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Só vacinação não controla pandemia: as lições da Europa para o Brasil

Cidadãos formam fila para receber a vacina contra covid-19 em Viena, na Áustria Imagem: Joe Klamar/AFP - 15.nov.2021

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

29/11/2021 04h00

Principal arma contra o novo coronavírus, a vacinação parece insuficiente para conter a covid-19 na Europa, de volta ao epicentro da pandemia em meio ao surgimento de uma nova cepa do vírus. Seguido de novas restrições —e protestos—, esse aumento nas infecções se deve a uma série de motivos que pode servir de alerta para que o Brasil não passe pelo mesmo nos próximos meses.

A alta de casos na União Europeia já ocorre há sete semanas consecutivas, acumulando 28 mil mortes na semana encerrada no dia 14 de novembro.

Dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) indicam nova onda de contágio na maioria dos países da região, com a maior taxa semanal de infecções per capita no mundo: 230 casos por 100 mil habitantes, contra 74 nas Américas.

De acordo com o Centro Europeu de Controle de Doenças, o chamado índice epidemiológico entre os 27 membros do bloco é alto (6,4 - 8,2) em 17 deles e muito alto em seis (8,2 - 10). Esse índice é baseado em indicadores como testes de positividade e taxas de internação, de casos e de mortes.

Europa retoma restrições

Um dos epicentros da pandemia, a Alemanha ultrapassou os 100 mil mortos por covid. O país elevou suas restrições a não vacinados no dia 19, quando passou a recomendar a 3ª dose aos já imunizados. Nas regiões do país com hospitais lotados, o acesso a restaurantes e eventos públicos agora é condicionado ao comprovante de vacinação.

Pedestre passa por um centro de testes de covid em Berlim, na Alemanha Imagem: Tobias Schawrz/AFP - 4.nov.2021

Além da ocupação das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) acima de 80% em algumas regiões, o país ultrapassou a marca de 60 mil casos diários pela primeira vez desde o início da crise sanitária, situação que "nunca foi tão séria", segundo Lothar Wieler, chefe do Instituto Roberto Koch, responsável pelo controle de doenças no país.

Na Áustria, onde as restrições aos não vacinados voltaram no dia 14, só é permitido sair de casa por motivos essenciais, sob o risco de pagar multa de 1.450 euros (R$ 9.137).

No dia 17, restrições semelhantes foram anunciadas na Bélgica, Irlanda, Suécia, Dinamarca, Eslováquia e República Tcheca, juntando-se a Estônia e Holanda, os primeiros a fazerem isso.

No dia seguinte, a medida foi adotada pela Grécia: não vacinados são impedidos de entrar em espaços fechados, como restaurantes, cinemas, museus e academias, mesmo com exame negativo para covid.

Na França, os cidadãos correm para marcar a 3ª dose da vacina após anúncio de novas medidas: quem não tiver atualizado o esquema vacinal até meados de janeiro de 2022 terá o passaporte sanitário cancelado.

Desde o dia 20, a Bélgica recomenda quatro dias por semana de trabalho remoto, uso obrigatório de máscara a maiores de dez anos e distanciamento físico obrigatório para conter uma "explosão de infecções", nas palavras do ministro da Saúde, Frank Vandenbroucke.

As restrições podem até aumentar depois que a Bélgica detectou o primeiro caso da nova variante, batizada de ômicron, sequenciada pela primeira vez em laboratório da África do Sul. A cepa também já foi encontrada na Alemanha, Itália e Reino Unido. Por medo de aumento nas infecções, a Europa se apressa para fechar as fronteiras e impedir o avanço da variante.

Embora países com altos índices de imunização já tenham ligado o alerta, o problema é mais grave na Europa Oriental em razão da vacinação lenta. Na Bulgária, por exemplo, apenas 29% da população adulta está totalmente vacinada, com registros de 325 mortes por 1 milhão de habitantes em 14 dias.

Imagem: Arte/UOL

Europeus vão às ruas

Insatisfeitas com as medidas, cerca de 35 mil pessoas se reuniram em Bruxelas, na Bélgica, no dia 21 para protestar contra a retomada das restrições. Na Holanda, os protestos foram registrados em diversas cidades um dia antes: em Haia, cinco policiais ficaram feridos e 40 pessoas foram presas.

No mesmo final de semana, 40 mil protestaram em Viena (Áustria), onde o lockdown foi retomado na segunda (22) e a vacinação será obrigatória no ano que vem.

Manifestante segura cartazes com os dizeres "Rua sem saída sanitária" e "Nem antivax nem cobaia" durante manifestação em julho contra a vacinação na França Imagem: CLEMENT MAHOUDEAU / AFP

"Só a vacinação não controla a pandemia, principalmente em local com nível intermediário de imunização", afirma o infectologista do Hospital Emilio Ribas, Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior.

O Infectologista Marco Aurélio Sáfadi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, concorda. "Mesmo em lugares com vacinação avançada, como na Europa, pode haver surtos e transmissão do vírus se medidas de contenção não forem tomadas."

Mas, afinal, onde a Europa errou e que lições o Brasil pode aprender?

Negacionismo

Na França, o índice de imunização está estacionado em 69% — ao incluir adolescentes — muito em razão da resistência de seus cidadãos. Nas redes sociais, os "anti-vaxxers" grupos com mais de 50 mil pessoas organizam protestos, como o que levou 160 mil às ruas em 170 cidades em 24 de julho.

