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Com HIV há 16 anos, ativista fala de luta pela vida após contrair covid

Juliana Corrêa, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas - Reprodução/Agência Aids
Juliana Corrêa, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas Imagem: Reprodução/Agência Aids

Da Agência Aids

20/01/2021 04h00

Na última semana, o mundo se chocou com a notícia de que o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso. Em meio a uma explosão dramática de casos e internações por covid-19 e hospitais sobrecarregados, sem leitos disponíveis e sem oxigênio, o estado do Amazonas todo pede ajuda.

Em abril de 2020, ainda no início da pandemia, Manaus foi uma das primeiras capitais a chegar ao limite.

Quando foi diagnosticada como portadora do vírus HIV, Juliana Corrêa tinha 24 anos, estava casada e não sabia nada sobre o HIV. Estava em sua segunda gravidez e soube da notícia ao fazer o pré-natal no SUS (Sistema Único de Saúde).

Iniciou o tratamento antirretroviral aos dois meses de gravidez. Aos seis meses de gestação, o marido a deixou.

"Fiquei muito abalada, sem chão, sem rumo. Eu me isolei", conta. Apesar de jamais negar a doença para si mesma, não compartilhou a informação sobre sua sorologia com ninguém além do então marido. Ele fez o teste —com resultado positivo— e a acusou de promiscuidade.

Ela então deixou o trabalho como auxiliar de cozinha. Passou a quase não dormir. "Mas fui superando aos poucos, sozinha", diz. A coragem de contar à família só veio oito anos depois.

Hoje, atua como ativista e integrante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas. Ela relata que, apesar de viver com HIV há 16 anos, a covid-19 trouxe um dos piores momentos de sua vida. Confira a entrevista:

Agência Aids - Você teve covid-19 no início da chegada da doença ao Brasil. Como foi ter que enfrentar outra doença?

Juliana Corrêa - Após 16 anos diagnosticada com HIV, em março de 2020 eu começo a lutar novamente pela vida. Chega ao Brasil um vírus que vem de forma silenciosa, chegando aos lares para colocar pânico na vida das pessoas. E assim foi na minha. Depois de ter passado por todo o processo de diagnóstico de HIV, eu começo a refletir e ver que foi só um começo, porque o que estava por vir era muito mais difícil, a covid-19.

Eu estava comemorando os 15 anos da minha filha quando comecei a passar mal e foi um processo bem difícil para mim. Porque no diagnóstico do HIV eu tive oportunidade de lutar, de fazer meu tratamento e de viver uma vida com qualidade.

Com a covid-19, eu não tive nenhuma esperança, não tive como pensar de que forma eu iria sobreviver. Senti muito cansaço, dores horríveis no corpo. Entrei em estado de pânico. Não foi nada fácil. Desde março eu também desenvolvi uma ansiedade e também depressão que estou tratando.

Ter que tirar forças e pensar nas pessoas que estão próximas da gente. A gente vê que esse vírus traz pânico, medo e realmente está matando. É bem difícil.

Você teve pessoas próximas que se infectaram com covid?

Durante 16 anos lutando pela vida, posso dizer que 2020 foi o ano mais difícil da minha vida. Fiquei 17 dias em isolamento, me cuidando, lutando pela vida. Veio a notícia de que pessoas da minha família, muito próximas e muito queridas também tinham sido diagnosticadas com covid.

Em maio e junho, eu tive que perder rapidamente pessoas da minha família. Foram três tios que foram a óbito em menos de 20 dias.

Até hoje eu penso que a gente poderia ter feito algo para ter evitado que pessoas queridas não tivessem perdido suas vidas. É bem difícil falar porque você vê pessoas próximas não terem a oportunidade de estar aqui falando que superou e que venceu.

Como está sendo seu dia a dia em Manaus, cidade tão afetada pela pandemia?

Meu dia a dia nos últimos meses é dentro de casa. Estou saindo só para comprar alguma refeição e pegar meu medicamento. Deixei de fazer muita coisa por ter medo de me reinfectar. Deixei de fazer o trabalho que fazia. Perdi minha renda, porque trabalhava com vendas e não posso mais fazer o que fazia no dia a dia.

Nesse momento, tenho conversado com outras mulheres, tentando pelo menos levar uma fala. Por mais que a gente não esteja bem, tem pessoas que também estão em situações muito difíceis. Me sinto em um momento de impotência muito grande por não poder fazer muito pelas mulheres com as quais eu convivo. É complicado viver presa, com medo, pânico, angústia. Parece que não vai ter fim.

E a gente vê na televisão que as coisas vão ficando cada vez mais difíceis, mais graves. Quem está de longe não tem a noção do que tem sido nossa vida aqui.

Você acha que esta situação poderia ter sido evitada?

Muita coisa poderia ter sido evitada. A falha começou em junho, quando o governo desativou o hospital de campanha todo montado com estrutura para acolher os pacientes que estavam chegando diagnosticados com covid. A onda nunca acabou em Manaus, deu apenas uma parada muito rápida.

Mas tudo o que a gente tinha construído aqui foi desativado pelo governo e pela prefeitura. Aí começou a primeira falha dos nossos gestores. Tirar o que a gente já tinha, sendo que estávamos vivendo um momento ainda crítico, com muitas pessoas se infectando ainda, e eles não pararam para pensar no que poderíamos passar na frente.

Infelizmente a gente está vivendo esse colapso e nada foi discutido sobre o lockdown para que chegasse a um bom senso entre nossos governantes e a população. Muita coisa poderia ter sido feita. Fizeram vista grossa. As pessoas se infectando, se internando. Eles ficaram calados e a coisa foi só agravando. Se a gente está passando por tudo isso hoje, temos culpado.

Quem são os responsáveis pelo colapso de saúde em sua cidade?

Os culpados principais, desde o início da pandemia, são o governo federal, o Ministério da Saúde, que não deu a atenção que Manaus estava precisando e precisa até hoje. Eles não deram importância. Nosso governador também foi um dos grandes responsáveis pelo colapso da saúde em Manaus. Porque eles poderiam ter dialogado, conversado, trazido estrutura, trabalhado com a população.

E nosso prefeito nem tem o que falar, porque fez vista grossa, se preocuparam muito com a campanha eleitoral, uma campanha de politicagem. E o fruto da campanha também estamos vendo hoje. Pessoas infectadas, morrendo, sem estrutura, desempregadas, pedindo socorro pela vida.

Os grandes culpados são os nossos representantes. São os que dizem que representam o povo. E os representantes estão matando por irresponsabilidade. Eles são os responsáveis pelo que estamos vendo hoje em Manaus.