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Médico em PE revela a dor da separação de famílias e pacientes com covid-19

Médico infectologista Bruno Ishigami - Arquivo pessoal
Médico infectologista Bruno Ishigami Imagem: Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Médico infectologista descreve como é o trabalho de fazer a ponte entre pacientes com covid-19 e familiares
  • A doença causada pelo novo coronavírus impõe um alto grau de isolamento ao paciente, que ao ser internado não pode receber visitas
  • O médico que atua em Pernambuco revela como alguns desses contatos são marcantes e carregados de choro, dor, saudade e medo
  • Ele conta que o hospital de campanha recebe pacientes com sinais de gravidade, mas com poucos sintomas. E isso "assusta" a equipe médica

O médico infectologista Bruno Ishigami foi designado para atuar, em um dos sete hospitais de campanha do Recife, como ponte de contato entre a unidade e os familiares de pacientes internados no local. Diferentemente de quase todas as outras doenças, a covid-19 impõe um alto grau de isolamento ao paciente, que ao ser internado não pode receber visitas.

"Ligamos diariamente para as famílias para atualizar as informações sobre como está o paciente e coisas do tipo. Tem sido uma experiência bem interessante. Sinto-me um privilegiado por poder fazer essa conexão e ser a ponte entre família e paciente", diz.

Ao UOL, Ishigami revelou como alguns desses contatos são marcantes e carregados de choro, dor, saudade e medo. "Algumas conversas chamam atenção. Tem algumas falas que são bem fortes."

Relatos de familiares

"Ela lutou tanto para nos criar e agora a gente não pode nem dar um abraço, um cheiro. Ela é a rainha da família! Só quero que ela volte para casa para eu falar: mãe, eu te amo!"

"Doutor, o senhor me ajude, por favor! Traga a minha esposa de volta!" — o marido estava aos prantos

"A gente vai ficando desesperado, porque já são oito dias sem ver a minha mãe, é difícil."

Momento de fragilidade para todos

Segundo o infectologista, a separação de paciente e família é algo que chama a atenção, pela fragilidade que causa em todos os envolvidos na relação.

"Uma das coisas que traz muito sofrimento na infecção pelo coronavírus é o isolamento necessário. O paciente que se interna fica isolado da família, em um momento de muita fragilidade para todos. Não receber visita de familiares é motivo de sofrimento, muitas vezes os pacientes estão assustados, com medo de que algo aconteça com eles, e não há amparo daqueles que estiveram ao lado durante toda a vida", revela.

Para as famílias, diz Ishigami, também é motivo de angústia. "Ter um parente necessitando de cuidados médicos é sempre delicado, e no coronavírus você nem está perto para acompanhar a evolução da doença, não está perto para olhar para o seu familiar e saber se ele está bem ou mal. Para alguns, isso é desesperador. Talvez sejam os últimos dias de vida de uma pessoa, e ela não pode estar cercada daqueles por quem sente amor."

A missão de conversar com parentes tem servido de aprendizado humano. "A lição que tiro é algo que minha esposa sempre comenta: nos momentos de maior sofrimento e no momento de morte, quem está ao lado é sempre a família. Independentemente da história familiar, na grande maioria das vezes a família está ali ao lado para dar suporte", diz.

As demandas não param

Além de atender em um dos sete hospitais de campanha montados no Recife, que já lotados, o infectologista também atua no Hospital Oswaldo Cruz e faz ambulatório de pacientes com HIV e infecções sexualmente transmissíveis para a ONG (organização não governamental) AHF Brasil.

Ele conta que, devido à sua especialidade, vem recebendo demandas a todo tempo por conta da doença causada pelo novo coronavírus.

"Uma das coisas que tomam bastante tempo é o contato via redes sociais de familiares, amigos, amigos de amigos e conhecidos, querendo tirar dúvidas sobre o que fazer, como se comportar, se precisam tomar alguma medicação e coisas do tipo. Com o celular à disposição, não existe mais hora certa para se estar trabalhando. Acaba que ficamos sempre disponíveis", explica.

Pacientes graves, mas sem sintomas

Sobre a doença, a experiência no lido com pacientes já o fez perceber o tamanho do problema. "O que tem me chamado atenção é que chegam vários pacientes com sinais de gravidade, mas com poucos sintomas. É por isso que chamam de pneumonia silenciosa", conta Ishigami.

O infectologista compara com a pneumonia bacteriana, doença que compromete o pulmão e tem outros sintomas associados, como fraqueza e perda de apetite. "Na pneumonia pelo coronavírus, isso nem sempre é verdade. Vários pacientes chegam com bom quadro clínico à primeira vista, sem aparentar sinais de gravidade. Quando conferimos a frequência respiratória e a oximetria [nível de oxigênio] no sangue, nos assustamos", admite.

Uma das funções que mais traz desgaste ao médico, diz, é a hora de escolher o paciente que terá direito a uma vaga de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Em Pernambuco, o Cremepe (Conselho Regional de Medicina) lançou uma resolução para definir essas prioridades, tanto para facilitar a proteção legal, quanto para reduzir o desgaste psicológico.

"Quando a gente cria um protocolo, torna um pouco mais impessoal. No entanto, não é tão simples assim. Aqueles que não são 'candidatos' a uma vaga de UTI têm uma história por trás, uma família, um sentimento envolvido. O peso maior é esse: saber que, a partir de uma decisão que conta com o meu aval, algumas várias pessoas sofrerão. Talvez seja a parte mais desgastante psicologicamente. Tento trazer para a racionalidade, enxergar que estamos em um contexto de guerra e somos forçados a priorizar os pacientes que têm maior possibilidade de sobreviver."