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CFM diz que vai obrigar médico a declarar vínculo com farmacêuticas

Vínculos entre médicos e indústria no Brasil devem ser divulgados ao público Imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

28/08/2024 05h30Atualizada em 28/08/2024 12h53

O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que obriga os médicos a declararem se prestam serviços para farmacêuticas e fabricantes de próteses, como palestras e pesquisas. Outros tipos de benefícios, como viagens internacionais, jantares e presentes, não precisam ser declarados. A norma deve entrar em vigor em março de 2025.

O que aconteceu

A resolução foi aprovada em 17 de agosto e deve ser anunciada pelo CFM nesta quarta (28), em coletiva de imprensa. O texto prevê regras em relação aos "vínculos e conflitos de interesse do médico com indústrias farmacêuticas, de insumos da área da saúde e equipamentos médicos".

É a primeira norma nacional que exige a transparência dos vínculos entre médicos e indústrias da saúde. Dezenas de outros países têm leis que obrigam a divulgação total dos conflitos de interesse.

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Mas a regra do CFM exige apenas a menção da existência do vínculo, não a declaração dos valores recebidos. A intenção do CFM é disponibilizar as informações para consulta pública.

Além disso, a resolução engloba apenas prestação de serviços pelos médicos. Isso inclui remuneração por cursos e palestras, divulgações de produtos e pesquisa. Os médicos terão que declarar as informações ao CFM em até 60 dias após o pagamento dos serviços.

Já presentes recebidos pelos médicos, como viagens para congressos internacionais, ficaram de fora da resolução do CFM. Isso corresponde à maior parte dos recursos pagos pela indústria da saúde aos profissionais, segundo análise do UOL.

O texto inicial levado à discussão do CFM era mais ambicioso: abrangia tanto a declaração dos valores como dos presentes. Mas, durante a discussão, essas partes foram suprimidas. O tema foi levado ao CFM por Raphael Câmara, conselheiro da entidade. A inspiração veio de uma proposta de Medida Provisória apresentada por Marcelo Queiroga, então ministro da saúde, a Jair Bolsonaro, à época presidente.

A norma do CFM também prevê que os médicos deverão declarar os conflitos de interesse quando forem dar entrevistas. A norma isentou sociedades médicas de declararem vínculos com a indústria de saúde.

O CFM diz que o objetivo é evitar que "conflitos de interesse interfiram em ações" médicas. A entidade afirma também que as novas regras criam "um novo paradigma" para as relações entre médicos e indústria, sem interferir na autonomia dos profissionais.

É uma resolução histórica. A resolução pega os peixes grandes, ou seja, os médicos que ganham dinheiro diretamente da indústria — muitas vezes para elogiarem um produto, sem que a população ou outros médicos desconfiem. Além disso, a resolução vai iniciar um debate no Brasil sobre o tema.

Os pagamentos da indústria aos médicos, principalmente se não houver transparência, podem ser deletérios e, ao meu ver, interferir na conduta médica em alguns casos. O CFM mostra que está preocupado com isso e assumindo a dianteira dessa questão.
Raphael Câmara, conselheiro do CFM, que apresentou o texto da resolução aprovada pela entidade

Indústria da saúde gasta milhões com médicos

A indústria da saúde gasta milhões com presentes e mimos a médicos brasileiros, conforme mostrou o UOL em março, a partir da análise inédita de dados de Minas Gerais.

Minas é o único estado do país que obriga a divulgação de pagamentos e benefícios concedidos aos médicos pela indústria da saúde. As informações devem ser divulgadas anualmente à Secretaria Estadual de Saúde pelas próprias empresas e são incluídas em um banco de dados.

A análise do UOL mostra que os médicos mineiros receberam R$ 198 milhões da indústria da saúde, de 2017 a 2022 — excluindo-se financiamento de pesquisas.

A contratação de cursos e palestras — no foco da resolução do CFM — respondeu por 30% desse montante (R$ 59 milhões). Gastos com transporte e hospedagens para congressos consumiram mais R$ 64 milhões; inscrições em congressos e eventos educativos, R$ 37 milhões; refeições, R$ 31 milhões.

Dez médicos mineiros foram beneficiados com mais de R$ 1 milhão cada um. O maior valor foi para um ortopedista: R$ 2,7 milhões.

Cardiologistas, dermatologistas e endocrinologistas foram as especialidades mais patrocinadas. As empresas dizem que não trocam os pagamentos e benefícios por prescrições.

A lei mineira foi inspirada no Sunshine Act, aprovado nos Estados Unidos, em 2010, no governo de Barack Obama. Dezenas de países copiaram a iniciativa. No Brasil, projetos de lei similares estão parados no Congresso Nacional.

CFM já tentou proibir viagens, mas recuou

Em 2010, o CFM tentou proibir que fabricantes de remédios e de próteses custeassem viagens de médicos a congressos. Isso corresponde à maior parte dos benefícios pagos aos profissionais de Minas Gerais (32%).

O objetivo era reduzir conflitos de interesse — como a prescrição de determinada marca de remédio ou produto de saúde para ganhar as viagens. "Nenhuma indústria farmacêutica faz atos de generosidade desinteressada", escreveu o presidente do CFM à época, o médico Roberto d'Avila.

Ao final, a ideia acabou descartada. Em vez de impedir o financiamento de viagens em geral, o CFM proibiu apenas o pagamento de viagens de lazer para médicos, bem como viagens para parentes. Viagens para participar de congressos seguiram permitidas.

Já em 2018, a Abimed, que reúne fabricantes de próteses e equipamentos de saúde, proibiu que seus associados bancassem viagens de médicos a congressos organizados por terceiros. O custeio de eventos organizados pelas próprias patrocinadoras, no entanto, continuou valendo.

A medida foi tomada após escândalos no Brasil e nos Estados Unidos envolvendo indústrias de próteses. Médicos foram descobertos recebendo comissões pelo uso de produtos ortopédicos em cirurgias, muitas desnecessárias.

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