Vacina não tranquiliza médicos, que temem baixa de guarda da população
Primeiros da fila no plano de vacinação contra a covid-19 anunciado pelo governo de São Paulo, profissionais de saúde vivem uma mistura de animação com tensão.
- Por um lado, a chegada da imunização representa mais uma ferramenta no combate à pandemia;
- Por outro, há o temor de que a população relaxe ainda mais as medidas de prevenção;
- Com isso, aumentaria a pressão sobre os profissionais da saúde em razão da tendência de aumento do número de casos de contaminação e de internação.
Agora que a vacina está aí quase chegando, estou percebendo a diminuição de todos aqueles cuidados que tinha no início da pandemia. Acho que as pessoas vão chegando num ponto de fadiga, de não conseguir manter todo aquele nível de atenção e cuidado do começo.
Victor Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo
A vacina é condição fundamental, necessária, mas ela não é suficiente. Não é só vacinar e no dia seguinte voltar às suas atividades ditas normais. A gente não está falando de um elixir mágico que vai resolver a pandemia. Ninguém pode ter esse tipo de perspectiva. Isso é fantasia
Gerson Salvador, especialista em infectologia e em saúde pública
A vacina pode dar uma falsa sensação de segurança. O que eu quero dizer não é 'não tomar vacina'. Pelo contrário: é vacinar, mas colocar a vacina dentro de um contexto de uma mandala de prevenção. A prevenção à doença infecciosa nunca se faz com uma estratégia só.
Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia)
Regras de ouro
A preocupação maior dos especialistas do setor está na percepção da sociedade a respeito da chegada da vacina. "Dá mais preocupação essa sensação de já vencemos o vírus", diz Dourado. A vacina não substitui o "pacote de prevenção", complementa Naime. "Ela é mais um item dele."
O infectologista diz que, hoje, há quatro "regras de ouro":
- uso de máscara;
- distanciamento social;
- higiene das mãos;
- testagem sempre que tiver sintomas suspeitos.
"Vai entrar uma quinta: a vacina", comenta Naime. "Mas ela tem que entrar no pacote, não pode ser um substituto do pacote. É isso que tem que ficar muito claro. Precisamos aumentar o poder de prevenção que temos agora com a vacina."
Expostos à doença
Segundo o sindicato de São Paulo, 73 médicos morreram no estado em razão da pandemia. Já o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo aponta que 76 profissionais de enfermagem —entre técnicos e auxiliares— perderam a vida por causa da covid-19.
Como o levantamento é feito com base nas informações recebidas pelas duas entidades, o número real pode ser maior. Consultado, o Ministério da Saúde não respondeu se possui dados oficiais sobre as mortes de profissionais da saúde.
Os profissionais de saúde estão mais suscetíveis, estão na linha de frente, vivenciando todo um cenário de diariamente estarem expostos.
Renata Pietro, doutora em ciências da saúde e presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo
Os profissionais, porém, dizem que a tranquilidade só virá quando toda a população estiver vacinada. "As saídas são coletivas. Ou estamos todos seguros, ou não está ninguém", diz Salvador.
"Não tenho nenhum tipo de alento do ponto de vista individual. 'Vou me vacinar, vou ver minha família.' Não é isso. Vamos continuar mantendo as medidas de segurança até que a pandemia esteja controlada", complementa. Ele conta que não vê sua família desde março.
Não é uma situação fácil para os profissionais da saúde. Está todo mundo exausto. É difícil manter as medidas de isolamento. Nesse momento de festas, Natal, fica ainda mais difícil. Mas a gente tem que continuar dizendo que não temos alternativa.
Gerson Salvador, especialista em infectologia e em saúde pública
"Isso custa vida"
O governo paulista pretende iniciar a aplicação da CoronaVac no dia 25 de janeiro. A vacina, porém, ainda precisa ser aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Esse processo foi criticado pelos profissionais de saúde ouvidos pelo UOL em razão de fatores políticos determinarem o debate.
"Não podemos ficar procrastinando. Precisamos de efetividade, porque isso custa vida", diz Pietro.
Presidente do Sindicato dos Enfermeiros de São Paulo, Solange Caetano demonstra temor com o plano do governo paulista de ampliar os locais de vacinação no estado de São Paulo. Para ela, os profissionais de saúde já estão sobrecarregados.
Apesar dos receios, a vacina estar mais perto da realidade é motivo de comemoração. "Acho que esse é o grande presente de final de ano de todo mundo", afirma Pietro.
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