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Sem lockdown, várias cidades podem repetir drama de Manaus, alerta infectologista

Números de brasileiros mortos e infectados pelo novo coronavírus não param de subir, levando muitos prefeitos e governadores a temer pelo pior - Tatiana Fortes/Governo do Ceará
Números de brasileiros mortos e infectados pelo novo coronavírus não param de subir, levando muitos prefeitos e governadores a temer pelo pior Imagem: Tatiana Fortes/Governo do Ceará

02/03/2021 14h50

O médico Julival Ribeiro diz que há um risco muito alto de várias cidades repetirem o drama de Manaus e critica inanição do governo Bolsonaro que, segundo ele, nada fez até aqui para combater a pandemia. O especialista também alerta que novas variantes têm levado pacientes cada vez mais novos para os hospitais.

Os números de brasileiros mortos e infectados pelo novo coronavírus não param de subir, levando muitos prefeitos e governadores a temer pelo pior. O drama de Manaus, em que pacientes morreram sem oxigênio, pode se generalizar Brasil afora. "Eu sou totalmente a favor do lockdown em algumas cidades. Você já tem o número de leitos com a capacidade quase toda ocupada, o número de casos aumentando assustadoramente. Temos que tanto ter retaguarda de leitos, quanto impedir a transmissão", diz o infectologista, à RFI.

"Além das medidas preventivas, temos que fazer de uma maneira ou de outra o lockdown, parar mesmo o que for possível, para a gente frear na realidade essa transmissão. Será que nós vamos esperar um milhão de mortes para a sociedade acordar? Para que vejam que todos estamos no mesmo barco? Nós precisamos de medidas duras para dar um basta ao vírus, se não a própria economia não se recupera", atesta.

Ribeiro ressalta que a situação já é dramática em vários Estados, como Goiás, Bahia, Distrito Federal e São Paulo. Imagine com essas novas variantes, que têm maior volume de transmissão, o que vai acontecer com o sistema de saúde?", frisa o especialista. Ele chama a atenção para um estudo recém publicado, que mostra que a carga viral da variante de Manaus "é altíssima".

"Com maior número de transmissão, precisamos de mais hospitalizações, mais leitos de terapia intensiva, e infelizmente, cresce o número de mortos. É esse o período que estamos vivendo", sublinha o infectologista.

Mais jovens internados

Julival Ribeiro diz que, em princípio, as mutações do vírus não têm capacidade de provocar uma infecção mais severa, porém médicos têm observado que pacientes cada vez mais jovens têm sido acometidos pela doença. "Conversando com colegas de vários estados brasileiros, todos infectologistas, o que está se vendo é: o período de incubação que vai de dois a 14 dias está mais curto, uma média de cinco, seis dias. E a doença acomete mais jovens, sobretudo casos de jovens com pneumonia, ocupando maior parte do pulmão. Essas mutações estão ocorrendo na parte mais importante do vírus, chamada proteína 'spike'. É onde se faz a ligação do vírus com as células humanas", explica.

Para o enfrentamento dessa situação, o médico é favorável a medidas restritivas e mesmo ao fechamento total em alguns lugares, mas acha que as escolas poderiam continuar abertas, desde que sigam rigorosamente os protocolos de higiene. Ele defende que cada turma viva numa espécie de bolha nos colégios, com intervalos específicos para cada classe, separadamente.

"Assim, se tivermos alguém contaminado numa turma, as aulas serão suspensas apenas para esse grupo, e não para o restante. Mas é preciso, repito, haver um protocolo muito firme de higiene", insiste.

Ribeiro ressalta que, até o momento, as pesquisas não apontam contágio maior das novas cepas entre as crianças. Entretanto, a disseminação das novas linhagens ameaça as campanhas de vacinação em curso em diversos países. "O mundo está muito preocupado porque essas variantes podem realmente diminuir a eficácia da vacina ou mesmo evadir a resposta da vacina."

Governo inerte

Para explicar como o país chegou a esse nível de transmissão, Ribeiro aponta para a Esplanada dos Ministérios e não poupa críticas ao governo Bolsonaro. "Na realidade, desde o primeiro momento que começou a pandemia na China, depois para os outros países, nós nunca tivemos neste país qualquer planejamento estratégico em relação à Covid. E o mais grave: nós nunca tivemos uma coordenação que deveria ser ocupada pelo Ministério da Saúde, com direcionamento para estados e municípios", critica.

"Desde o início da pandemia, infelizmente o Brasil não fez o papel que deveria ter feito para evitar a atual situação. O que nós vimos no decorrer de um ano foram troca de ministros no governo federal e uma verdadeira campanha política em cima da Covid. E hoje, estamos vendo o resultado", lamenta o especialista.

O país já registra mais de 250 mil mortes e a vacinação avança devagar na maioria do país, ressalta. "O cenário é realmente dramático. Eu diria que é muito alto o risco de um colapso geral ou de outras cidades repetirem Manaus", reitera.

O infectologista também condenou as declarações do presidente da República, que além de desdenhar o tempo inteiro da pandemia, chegou a condenar o uso de máscaras no dia em que o Brasil batia recorde de mortos. "Ninguém tem dúvida: hoje, há estudos mostrando que as máscaras têm impacto, sim, na transmissão. Na Europa, além dos Estados Unidos, através do Centro de Controle de Doenças de Atlanta, estão recomendando usar duas máscaras, devido a essas variantes. Você usa uma máscara cirúrgica por baixo e depois uma máscara de pano por cima", explica. "Portanto, enquanto um renega e debocha da máscara, o presidente Joe Biden está liberando 25 milhões de máscaras para americanos que não têm condição de comprar esse item importante. Veja a grande diferença de atitude entre os presidentes daqui e de lá: um defende a vida, o outro defende a contaminação."