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Confusão política amplia propagação do novo coronavírus no Brasil, diz NYT

Presidente Jair Bolsonaro provoca aglomeração de seus apoiadores no "cercadinho" do Palácio da Alvorada - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Presidente Jair Bolsonaro provoca aglomeração de seus apoiadores no "cercadinho" do Palácio da Alvorada Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo

17/05/2020 16h43

Uma longa reportagem publicada pelo The New York Times compara como o governo brasileiro respondeu, nos últimos anos, a graves desafios na saúde pública, como as epidemias de aids e zika e, agora, ao novo coronavírus.

"As respostas pioneiras do país a crises de saúde passadas, incluindo aids e zika, ganharam elogios globais. Mas a resposta caótica do governo ao vírus minou a capacidade do país de lidar com o problema", diz o texto.

"A confusão nacional ajudou a ampliar a propagação da doença e contribuiu para tornar o Brasil um centro emergente da pandemia, com uma taxa de mortalidade diária perdendo apenas para a dos Estados Unidos".

O jornal considera "contraditória" a reação do país à pandemia de covid-19 e cita como exemplo os pedidos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para que as pessoas voltem a trabalhar fora de casa, ao contrário do que recomendam a OMS (Organização Mundial da Saúde) e um grande número de especialistas da área médica.

A saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde, na sexta-feira (15), após menos de um mês no cargo, e a demissão "abrupta" de Luiz Henrique Mandetta, antecessor de Teich na pasta, após confrontos com o presidente, são destacadas pelo jornal.

"Especialistas em saúde pública dizem que a abordagem desordenada saturou ainda mais unidades de terapia intensiva e necrotérios e contribuiu para as mortes de dezenas de profissionais médicos, à medida que a maior economia da América Latina mergulha no que pode ser sua recessão mais acentuada da história."

"A crise que o país enfrenta contrasta fortemente com o histórico do Brasil de respostas inovadoras e ágeis aos desafios da assistência médica, que o tornaram um modelo no mundo em desenvolvimento nas décadas passadas."

"Brasil teve meses para estudar outros países"

O The New York Times entrevistou especialistas e profissionais da saúde, entre eles a professora Márcia Castro, da Universidade Harvard.

"O Brasil poderia ter sido uma das melhores respostas a essa pandemia", disse Castro, especializada em saúde global. "Mas, no momento, tudo está completamente desorganizado e ninguém está trabalhando em busca de soluções conjuntas. Isso tem um custo, e o custo é a vida humana."

A reportagem avalia que o Brasil teve meses para estudar os erros e sucessos dos primeiros países atingidos pelo vírus: "Seu robusto sistema de saúde pública poderia ter sido usado para realizar testes em massa e rastrear os movimentos de pacientes recém-infectados."

"Seu fracasso em agir de forma precoce e agressiva está em desacordo com as engenhosas abordagens do país para crises médicas passadas", diz o jornal, a partir da opinião de especialistas em saúde.

HIV e zika

A publicação mostra que, nos anos 1990, o país conseguiu oferecer tratamento gratuito para pessoas com HIV, após registrar um alto número de casos de aids, o que pressionou a indústria farmacêutica a custos mais baixos. E, em 2007, fabricou sua própria versão genérica de um medicamento para HIV, reduzindo a incidência do vírus.

"Em 2013, o Brasil expandiu amplamente o acesso a cuidados de saúde preventivos em áreas pobres, contratando milhares de médicos estrangeiros, a maioria cubana. E para combater o surto de zika em 2014, o Brasil criou mosquitos geneticamente modificados que ajudaram a diminuir a população de insetos, uma tática que será implantada em breve na Flórida e no Texas [nos EUA]."

O sucesso anterior do Brasil, diz o NYT, resultou de investimentos em ciência e capacitação de cientistas, como afirmou Tania Lago, professora de medicina da Universidade Santa Casa de São Paulo, que trabalhou no Ministério da Saúde na década de 1990.

"Agora houve uma ruptura no país com sua comunidade científica", disse ela. "O que me entristece é que somos e continuaremos a perder vidas que poderiam ser salvas."

O jornal diz que Bolsonaro "minimizou os riscos e incentivou reuniões públicas" enquanto outros países começavam a tomar medidas drásticas para frear a propagação, em fevereiro e março.

"Agora, ele está pedindo aos brasileiros que retornem ao trabalho, mesmo que o número de novos casos e mortes esteja aumentando".

A avaliação do governo federal de que academias e salões de beleza são negócios essenciais é listada como mais uma decisão do governo contrária ao que tem sido defendido por governadores e prefeitos pelo país.

A falta de estrutura e equipamentos adequados para profissionais de saúde também aparece na reportagem como causa para a exposição dessas pessoas ao coronavírus.

"Vírus pode matar 88 mil no país"

O jornal afirma, ainda, que especialistas não esperam que o pico de infecções no país ocorra por várias semanas ainda:

"No início de maio, o país apresentava a maior taxa de contágio entre 54 países estudados pelo Imperial College London, que também descobriu que as medidas de contenção existentes no Brasil não conseguiram colocar a transmissão em uma trajetória descendente."

"Segundo o Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde da Universidade de Washington, o vírus está a caminho de matar mais de 88 mil pessoas no Brasil até o início de agosto."

O governo Bolsonaro não quis fazer comentários ao jornal, diz o NYT.