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Hospitais privados acionam STF e dizem que governo está 'confiscando' EPIs

Médicos trabalham em cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo; instituição faz parte da Anahp, associação que assina ofício pedindo providências por parte do STF - Gustavo Lacerda/Folhapress
Médicos trabalham em cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo; instituição faz parte da Anahp, associação que assina ofício pedindo providências por parte do STF Imagem: Gustavo Lacerda/Folhapress

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

04/04/2020 13h42

Representantes de hospitais privados e filantrópicos se reuniram ontem com o ministro Dias Toffoli, por meio de videoconferência, solicitando providências do STF (Supremo Tribunal Federal) por conta de 'confiscos' (requisições administrativas) de EPIs (equipamentos de proteção individual) e medicamentos por parte do governo federal. Municípios e Estados, dizem as entidades, também estão adotando a prática.

Após a reunião, um ofício, assinado por organizações como a FBH (Federação Brasileira de Hospitais), que representa mais de 4 mil hospitais, e a Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados), que tem membros como o Hospital Israelita Albert Einstein e o Hospital Sírio-Libanês, foi enviado a Toffoli, que preside o Supremo.

Os EPIs são definidos por Norma Regulamentadora (NR), e consistem em "todo dispositivo de uso individual, destinado a proteger a saúde e a integridade física do trabalhador". No caso do novo coronavírus, os equipamentos citados estão relacionados à área da saúde, como luvas e máscaras.

As entidades que representam os hospitais particulares afirmam que a situação do setor privado de saúde já é "bastante preocupante" e que, com a falta de materiais e insumos, há possibilidade considerável de um "colapso" no sistema.

"O setor saúde, especificamente, um dos mais afetados neste processo, tem se deparado com vários desafios importantes, e um dos mais graves neste momento é a escassez de suprimentos, necessários para atendimento aos pacientes acometidos pela COVID-19, bem como as requisições administrativas ("confiscos") do Governo, nas esferas estadual, municipal e federal, de materiais (como equipamentos de proteção individual - EPIs), equipamentos (ventiladores) e medicamentos", diz o documento enviado ao STF.

Na última semana, em entrevista ao UOL, Mirocles Campos Véras Neto, presidente da CMB (Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas), uma das instituições que assina o ofício, disse que os EPIs estão chegando apenas nos hospitais públicos, o que está desequilibrando os serviços de saúde.

"Hoje, o direcionamento de EPIs, medicamentos e material é para os hospitais públicos, isso está gerando uma dificuldade muito grande para os filantrópicos", observa Véras Neto.

A instituição representa 2.172 hospitais sem fins lucrativos em todo o país (sendo que 1.704 atendem o SUS) e responde por 50% de todo o atendimento da saúde pública. Os hospitais filantrópicos também são responsáveis por 60% dos tratamentos complexos do SUS (rádio e quimioterapia, por exemplo).

Os hospitais citam ainda problemas com a importação de insumos e equipamentos, o que impede o suprimento da demanda. Ontem, a Folha revelou que 600 respiradores artificiais chineses comprados por estados do Nordeste ficaram retidos no aeroporto de Miami (EUA). As supostas preferências da China estariam atingindo também o setor privado.

"A escassez de EPIs já é uma realidade entre as indústrias nacionais, e a importação da China, que seria uma alternativa importante para suprir essa carência de equipamentos e insumos, foi bloqueada recentemente pela preferência dada aos Estados Unidos", escrevem as organizações no ofício.

O documento cita ainda um receio, por parte das importadoras, de que materiais, equipamentos e insumos adquiridos sejam confiscados pelo governo em portos e aeroportos.

CNS também aciona STF

Na última quinta (2), a Confederação Nacional de Saúde (CNS), outra entidade que representa os hospitais privados entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, pedindo que todas as requisições administrativas (chamadas pelos hospitais de 'confisco') de materiais e serviços da rede particular passem pelo crivo do ministério da Saúde.

A CNS pede que "todas as requisições administrativas projetadas para serem exercidas por gestores de saúde estaduais ou municipais sejam submetidas ao prévio exame e autorização do Ministério da Saúde para serem, só depois disso, implementadas".

A ação vem no âmbito da lei de quarentena, que deu poder às autoridades para requerer bens e serviços de saúde, "hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa". A Confederação argumenta que a lei, "em termos genéricos", abriu uma brecha para que gestores locais adotem medidas sem controle prévio da União.

A ação foi distribuída por prevenção ao ministro Ricardo Lewandowski. Ele já é relator de outra ação, impetrada pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), que pede controle do Estado dos bens e serviços dos hospitais particulares enquanto durar a pandemia de covid-19. O partido utiliza como argumento a provável escassez dos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Hospitais não foram procurados para ajudar na crise

Mesmo com as projeções de que leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva) podem ficar sobrecarregados já neste mês por conta do novo coronavírus, o governo não informou se há planejamento para utilizar estruturas particulares, nem contatou as instituições que representam hospitais privados.

Reportagem do UOL publicada hoje mostra que CMB, FBH e Anahp não receberam propostas do Ministério da Saúde para a utilização dos leitos que estão disponíveis na rede privada.

Segundo ministério, até ontem havia 25,6 mil pessoas internadas por conta de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) no país; dessas, 1.769 foram diagnosticadas com covid-19. A pasta, no entanto, não informa quantas destas pessoas estão em leitos de UTI.

Procurado, o ministério afirmou que vai "passar a monitorar, a acompanhar a utilização dos leitos de UTI, tanto da rede do SUS, quanto da rede privada".

"Em uma fase inicial, talvez o sistema público tenha de socorrer a iniciativa privada. Mais adiante, quando mudar o perfil das pessoas que vão estar doentes, é possível que o SUS precise mais dos leitos privados. (...) Isso tudo está sendo analisado, e a gente está criando as propostas possíveis para ser implementadas", declarou o secretário executivo João Gabbardo dos Reis.