"Felizmente esses grupos são pequenos no Brasil em comparação com Europa e Estados Unidos", diz Oliveira Júnior, que atribui a resistência brasileira "mais a uma questão ideológica entre conservadores do que medo da vacina", como é mais comum na Europa.

Ele explica que no Brasil a confiança em imunizantes é maior porque no Velho Continente "muitas doenças desaparecem há muito tempo, ao contrário do Brasil".

"São gerações que não viram crianças morrendo de sarampo, que há décadas não têm paralisia infantil. No Brasil essa memória é relativamente recente. Eu, com 50 anos, vi sarampo no Rio Grande do Norte, vi tétano neonatal. Para parte dos brasileiros isso é uma coisa muito presente", diz.

Mesmo assim, na Saxônia, no leste da Alemanha, o negacionismo ideológico é responsável pela menor taxa de vacinação do país e o maior índice de infecção. A província é reduto do partido da extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha), onde grupos antivacina realizam protestos frequentes. Uma pesquisa do Instituto Forsa apontou que metade dos não vacinados votou na AfD nas últimas eleições.

Apesar do negacionismo menor no Brasil, "a melhor solução para que o mesmo não aconteça no Brasil é o consumo de informações confiáveis", recomenda o médico.

Flexibilização de restrições

Na Europa, a maioria dos países afrouxou demais as medidas sanitárias. O primeiro foi o Reino Unido, em julho.

"Por lá, o distanciamento social e uso de máscara foram completamente abandonados", diz Oliveira Júnior, o que foi seguido por boa parte dos países vizinhos. "Não se vê mais obrigação de usar máscaras mesmo em ambientes fechados, como transporte público. A adesão despencou de forma muito intensa e explica o aparecimento da nova onda."

Compradores -- muitos sem máscaras -- se aglomeram em uma rua comercial em Londres Imagem: Toby Melville/Reuters

Infectologista da Fundação de Medicina Tropical de Manaus, Noaldo Lucena explica que a vacina serve para impedir o adoecimento grave e mortes, "mas a infecção e transmissão não são totalmente evitadas".

"Os vacinados reduziram os cuidados e voltaram a circular na Europa, o que justifica o aumento de casos, mas com avanço menor em proporção de hospitalizados e mortes", afirma. "Se nos países civilizados há recrudescimento de casos, o que pode acontecer no Brasil?", questiona.

Para que não ocorra o mesmo por aqui, ele pede que "mesmo os vacinados ainda usem máscara, não aglomerem e usem álcool em gel". "Ainda temos muita gente descoberta e isso pode levar ao surgimento de uma nova variante", alerta.

Os especialistas pedem ainda "muita cautela" a estados e municípios para a flexibilização. O Rio de Janeiro já autorizou a dispensa de máscara ao ar livre, enquanto a cidade de São Paulo decretou o fim do distanciamento social e o estado pretende liberar as máscaras no estado em 11 de dezembro.

Brasil inteiro precisa se vacinar

Os especialistas lembram que, no começo da pandemia, acreditava-se que 70% de vacinados seriam suficientes para a imunidade de rebanho, condição indispensável para a redução das transmissões. Com o surgimento de variantes mais transmissíveis, como a delta, o nível de proteção necessário foi elevado para 90% da população, dizem.

"Até lá, vai continuar tendo propagação do vírus", diz Oliveira Júnior. "E não adianta uma cidade ou estado estar imunizado e outro não porque as pessoas viajam", afirma.

A pandemia é mais grave no leste europeu e algumas regiões específicas na Alemanha justamente em razão da desigualdade nos índices de vacinação. No Brasil, a preocupação é com os estados do Norte, onde o índice patina em 42,7%. No Sudeste, está em 64%.

Governador de Roraima, Antonio Denarium, é imunizado contra a covid. Com apenas 30% de totalmente vacinados, o estado é o último colocado no ranking nacional Imagem: Divulgação

"Se o vírus chega a um local com vacinação incompleta, sem vacinação ou segunda dose há muito tempo aplicada, ele se multiplica e traz a chance de formação de novas variantes", diz Júnior.

Nos países europeus com imunização uniforme — como Portugal, Espanha e Itália—, a pandemia está mais bem controlada.

Brasil vai se preparar dessa vez?

Apesar de todos os alertas, Oliveira Júnior lembra que o Brasil sempre teve a possibilidade de se preparar antes, "porque o que acontece aqui é precedido no hemisfério norte".

"Apesar disso, a gente não se preparou em relação à vacina", diz ele, sobre o atrasado na compra dos imunizantes. "Dá para aprender e se preparar com antecedência: o principal recado agora é ampliar a vacinação até o final do ano".

Quando se considera a média, o Brasil tem 61% de vacinação completa. Isso não é suficiente para interromper a pandemia. A boa notícia é que aqui a vacinação continua crescendo, diferentemente dos EUA e da Europa, onde estagnou."
Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior, infectologista do Emilio Ribas

Sáfade, da Santa Casa, lembra que o Brasil leva vantagem em relação aos europeus por "termos uma vacinação mais recente, e por isso nossa imunidade ainda não caiu".

"Mas é preciso continuar avançando: tem de dar a segunda dose a todos, vacinar as crianças e organizar uma flexibilização cautelosa e com vigilância atenta para retomar as medidas restritivas se for necessário", afirma.

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