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Para quatro mulheres, a beleza é calva

A partir da esquerda: Megan Sanders, Brittany Myers, Helen Phillips e Rachel Fleit se encontram no Sycamore Bar & Flower Shop, no Brooklyn, em Nova York. Quatro mulheres que vivem com alopecia universalis dividem seu apoio mútuo e discutem suas histórias de confusão de identidade, aceitação e coragem - Yana Paskova/The New York Times
A partir da esquerda: Megan Sanders, Brittany Myers, Helen Phillips e Rachel Fleit se encontram no Sycamore Bar & Flower Shop, no Brooklyn, em Nova York. Quatro mulheres que vivem com alopecia universalis dividem seu apoio mútuo e discutem suas histórias de confusão de identidade, aceitação e coragem Imagem: Yana Paskova/The New York Times

Helen Phillips

Em Nova York (EUA)

03/08/2015 06h00

Quatro mulheres carecas entram em um bar.

O bar é o Sycamore, no Brooklyn. A missão é enumerar as muitas vezes que fomos confundidas umas com as outras. E comparar anotações sobre como é ser uma mulher vivendo com alopecia universalis em Nova York.

Embora eu nunca tivesse encontrado minhas três sósias, eu as conhecia, de certa forma. Desde 2011, quando parei de usar lenços para cobrir a cabeça depois de 18 anos de calvície, sou abordada por estranhos que me cumprimentam calorosamente, perguntando sobre o meu cachorro ou me lembrando de que nos encontramos numa festa ou insistindo que eu estava na aula de ioga do dia anterior.

Em 2012, a supervisora de figurino Megan Sanders, agora com 30 anos, estava a caminho de uma reunião em um prédio de Manhattan, quando o ascensorista a cumprimentou chamando-a de Rachel.

Megan já sabia de Rachel (Fleit) por outras situações de confusão de identidade. Mais de uma vez ela tinha sido perseguida na rua por pessoas gritando, "Rachel! Rachel!" Naquele momento, ela percebeu que tinha ido parar no lugar onde Rachel trabalhava (como diretora de criação da grife Honor). Vinte minutos depois, o ascensorista interrompeu a reunião de Megan para dar o cartão de Rachel a ela.

Rachel, 34 (que foi a inspiração para o personagem com alopecia no filme de Josh Radnor "Tudo Acontece em Nova York" e que está trabalhando em seu próprio roteiro sobre uma menina que cresce com alopecia), diz que não podemos exatamente culpar as pessoas por confundirem mulheres carecas de uma certa altura, idade e cor, considerando que uma amiga careca dela mandou recentemente uma foto para ela de uma mulher careca esperando o metrô – mais uma sósia.

"E era eu", disse Rachel. "Eu estava esperando o metrô na Atlantic Avenue."

Todas nós estávamos reticentes quanto à forma de nos referir à nossa condição, que não tem uma cura confiável e afeta uma em 200 mil pessoas, enquanto doença. Doença parece um termo forte demais para um problema que não ameaça a vida (nem mesmo a saúde).

"Eu odeio quando as pessoas dizem que eu 'sofro' de alopecia", diz Rachel tomando champanhe com suco de laranja. Nós murmuramos, concordando. "E eu nem gosto de quando chamam de doença ou distúrbio."

“Eu sempre digo uma 'condição de perda de cabelos'”, acrescentei.

“Eu digo 'situação'”, diz Rachel, e nós todas demos risada.

“Eu sempre hesito quando as pessoas dizem: 'espere, o que é alopecia?'", diz Brittany Myers, 30, especialista em branding. "E então respondo: 'é uma coisa autoimune que acontece", porque eu não quero dizer distúrbio. Eu não quero dizer doença.”

Quando o pai de Rachel, que por acaso é imunologista, explicou, quando ela era criança, que o corpo dela estava basicamente atacando os próprios folículos pilosos, ela achou que isso queria dizer que ela tinha um sistema imunológico excepcionalmente forte e começou a pensar em si mesma como uma "super-humana alopeciana".

Aqui em nossa mesa para quatro, onde nos encontramos chamando o resto do mundo de "cabeludo", nós, super-humanas alopecianas discutimos tudo o que temos em comum. A capacidade de tomar banho em 30 segundos. A irritação com o suor que escorre do couro cabeludo ao fazer a postura do cachorro olhando para baixo. A exasperação diante da pergunta lasciva e muito familiar: "quer dizer que você não tem pelo em lugar nenhum?"

