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Média de mortes por covid no AM é o dobro do pico da pandemia, em maio

Profissionais de saúde choram após entregar cilindro de oxigênio vazio para familiar de paciente internado com Covid-19 - EDMAR BARROS/ESTADÃO CONTEÚDO
Profissionais de saúde choram após entregar cilindro de oxigênio vazio para familiar de paciente internado com Covid-19 Imagem: EDMAR BARROS/ESTADÃO CONTEÚDO

Carolina Marins e Carlos Madeiro

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Maceió

27/01/2021 04h00

A média de mortes por covid-19 no estado do Amazonas teve um salto drástico no mês de janeiro e dobrou na comparação com o primeiro pico da doença, no primeiro semestre do ano passado.

Na terça-feira (26), o estado registrou o recorde na média móvel em toda a pandemia —139. O número leva em conta a comparação dos últimos sete dias, em relação ao mesmo período da semana anterior. Os dados são do consórcio de veículos de imprensa do qual o UOL faz parte.

O Amazonas começou 2021 com uma média de 19 mortes por semana. Considerando os números da terça-feira (26), o estado teve um salto de 630% desde 1º de janeiro.

Além disso, as atuais médias de mortes do estado são o dobro daquelas registradas no primeiro pico da pandemia, em maio. A maior média naquela época foi de 66 óbitos por semana em 9 de maio.

Maiores médias de mortes em maio:

  • 9 de maio: 66
  • 10 de maio: 65
  • 15 de maio: 65

Desde então, a média começou a cair até estabilizar em aproximadamente dez mortes em média por semana, com pequenas flutuações nos meses seguintes. Em 21 de dezembro, o estado entrou em tendência de aceleração e, em janeiro, os números voltaram a explodir, ultrapassando a marca dos 100 desde 20 de janeiro.

Maiores médias de mortes em janeiro:

  • 24 de janeiro: 136
  • 23 de janeiro: 133
  • 25 de janeiro: 132
  • 26 de janeiro: 139

Colapso em Manaus

Desde as festas de fim de ano, os casos e as internações em Manaus, a capital do estado, começaram a crescer. Logo, a demanda por leitos ultrapassou a oferta e o sistema de saúde entrou em colapso.

No momento mais grave da crise, no dia 14, começou a faltar oxigênio para os pacientes internados tanto em leitos covid quanto os internados por outras doenças. Em uma semana, a demanda por oxigênio cresceu 11 vezes, agravando a situação nos hospitais —principalmente naqueles onde são atendidos pacientes com a doença provocada pelo novo coronavírus.

O cenário levou a cidade a enviar parte dos pacientes para outros estados, que agora também se veem em risco de colapsar.

Para socorrer o Amazonas, artistas e o governo federal enviaram cilindros de oxigênio e até a Venezuela ofereceu o produto para o Brasil.

Na semana passada, uma manifestação da AGU (Advocacia-Geral da União) enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) apontou que o Ministério da Saúde havia sido informado em 8 de janeiro sobre o estado crítico do estoque de oxigênio nos hospitais.

No último sábado (23), o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao STF a abertura de inquérito para apurar a conduta do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, em relação ao colapso da saúde pública de Manaus.

No mesmo dia, Pazuello embarcou para a capital amazonense, sem previsão de retorno a Brasília.

Devido à viagem às pressas, o ministro não compareceu ao evento —e coletiva de imprensa— que marcou a liberação e primeiras aplicações da vacina de Oxford/AstraZeneca no país. Em vez disso, Pazuello disse ter ido entregar pessoalmente as primeiras 132,5 mil doses para o Amazonas, estado considerado prioritário na campanha.

Covid-19 é causa de morte em 49% dos óbitos em janeiro no estado

A tragédia do Amazonas também pode ser medida pela proporção de mortes por covid-19 este mês. Das 2.516 já registradas e computadas pelos cartórios no estado, 1.234 foram covid-19 e 219, por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) —que é uma das consequências causadas pela covid-19.

Somadas as duas causas das declarações de óbito, elas respondem por 57,7% do total de mortes até aqui em 2021 no estado. Apenas a doença causada pelo coronavírus oficialmente corresponde a 49% dos óbitos.

Para efeito de comparação, em maio de 2020 —quando o estado viveu o pico da primeira onda da doença—, o percentual de mortes causadas pela covid-19 e SRAG responderam por 42,9% das 2.698 mortes registradas naquele mês.

Para a sanitarista e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileiro de Saúde Coletiva), Bernadete Peres, os números de 2021 no Amazonas fogem até mesmo ao padrão inicial da covid-19 e são reflexo direto de uma "inadmissível desassistência, falta de oxigênio e ausência de respostas para o controle da transmissão viral".

"Causa tristeza e indignação ver esses dados. É uma situação assustadora para o caso de doença evitável. A carga de adoecimento e morte é inaceitável e reflete o descaso, descompromisso e omissão com a vida das pessoas. A resposta precisa ser articulada em diversas dimensões: clínica, epidemiológica, econômica, social, biomolecular, política, de comunicação social etc.", avalia.

Pressão por distribuição de cloroquina em Manaus

Em 12 de janeiro, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o Ministério da Saúde pressionou Manaus a distribuir remédios sem eficácia comprovada para "tratamento precoce" — é o chamado kit covid, que contém itens como cloroquina ou hidroxicloroquina e azitromicina.

No dia 11, Pazuello visitou unidades básicas de saúde da capital amazonense. Na data, autoridades de saúde estaduais e municipais negaram pressão do Ministério da Saúde e disseram que o tema não foi tratado na visita. Contudo, profissionais de saúde do Amazonas confirmam o uso do kit na rede pública e também por pacientes que os tomaram por conta própria.

Não há comprovação do uso de cloroquina e da azitromicina combinadas de forma a prevenir ou tratar a covid-19. Algumas versões de kit covid divulgadas nas redes sociais e, inclusive, por profissionais de saúde, incluem também os vermífugos ivermectina e Annita.