com materiais melamínicos [laminados]—que, com álcool, a limpeza já é feita", explica.

Como será o funcionamento em São Paulo

Em São Paulo, o secretário de Saúde, Edson Aparecido, detalha o funcionamento das unidades: "Quando uma unidade básica de saúde (UBS), uma unidade de pronto atendimento (UPA) ou algum pronto-socorro da cidade receber e diagnosticar alguém com coronavírus, o paciente vai ser enviado para os hospitais de campanha. Neles, ficarão sem acompanhante e sem receber visita, por cerca de 14 dias — até que o quadro se estabilize".

Serão investidos R$ 35 milhões nas obras. Os leitos terão ar-condicionado, vedação térmica e respiradores mecânicos.

hospital - NILTON FUKUDA/ESTADÃO CONTEÚDO - NILTON FUKUDA/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: NILTON FUKUDA/ESTADÃO CONTEÚDO

A previsão, por ora, é de que os hospitais funcionem até julho. Neles, trabalharão mais de 2 mil profissionais da saúde.

O prefeito Covas explica que o intuito da hospedagem é que os profissionais se desloquem o mínimo possível pela cidade. A gestão do hospital do Pacaembu será feita pelo hospital Albert Einstein, que abriu 509 vagas de emprego para profissionais da saúde só para trabalhar na unidade.

Covas e Aparecido disseram que, se necessário for, mais leitos serão construídos. "Os leitos que serão construídos são suficientes para o cenário atual do crescimento de coronavírus na cidade. Não são estruturas pequenas. Para um hospital como esse, foram mobilizadas 13 categorias de profissionais da saúde. Famílias não poderão visitar, mas teremos áreas preparadas para recebê-las e comunicar a respeito do quadro de saúde dos pacientes", afirmou o secretário. Os 190 primeiros leitos, informa Aparecido, estão cobertos com insumos.