E um profundo apreço por morar em Nova York, onde uma mulher careca raramente é a coisa mais estranha que alguém já viu num dia qualquer. Observamos que quando viajamos para outros lugares, normalmente pressupõem que somos pacientes de câncer.

Dentro dos limites da cidade, a reação mais comum é, "belo corte de cabelo", seguido de "é isso aí, garota!" Entre os comentários favoritos estão: "você é famosa?" (de um idoso para Brittany) e o meu preferido: "você deve ouvir músicas das quais eu nunca ouvi falar” (uma cantada que Megan recebeu em um bar).

Também compartilhamos uma certa vergonha de nossa cabeça nua perto de crianças, que ficam olhando de forma menos sutil do que os adultos. Para Rachel e eu, que perdemos os cabelos quando éramos crianças, esta sensação está ligada à memória dos anos que passamos tentando esconder a calvície dos colegas de classe.

"Minha tarefa diária era impedir que uma criança me perguntasse se eu usava peruca", disse Rachel. "Eu respondia que 'não'.”

Ela confessa que tinha uma relação complexa e "codependente" com sua peruca. Ela dormiu de peruca durante todo o primeiro ano de faculdade, muito nervosa para contar a verdade para a colega de quarto.

Megan e Brittany, que perderam o cabelo quando tinham 25 anos, entendem esses sentimentos difíceis. Brittany diz que no início achou que tinha que aceitar a ideia de que "a beleza não faz mais parte da minha vida agora que estou careca”.

Uma noite, ela esqueceu de colocar o lenço na bolsa de ginástica. "Eu tinha que entrar na academia sem nada na cabeça, e eu simplesmente não conseguia fazer isso. Eu tive um colapso nervoso no vestiário.”

Chega um momento, porém, em que a libertação de andar pelo mundo “topless”, como Rachel chama, supera a vergonha e a obsessão com a reação das outras pessoas.

Eu me desfiz dos meus lenços na mesma semana em que meu primeiro livro saiu; parecia bobo ficar cobrindo minha calvície depois de expor minha intimidade na escrita. E a exposição forçada causada pela minha calvície de longa data provavelmente me ajudou a decidir seguir a carreira de escritora, na qual meu trabalho é me revelar o tempo todo.

"O dia em que decidi que estava pronta para abrir mão e raspar tudo talvez tenha sido o dia em que me senti mais forte na vida", diz Megan. Ela tinha perdido uma porcentagem grande demais de cabelo para conseguir esconder a calvície, então uma amiga ajudou a raspar sua cabeça, "e em seguida começou a pintar o meu retrato”, disse ela.

O momento de Rachel finalmente chegou na faculdade, quando ela estava estudando teatro: "meus amigos estavam se assumindo gays, e eu dizendo: sou careca."

Brittany, uma alpinista e ultramaratonista séria, descobriu que muitas das coisas que ela mais gostava de fazer simplesmente não podiam ser feitas usando uma peruca. Ela teve que tomar uma decisão consciente de que isso não a impediria de continuar.

O segredo do nosso clube das garotas carecas é que ser careca pode ser uma enorme vantagem. Nossas cabeças carecas podem servir como uma espécie de marca, tornando-nos memoráveis e nos conferindo uma autenticidade imediata.

"Todo mundo tem suas inseguranças", Megan observa, "as nossas estão apenas mais visíveis e óbvias.”

Porque carregamos nossa vulnerabilidade a tiracolo (ou melhor, na cabeça), descobrimos que nossas aparências muitas vezes facilitam estabelecer vínculos com pessoas cujas vulnerabilidades não são tão perceptíveis. Nós descobrimos que é possível deixar de sentir a falta de cabelos como se fosse uma ameaça à identidade a passar a senti-la como uma parte essencial da nossa identidade.

Antes de seguirmos nossos rumos, fiz a pergunta de um milhão de dólares: se você pudesse ter cabelo novamente, você teria?

Nossas respostas variam: "acho que não sou tão evoluída"; "eu optaria por cabelo em vez de não ter cabelo"; "eu quero chegar a um momento na minha vida em que não me sinta assim”; e “se meu cabelo fosse crescer novamente amanhã, eu teria que reajustar seriamente quem eu penso que sou, porque encontrei muita beleza nisso. É como as mulheres com cabelos longos bonitos – elas associam sua beleza a isso. Agora eu amo essa parte de mim, e não quero perder isso."

Minha própria resposta veio não faz muito tempo, quando tive um sonho que era a inversão do velho pesadelo de perder cabelo: no meu pesadelo, fiquei horrorizada e enojada ao descobrir uma cabeleira grossa e brilhante crescendo na minha cabeça.