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Osmar Terra posta informações sem base científica, mostra infectologista

Osmar Terra, aliado de Jair Bolsonaro, questiona isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde - José Cruz/Agência Brasil
Osmar Terra, aliado de Jair Bolsonaro, questiona isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Ex-ministro de Bolsonaro, Osmar Terra usa as redes sociais para questionar a política de isolamento social
  • Médico infectologista do Hospital das Clínicas de SP mostra que não há base científica em postagens de Terra

O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) tem dedicado parte das suas postagens nas redes sociais para questionar a política de isolamento social, defendida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Ministério da Saúde. Ao fazer isso, no entanto, ele usa dados sem comprovação científica, como explica o médico infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Na semana passada, o ex-ministro da Cidadania do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o pico da doença no estado de São Paulo ocorreu em março. Além disso, ele atribuiu a escalada de mortes na Itália à adoção da quarentena radical e chamou a medida de "inútil".

Quando ocupava o posto de secretário de Saúde no Rio Grande do Sul, em 2009, o político disse que a H1N1 mataria menos que a gripe comum. Errou: foram 2.060 mortes contra 142.

A reportagem do UOL ouviu Stanislau para contrapor alguns do argumentos do deputado, que é médico com especialização em saúde perinatal.

Mortes na Itália subiram por demora para adotar isolamento

Segundo Stanislau, o número de casos subiram porque as medidas restritivas demoraram a ser adotadas, e não por elas existirem.

"A Itália não adotou o isolamento homogêneo instantaneamente, como aqui [no Brasil] também não há. Começou em Milão, na região ao norte, depois foi para o país todo. Você vê o resultado disso nas mortes agora. Da mesma forma que podemos começar a ver com alguma alegria — se é que podemos usar essa palavra — que esses países estão experimentando uma melhora na situação depois de adotar a quarentena", afirma.

Na opinião do infectologista, Terra ignora as características da doença. "O vírus tem um período de doença muito prolongado, de meses. Quantos internados já existiam [no dia em que teve início o isolamento na Itália] que só vieram a óbito depois? Quantos não foram infectados antes da quarentena? O período de incubação é em média de 14 dias. Quando ele fala que aumentaram mortalidade e os casos graves, não vê que já existiam. É preciso lembrar que a gente vê hoje o que aconteceu no passado", avalia.

Não há base para dizer que SP já passou pelo pico

Não há estudo que corrobore a informação dada pelo ex-ministro, pontua Stanislau. Terra usa dados da Secretaria de Saúde do estado, que avalia que os casos deverão continuar a subir até maio, quando ocorrerá o pico. Por isso o governo paulista decidiu estender a quarentena até o próximo dia 10.

"Ele não tem dados para fazer uma afirmação dessa, não há base na realidade. Com o número de subnotificação, não se pode falar de maneira nenhuma que o pico já passou. Pelo contrário: a gente vê, com grande preocupação, que os hospitais basilares do estado estão no limite", comenta o infectologista.

Não se pode estabelecer porcentagem de "bloqueio de propagação"

Osmar Terra não explica a origem dos dados ao afirmar que, com mais de 60% da população infectada, a propagação seria bloqueada. Para Stanislau, essa lógica "não é crível" porque não leva em consideração as características da doença no Brasil.

Segundo o infectologista, o deputado usou "o raciocínio da imunidade de rebanho", que não pode ser aplicado nessa situação. "É quando, a partir de um grande número de infectados, o vírus deixa de disseminar. Mas é tão fora de contexto que, dada a subnotificação, a gente nem sabe em absoluto o percentual de infectados no país. Não é um pensamento crível", explica.

Além disso, Stanislau pontua que o novo coronavírus "está tendo um comportamento muito heterogêneo no país", dadas as características geográficas do Brasil e diferentes disposições urbanas.

"O Brasil é um país de dimensões continentais, como você vai pensar em 60% da população? Ela não é espalhada de forma homogênea, o fluxo não é homogêneo. Primeiro, o vírus atingiu as metrópoles que são as portas de entrada para quem vem do exterior. Agora, vemos se espalhar pelo interior por meio das rodovias. Então, ele [o vírus] não circula da mesma maneira, com a mesma velocidade, não há como ter esse controle."