Topo

CE: Cidade segue exemplo internacional para tentar frear contágio de covid

Alzira Frota, coordenadora de epidemiologia da Secretaria de Saúde de Eusébio (CE), e integrantes da equipe de saúde ao fundo. - Arquivo Pessoal/Alzira Frota
Alzira Frota, coordenadora de epidemiologia da Secretaria de Saúde de Eusébio (CE), e integrantes da equipe de saúde ao fundo. Imagem: Arquivo Pessoal/Alzira Frota

Pedro Philippe

Colaboração para o UOL, de Fortaleza

22/04/2021 04h00

Seguindo o exemplo de países que se saíram bem no combate à covid-19, o município de Eusébio, na região metropolitana de Fortaleza (CE), passou a testar em massa sua população para acompanhar os infectados e tentar evitar que não contaminem amigos e familiares.

Nascida de uma parceria com a unidade local da Fiocruz, a ação, que começou em janeiro, chega a fazer 350 testes por dia, já examinou 25% da população de 53 mil habitantes e foca na prevenção.

"O Brasil se preocupou em construir hospitais e novos leitos de UTI, que são essenciais para atendimento ao doente, mas fizemos muito pouco para prevenir a doença", diz o médico Carlile Holanda Lavor, responsável técnico pela instituição no estado.

Segundo especialistas, a testagem em massa ajuda autoridades a implementar medidas mais acertadas no enfrentamento da crise sanitária, enquanto a falta de testes atrapalha a formulação de uma estratégia para combater a pandemia. O Brasil é um dos países com mais casos confirmados de covid que menos testam a população — o que leva à subnotificação de casos.

As primeiras semanas de trabalho do secretário de saúde municipal, Josete Malheiros Tavares, em janeiro, coincidiram com o início da segunda onda da pandemia no Ceará. A pasta buscou a Fiocruz-Ceará, cuja sede no estado é em Eusébio. O órgão instruiu a administração a mapear as localidades mais afetadas pelo vírus e então acompanhar e monitorar os casos. Mas havia um problema.

"Existia um padrão de solicitar o exame entre o quinto e o sétimo dia de sintomas. Depois disso, a gente podia levar mais 15 dias para receber um resultado. Cumpria um papel meramente estatístico: dizia se o paciente tinha ou não a doença", diz Tavares.

Não havia nenhum esforço que o município pudesse fazer pra monitorar a situação, minimizar os riscos de transmissão e mudar a complicação do quadro do paciente
Josete Malheiros Taves, secretário de Saúde de Eusébio (CE)

Quando fez a proposta de agilizar os exames, o secretário ouviu do médico a seguinte pergunta: "Se eu lhe entregar os exames, você vai fazer o que de diferente das outras cidades do Brasil? Para que vai lhe servir esse exame antecipado?".

Prefeitura e Fiocruz combinaram o seguinte: por um lado, a administração municipal reorganizou o trabalho das 25 equipes de saúde para realizar coletas, inclusive nas residências, e acompanhar todas as pessoas próximas os moradores de Eusébio com covid-19. Por outro, o laboratório conduziu uma força-tarefa para entregar os resultados dos testes em pelo menos 24 horas.

fiocruz-ce - Divulgação/Fiocruz - Divulgação/Fiocruz
Cientista analisa amostra em laboratório da Fiocruz, no Ceará. Laboratório cearense é um dos três da instituição que processa exames para covid-19
Imagem: Divulgação/Fiocruz

"Os países que conseguiram conter a proliferação foram aqueles onde a população e o governo estavam unidos. O Brasil tenta ter um sistema único de saúde, mas cada município e cada estado faz seu sistema", afirma Lavor. Para ele, é ineficaz cada estado brasileiro adotar um modelo diferente de lockdown diferente, em períodos distintos.

O Brasil caminhou pouco na linha da prevenção. Além da vacina, que é importantíssima, a gente precisa aprender a prevenir. O Vietnã praticamente não contou óbitos. Justamente porque eles trabalharam junto às famílias para que a doença não se espalhasse
Carlile Holanda Lavor, responsável técnico pela Fiocruz-CE

Inaugurada em 2008 em Eusébio, a Fiocruz Ceará forma pesquisadores na área de saúde da família e trabalha para construir um polo industrial farmacêutico no estado. Ao lado do Rio de Janeiro e Paraná, a unidade cearense é um dos três laboratórios da Fiocruz que processam exames de swab (cotonete) — e atende outros dez estados.

Alzira Frota, coordenadora de epidemiologia da Secretaria de Saúde de Eusébio, tomou recentemente a segunda dose da vacina. Antes disso, perdeu um sobrinho e uma cunhada, que morreram de covid-19 neste ano.

A enfermeira explica que uma das atribuições das equipes dos postos de saúde mudou. Médicos e farmacêuticos prescrevem os remédios que o paciente precisa tomar, instrui sobre as medidas de isolamento na casa e acompanha a família. "Não tem como ter distanciamento em uma casa com três cômodos e seis pessoas morando nela. Essa é a nossa realidade", afirma Alzira.

Em 31 de janeiro, a cidade registrava 101 pessoas com covid na fase aguda em isolamento e duas pessoas internadas. Anteontem, o município contabilizava 1.249 pessoas infectadas na fase aguda da doença, com 32 internações hospitalares.

Se não fosse a Fiocruz, nós estaríamos numa situação muito pior. Antes da parceria, a gente demorava dias para conseguir acessar o resultado de um exame. Já aconteceu de a gente receber o resultado 21 dias depois da morte do paciente por covid-19
Alzira Frota, coordenadora de epidemiologia da Secretaria de Saúde de Eusébio

Em 2021, foram realizados 9.050 casos testes de covid-19 na cidade, que totaliza 2.662 casos confirmados de infecção e 51 óbitos até anteontem (20). Em todo ano passado, foram realizados 6.106 exames — houve registro de 2.008 casos de infecção e 72 óbitos.

"Mas agora estamos no olho do furacão", diz Tavares, reconhecendo que "esse número vai aumentar ainda". O município aplicou a segunda dose da vacina a 2.200 pessoas.

Um dos maiores desafios é conseguir a colaboração da sociedade. O secretário diz que em janeiro um evento religioso com mais de cem pessoas aconteceu na zona rural da cidade. "Todas as pessoas desse evento adoeceram e seis pessoas de uma mesma família morreram."

Mesmo com o chamado da prefeitura para que os moradores realizem exames, muitos só procuram atendimento médico apenas com sintomas graves, depois de seu estado ter se agravado em casa. "Nosso esforço diuturno é para evitar um número maior de mortes, mas eu considero que a gente tem um esforço razoável e diferente do que tem sido feito na maioria das cidades do Brasil."