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Sob Teich, perfil de infectados, antes diário, demora até 10 dias para sair

Nelson Teich, novo ministro da Saúde Imagem: ADRIANO MACHADO

Alex Tajra, Constança Rezende e Felipe Amorim

Do UOL, em São Paulo e Brasília

07/05/2020 01h00

Resumo da notícia

  • Sob novo ministro, Saúde modifica forma de divulgação dos dados
  • Pasta deixou de apresentar diariamente o perfil detalhado de vítimas da covid-19
  • Ministério afirma que apresenta os dados semanalmente
  • O governo, no entanto, não divulga novo boletim detalhado desde o último dia 27

O Ministério da Saúde modificou a divulgação das estatísticas sobre o novo coronavírus e deixou de apresentar diariamente o perfil por gênero, raça/cor e faixa etária dos mortos pela covid-19, assim como o percentual dos pacientes que tinham doenças preexistentes, ou seja, que estariam no grupo de risco.

Esse tipo de dado, com detalhes das vítimas da doença, costumava ser apresentado durante as entrevistas transmitidas ao vivo pela internet e pela TV estatal, realizadas de segunda a sábado. Mas deixou de ser divulgado sob a gestão de Nelson Teich, no cargo desde 17 de abril, sem justificativa.

Em nota, o ministério afirma que a divulgação "teve sua periodicidade de divulgação estendida com o objetivo de qualificar melhor os dados a serem apresentados à população" e diz que apresenta os dados detalhados semanalmente. A pasta, no entanto, não divulga novo boletim há dez dias.

Muda perfil das vítimas da covid-19

A mudança na forma de divulgação dos dados ocorre num momento em que o avanço da doença sugere alteração no perfil dos pacientes infectados.

Dados do dia 1º de abril apontam que 89% dos pacientes que morreram tinham mais de 60 anos. No dia 27, esse percentual foi de 70%, o que mostra que a doença passou a atingir mais pessoas fora da faixa etária dos idosos.

Os números do ministério também sugerem um crescimento nas hospitalizações de pessoas pardas e pretas (termos usados pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde).

Internações de pretos ou pardos por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave)

  • 10 de abril (1ª divulgação deste nº): 23%
  • 20 de abril: 32%
  • 27 de abril: 37%

No caso das mortes, a situação é semelhante: entre 20 e 27 de abril, a proporção de negros vítimas da covid-19 aumentou de 40,4% para 45,2% dos casos.

O Ministério da Saúde utiliza, para compilar os dados, um critério de classificação semelhante ao do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que identifica as pessoas pelo tom da pele, o que faz com que o total de pessoas negras corresponda à soma dos identificados como pretos e pardos.

"Tal qual o local e a região, os dados de raça, etnia e gênero são fundamentais para constar nas divulgações oficiais diárias de Covid-19. Isso pode determinar o direcionamento de medidas de proteção às populações mais vulneráveis. Investigar de forma mais completa possível as condições sociais e de vida das pessoas infectadas e daqueles que foram a óbito, ajuda a planejar hospitais, políticas de testagem, de assistência social e de ajuda econômica"
Mário Scheffer, professor de Medicina da USP

Desde o dia 20 de abril, esses dados foram divulgados em apenas duas edições de boletins epidemiológicos publicadas no site do Ministério da Saúde, nos dias 20 e 27, e nas entrevistas realizadas nessas datas.

A última vez que esses dados foram divulgados foi no boletim do dia 27 de abril. Naquela edição do documento, o Ministério informava que essa seria uma publicação semanal com estatísticas e a avaliação sobre o avanço da doença no país.

Explicações menos frequentes

Após o ministro da Saúde Nelson Teich assumir o cargo, as entrevistas com técnicos da pasta também se tornaram menos frequentes.

Na entrevista coletiva da última segunda-feira (4), por exemplo, o corpo técnico do ministério foi substituído por dois ministros generais, o chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto.

Teich alegou agenda tardia em Manaus e cancelou sua presença na coletiva. Já a ida do corpo técnico foi cancelada por motivos de doença do secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, segundo informações do ministério.

O tom das coletivas realizadas por Teich também mudou. O novo ministro passou a dar mais ênfase na divulgação de dados considerados positivos sobre a pandemia, como o número total de recuperados no Brasil e a comparação com outros países.

A Secretaria de Comunicação acompanhou o movimento e passou a divulgar, em redes sociais, o número de recuperados. O gesto foi imitado por outros ministros de Jair Bolsonaro, como Damares Alves, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Ela reproduziu um post da Secom em seu Twitter dizendo que o Brasil chegou em maio "sem um milhão de mortos" pela doença, sem dizimação da população indígena, e sem "pessoas se matando nas ruas por fome".

Críticas no Congresso

A prestação de informações sobre a doença pela pasta não tem agradado parlamentares. No último dia 30, Teich prestou contas ao Senado Federal sobre o combate à pandemia durante uma audiência pública de cinco horas.

Os congressistas avaliaram que havia fragilidade de dados e lacuna de conhecimento do ministro sobre a situação na ponta dos atendimentos e do SUS (Sistema Único de Saúde).

Sob Teich, também persiste a falta de divulgação de casos suspeitos. O ministério contabiliza apenas as mortes investigadas e os pacientes que foram hospitalizados com sintomas de SRAG. A pasta diz que, desde março, sob gestão Luiz Henrique Mandetta,(DEM), como há transmissão sustentada, "qualquer brasileiro pode ser um caso suspeito".

Somente no dia 23 de abril, após críticas e reportagens mostrando o número elevado de mortes investigadas pelas secretarias estaduais, a pasta passou a divulgar os óbitos "em investigação".

Por que os dados importam?

A falta de dados é criticada por médicos e estudiosos, que afirmam que o combate à pandemia deveria estar sustentando pelo maior número possível de dados.

Computar os casos suspeitos poderia, por exemplo, ajudar na verificação do estágio da contaminação do país. As mortes suspeitas, por outro lado, podem influenciar na taxa de letalidade do vírus, número que ainda não é consenso no meio científico.

Para o médico Leonardo Weissmann, conselheiro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), houve diminuição da transparência do ministério após a chegada de Nelson Teich, que substituiu Mandetta.

"Não sabemos quais são as políticas de atuação do Ministério da Saúde para diminuir a velocidade de propagação do vírus no país, considerando-se as especificidades de cada região do país. Tínhamos uma transparência quanto às decisões tomadas, de acordo com as melhores evidências científicas. Hoje, não temos mais isso", diz Weissmann.

O infectologista diz ainda que o ex-ministro, ao menos, se colocava diariamente com sua equipe para atender os jornalistas. "E agora? Nem os dados detalhados temos...quais as políticas adotadas? Qual o rumo da política nacional voltada à epidemia no Brasil? Não sabemos de mais nada."

O ministério também não cumpriu a promessa de divulgar as taxas de ocupação de leitos de enfermaria e de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) — ponto mais sensível da pandemia. Em 21 de março, o então secretário-executivo João Gabbardo dos Reis, afirmou que seriam informados, a partir daquela data, o número de leitos em cada município e o número de pacientes internados em UTIs. Até hoje, isso não ocorreu.

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